26 março 2013

O estado atual da reabilitação urbana


A intervenção do setor da construção tem de se adequar e dar resposta aos problemas concretos da sociedade. Hoje na Europa, e em particular em Portugal, a reabilitação do património edificado assume uma importância fundamental.

O extraordinário investimento, nas últimas décadas, na construção de novos edifícios conduziu a um excesso de oferta e à não intervenção no património edificado existente, que teve como consequência o abandono do centro das cidades. Por outro lado, há uma ideia não fundamentada de que a reabilitação dos edifícios é cara, não permite satisfazer as exigências atuais de conforto e que só intervenções muito intrusivas conduzem ao sucesso, o que tem de ser contrariado por não corresponder à verdade.

A reabilitação urbana constitui um exercício complexo, que exige aos intervenientes um conhecimento multidisciplinar sem o qual não é possível conceber e implementar as melhores soluções. Não devemos também esquecer que ao reabilitar esse património edificado estamos a contribuir para a preservação de uma herança cultural, que não pode nem deve ser negligenciada, bem como a contribuir para um futuro mais sustentável, pela optimização da mobilidade e das infra-estruturas já existentes.

O investimento no setor dos edifícios já teve uma inflexão que só pode conduzir a um maior investimento na reabilitação, que em alguns países europeus atinge cerca de 50% do investimento total do setor. Em Portugal estamos ainda muito longe desse número. O futuro da construção passa pela reabilitação, atendendo a que na atual conjuntura económica apresenta vantagens que devem ser claramente evidenciadas: mão-de-obra intensiva, aplicação de materiais predominantemente nacionais, possibilidade de atuação em todo o território nacional, regeneração urbana, em que o turismo e a criação de pequenas empresas de comércio e serviços são uma natural consequência.

A reabilitação urbana exige que sejam criadas um conjunto de condições que ainda não estão reunidas, nomeadamente: a existência de um mercado em que os privados sejam o motor dessa dinâmica, a existência de um mercado efetivo de arrendamento em que os impostos sejam apenas os justos necessários, desenvolvimento de conhecimento específico, atendendo a que se perdeu o conhecimento empírico, validado pela experiência, e não há ainda informação consolidada suficiente que seja transmitida nas escolas de ensino superior e formação profissional avançada que permita formar profissionais vocacionados para este desafio e a criação de regulamentação específica e flexível, que atenda à especificidade dos edifícios a reabilitar associada a um processo de licenciamento célere, bem como a criação de um modelo de empréstimo bancário de suporte à reabilitação que nada tem a ver com o modelo do passado, pelos valores envolvidos e respetivas garantias.

A criação de um mercado efetivo exige que todos os entraves jurídicos e administrativos sejam ultrapassados para que a não celeridade corresponda a um importante custo. Deve também encontrar-se um modelo alternativo para os impostos que incentivem o mercado de arrendamento, que neste momento é fortemente penalizador para os investidores e com consequências para os inquilinos no valor das rendas, considerando que a reabilitação deve ser prioritária para o relançamento do crescimento.

O conhecimento técnico indispensável à reabilitação passa pela divulgação de metodologias adequadas: caracterização e tipificação das soluções construtivas do passado; desenvolvimento de termos de referência com as principais preocupações e exigências a satisfazer pelos diferentes elementos da construção (fundações, paredes resistentes, paredes divisórias, pavimentos, vãos envidraçados e coberturas); proposta de uma abordagem exigencial na reabilitação; avaliação da compatibilidade entre os principais regulamentos e documentos normativos e discussão da adequabilidade dos regulamentos existentes à reabilitação de edifícios antigos; desenvolvimento de estudos de diagnóstico e metodologias de intervenção (sistemas estruturais, elementos de madeira, comportamento da pedra, comportamento higrotérmico, eficiência energética, sistemas de ventilação, sistemas prediais de abastecimento e drenagem de águas residuais, etc.) e elaboração de projetos de reabilitação com a adequada pormenorização e especificação.

Deve ainda exigir-se que, tão rapidamente quanto possível, se desenvolva uma regulamentação específica para a reabilitação que envolva as universidades e os laboratórios de referência, as instituições do estado ligadas ao setor da construção, as empresas e os organismos de controlo.

Os bancos não podem ser dissociados deste processo e têm de criar instrumentos diferentes daqueles que foram utilizados no passado, para apoio ao sector da construção. O que está em causa é o somatório de pequenos e médios investimentos que no seu conjunto são muito relevantes.

O futuro da construção terá de passar pela reabilitação, o que exige uma nova abordagem e um quadro financeiro, legal e estratégico estável. Certamente que uma estratégia de continuidade, eventualmente suportada por um conjunto de apoios financeiros à reabilitação urbana é muito desejável, mas como mínimo devemos pedir que o estado não perturbe o processo de reabilitação criando os instrumentos que facilitem a implementação dos projetos que envolvam a reabilitação urbana.

Por Vasco Peixoto de Freitas, Professor Catedrático, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

Fonte: VI

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