28 janeiro 2017

Despejos de casas em três meses? Continua a ser impossível


Era a promessa quando foi criado o Balcão Nacional do Arrendamento, mas está longe de ser cumprida. Os advogados admitem que o procedimento está mais eficiente, mas há formalidades que travam a celeridade. No ano passado fizeram-se 160 despejos por dia.


Em 2016 o Balcão Nacional do Arrendamento emitiu 1.931 títulos de desocupação, que o mesmo será dizer, deu luz verde para que outros tantos processos de despejo fossem efectuados. São uma média de 160 por mês e o número corresponde a menos de metade dos requerimentos entrados. Muitos ficam pelo caminho, outros têm de ser submetidos várias vezes até serem aceites, tornando o processo muito mais moroso do que faria prever a própria lei.

O BNA foi criado na sequência da reforma do Arrendamento Urbano, que entrou em vigor em 2012. Começou a funcionar no início de 2013, passam agora quatro anos, e significou "uma mudança substancial e um enorme progresso" em relação ao anterior regime, de recurso obrigatório aos tribunais, "em que um inquilino podia ficar dez anos numa casa sem pagar enquanto o processo corria", assinala Luis Meneses Leitão, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP). Ainda assim, o BNA está longe de cumprir a missão com que foi criado pelo anterior Governo: realizar despejos num prazo de três meses. 

"Na altura foi feita uma propaganda, segundo a qual os senhorios podiam fazer tudo sem advogado, mas não é assim. Basta que não notifiquem o inquilino e avancem logo para o BNA e volta logo tudo para trás. Ou então não entregam a declaração de impostos e acontece o mesmo", exemplifica o presidente da ALP. "Só isso torna logo o processo mais moroso".

Questões formais levam a recusas iniciais dos processos

Regina Santos Pereira, advoga da especialista em arrendamento, afirma que "cerca de 90% dos procedimentos especiais de despejo que dão entrada são recusados". Mesmo quando entregues por advogados, sublinha. E elenca as razões. A inexistência de contrato é uma delas, e acontece frequentemente. Por exemplo, porque o arrendatário originário morreu e o arrendamento, com o consentimento do senhorio, passou para familiares, mas sem que o contrato tenha sido atualizado (algo a que a lei nem sequer obriga, sublinha a advogada). Neste caso é preciso reclamar para o tribunal, que em regra dá razão ao requerente e devolve o procedimento ao BNA, que processa o despejo, explica.

Outro problema tem a ver com o facto de, sendo o inquilino casado, ser necessário enviar duas notificações para o PED, uma para cada um dos cônjuges. Se isso não for feito, o BNA recusa e, mais uma vez, é preciso reclamar para o tribunal. "Mesmo que, por exemplo, o arrendatário até já esteja divorciado e a questão nem sequer se colocar", diz a advogada.

Outra situação recorrente acontece quando o BNA não consegue notificar o inquilino. Nos despejos feitos em tribunal, este notifica através de citação posta, pessoal e edital. No BNA é enviada apenas uma carta registada e se esta for devolvida, o BNA "anula a notificação por impossibilidade do cumprimento de uma formalidade do PED". Há quem reclame e peça ao juiz que ordene que seja um agente de execução a fazer a notificação, mas nem sempre os tribunais aceitam.

A necessidade de intervenção do tribunal atrasa todo o processo, não obstante, com a nova lei, o despejo ser considerado um processo urgente (por exemplo, não interrompe durante as férias judiciais). "uma simples recusa pode tornar o PED mais demorado do ponto de vista da tramitação".

"Nunca fiz um despejo em três meses. São pelo menos seis e sem tribunal", diz Regina Santos Pereira. Filipa Duarte Gonçalves, também advogada especialista na área, concorda. "A experiência que tenho é que os funcionários que lá estão são muito rigorosos e não admitem qualquer deslize". Além disso, acrescenta, "o volume de trabalho que têm, com o BNA a ter competência para todo o território nacional, contribui para que não consigam resolver tudo em tempo útil". E assim, conclui, "em vez de seis meses acaba por ser quase um ano". Há aliás, reconhece, "quem continue a usar a ação declarativa, em tribunal, que em certos casos pode até ser mais rápida". Afinal, "se todos forem para o BNA, nos tribunais há mais espaço, é uma questão de estratégia".

Fonte: Negócios

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