24 outubro 2012

A competitividade do licenciamento


O mundo (e atores locais) não observa de forma particularmente simpática o modo como se processam os licenciamentos em Portugal, traduzida na perceção dos atores regionais e globais de que o ambiente institucional português é adverso ao investimento, à iniciativa. Em síntese, os agora designados custos de contexto afugentam (ou matam) iniciativas úteis à economia e sociedade portuguesas.

Os Municípios são criticados pelos agentes económicos e sociais por responsabilidades na obstrução ao licenciamento. Mas, a opinião pública (e publicada) ignoram que a competência do licenciamento é fortemente tutelada por um conjunto de entidades (dezenas) que administram um imenso universo de servidões administrativas e restrições de utilidade pública (SARUP) de cuja conformidade dependeo licenciamento. Isto é, se a Câmara Municipal é a entidade competente para o licenciamento de operações urbanísticas acolhendo múltiplas atividades, é certo que o licenciamento depende da precedente observância de pareceres de entidades (dezenas, repita-se) que tutelam as SARUP.

A Servidão Administrativa é um encargo imposto, por disposição de lei, sobre certo prédio em proveito da utilidade pública de uma coisa. E entende-se por Restrição de Utilidade Pública, “toda e qualquer limitação sobre o uso, ocupação e transformação do solo que impede o seu proprietário de beneficiar do seu direito de propriedade pleno *sem depender de qualquer ato administrativo* uma vez que decorre diretamente da lei”.

Acrescente-se que o universo das Servidões e Restrições é regulado num conjunto muito significativo de diplomas (acima de centena), significando tudo menos clareza e transparência, valores exigidos pela iniciativa, pelos investimentos, em contexto de globalização competitiva.

É um desafio ao sector do Ordenamento do Território e Urbanismo, ao Governo, neste primeiro esboço do Sec XXI (e já vamos em 2012) a necessidade de imprimir uma tarefa continuada no sentido de obter melhor clareza e transparência às SARUP e, no melhor exercício, conduzir uma continuada exigência de, em muitos casos, eliminar, revogar, fazer desaparecer, um muito significativo conjunto de SARUP carentes de justificação ou fundamentação seja porque, datadas, ultrapassadas pela ciência e tecnologia, conhecimento aplicado, ou por competências hoje configuradas nos quadros municipais de maior qualificação e proximidade.

Nas centenas de diplomas onde, para além de se estabelecer a correspondente Servidão ou Restrição, são determinados conjuntos de procedimentos necessários à obtenção de pareceres ou deliberações favoráveis, significando consumo de prazos incompatíveis com os tempos de decisão das empresas ou famílias e, na maioria dos casos, os procedimentos são desconexos, difusos, sujeitos a caprichos e carentes de escrutínio pelos atores das iniciativas.

A frustração de iniciativas ou incapacidade da iniciativa vir a justificar-se no quadro exigível de rendibilidade sustentada pela iniciativa empresarial corresponde ao quadro geral observado na economia e sociedade portuguesas.

A saber, ou se observa uma mudança institucional significativa, de folgo, ou prossegue a tendência do empobrecimento, em benefício único (e último) de manter poderes difusos e abstratos que, sem legitimidade democrática ou razão científica, configuram e formatam, em Portugal, um ambiente institucional desfavorável ao investimento, ao desenvolvimento económico e social.

A Administração Pública, e de modo particular sectores da Administração Central, suportam-se em sobrevivência de interesses corporativos incompatíveis com as exigências da modernidade, da competitividade do licenciamento, da economia contemporânea, beneficiando da ancilosada existência legal de inúmeras servidões administrativas e restrições de utilidade pública injustificáveis, sem sentido, face ao conhecimento adquirido e competências ganhas.

Tarefa central do Governo, da política de ordenamento do território e urbanismo, do setor, promover um ambiente institucional compaginável com a modernidade e competitividade.

Por Carlos Lourenço Fernandes, engenheiro urbanista e assessor na Câmara Municipal de Sintra


Fonte: Jornal Arquiteturas

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