Um bom princípio para a dinamização do mercado, defendem proprietários e promotores. Uma ação inconstitucional e desadequada da realidade do país, acusam os inquilinos. Após a publicação da portaria relativa às declarações do Rendimento Anual Bruto Corrigido (RABC), a Nova Lei do Arrendamento Urbano, que entrou em vigor em Novembro passado, vê-se agora perto da implementação plena. Entre elogios e críticas, o mercado dá sinais de descongelamento, mas expectativas quanto ao impacto na reabilitação urbana são ainda moderadas.
Cerca de dez meses decorridos da entrada em vigor da Nova Lei do Arrendamento Urbano, e depois de anos estagnado por rendas congeladas e morosos processos de despejo, o mercado do arrendamento em Portugal começa a agitar-se. De acordo com o 1º Relatório Trimestral da Comissão de Monitorização do Arrendamento Urbano (CMAU), publicado em Junho, até Maio passado foram atualizadas cerca de 20 por cento das rendas de contratos anteriores a 1990 (no caso de arrendamento habitacional) ou a 1995 (para arrendamento não habitacional) e o processo deverá ser acelerado nos próximos meses, depois de em Julho ter entrado em vigor a portaria que regula os formulários para pedido das declarações de RABC, que devem ser apresentadas pelos inquilinos que aleguem carência económica para a limitação do aumento de renda, desbloqueando o processo de actualização das restantes 80 por cento. Paralelamente, a disponibilização de imóveis para arrendar está também a crescer, segundo mostram os resultados das imobiliárias para o primeiro semestre do ano. «Apesar de a oferta ainda não corresponder à procura, visto que as casas disponíveis são sobretudo para vender, com a expectativa da entrada da banca no mercado de arrendamento e com a nova lei das rendas a funcionar, o cenário alterou-se e já há mais oferta», testemunha Miguel Poisson Alves, director-geral da ERA Portugal, revelando que até Junho 33 por cento do total de operações da imobiliária foram relativas a arrendamento, valor que se ficava pelos 19 por cento em 2011.
É pois com nota positiva que proprietários e promotores classificam a implementação desta reforma jurídica, considerando que, apesar de não ser «uma obra-prima da legislação», é, de facto, «um bom ponto de princípio para urna dinamização de um mercado de arrendamento digno deste nome», analisa Luís Lima, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP). «Acreditamos que no fim de 2013 se verificará o impacto altamente positivo que esta lei tem tido no mercado de arrendamento, com o aumento exponencial da oferta de imóveis para arrendamento», afirma, com a mesma confiança, Luís Menezes Leitão, presidente da Confederação Portuguesa de Proprietários (CPP).
Sendo inegável que a nova lei já se faz sentir, não é sem polémica que decorre a sua implementação. A par da dificuldade de realização de obras de reabilitação e da complexidade dos processos de despejo em caso em incumprimento, a atualização do valor das rendas antigas, congeladas desde 1974, era uma das questões prementes às quais a reforma do arrendamento urbano de 2006 se revelou incapaz de dar resposta. No entanto, a resolução agora desencadeada está longe de ter urna leitura otimista pelos inquilinos. Da sua perspetiva, este é, acima de tudo, o momento errado para a reforma. «Os inquilinos habitacionais e os não habitacionais estão confrontados com problemas de grande complexidade e em muitos casos com a impossibilidade de cumprir com os contratos livremente aceites», alerta Romão Lavadinho, presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL), apontando especialmente o dedo à retroactividade do pagamento de rendas caso o argumento da carência económica não seja aceite e à inclusão no rendimento geral do agregado familiar do rendimento de filhos que têm ainda a morada fiscal em casa dos pais.
No caso particular dos arrendamentos comerciais, as reticências repetem-se. «O novo regime criou uma enorme insegurança junto de muitas empresas, relativamente não só aos aumentos de renda, como também à possibilidade de despejo e aos novos prazos de arrendamento», confirma João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e dos Serviços de Portugal (CCP), sublinhando que «esta reforma foi introduzida numa altura particularmente difícil para as empresas», dado o contexto económico que o pais atravessa. Com subidas que rondam os 150 por cento, mas que chegam a ultrapassar os 500 por cento em alguns casos, o dirigente afirma não ter dúvidas de que «muitas empresas estão a encerrar porque não podem suportar o aumento das rendas». Face a isto, Romão Lavadinho é peremptório: «Esta é uma lei claramente inconstitucional, desadequada da realidade portuguesa, das famílias, dos serviços, das instituições e associações e, como tal, só a sua revogação pode ser aceite.»
Aumentar a oferta, baixar os preços
Luís Lima, da APEMIP, concorda com a análise de que a liberalização das rendas está a ser introduzida numa altura complicada. «Provavelmente, se esta decisão tivesse sido tornada há cerca de dez anos, hoje o mercado fluía de um modo mais equilibrado», sugere. Mas realça porém que a atualização de rendas antigas «representa apenas cerca de 15 por cento do mercado», pelo que importa olhar para outras dimensões do problema, nomeadamente para o forte desequilíbrio existente entre oferta e procura no mercado de arrendamento.
Esta situação havia já sido destacada pela APEMIP no relatório da CMAU já citado. De acordo com os dados aí revelados, em 2012, a procura residencial foi de 55,5 por cento para aquisição e 42,5 por cento para arrendamento, enquanto a oferta residencial foi de 94,2 por cento para vendas e apenas 5,3 por cento para arrendamento, «o que denota bem a necessidade de dinamizar a oferta de arrendamento residencial», sublinha-se no documento. «Neste momento, e de acordo com dados da APEMIP, são fundamentais cerca de 50 a 60 mil casas nas principais cidades do país, para suprimir as necessidades existentes no que à procura diz respeito», particulariza Luís Lima. E apesar de a oferta de imóveis começar a aumentar, na sua opinião, existem ainda muitos proprietários e possíveis investidores que não sentem a segurança necessária para colocar imóveis no mercado, isto ao mesmo tempo que se verificam ainda rendas demasiado elevadas face ao rendimento de grande parte da população. O desafio está então em tornar este mercado atractivo, quer para os investidores quer para as famílias, numa espiral crescente de vantagens mútuas: «A expectativa é de mais oferta ao nível do arrendamento, o que contribuirá certamente para a revisão, em baixa, dos valores praticados, o que se traduzirá em mais arrendamento», analisa o director-geral da ERA, Miguel Poisson Alves.
Será esta lei suficiente para que o arrendamento se torne um investimento atractivo, capaz de competir, por exemplo, com os depósitos a prazo? Luís Menezes Leitão, presidente da CPP, sublinha que o novo quadro legal é de facto um passo importante nesse sentido, mas aponta que o investimento em imóveis para arrendamento está a ser «prejudicado pela elevadíssima tributação que foi lançada sobre o imobiliário, designadamente a reavaliação dos prédios para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e o novo Imposto de Selo». «Era importante que fosse adotada uma tributação mais justa para os proprietários, sem perdas de receitas para o Estado», corrobora Luís Lima, explicando que os rendimentos obtidos no arrendamento urbano estão sujeitos a urna dupla tributação, em sede de IRS e quando do pagamento do IML «A falta de confiança e segurança e a ausência de urna fiscalidade justa sobre o património imobiliário e sobre os rendimentos que possam ser gerados no arrendamento, tornam este mercado menos competitivo e atractivo do que poderia realmente ser», examina.
Depois de já ter sido criado o Balcão Nacional de Arrendamento, que vem facilitar os processos de despejo, a introdução em breve de seguros de renda, cujo enquadramento jurídico é a última peça que falta definir para completar o edifício da nova lei, pode representar um contributo importante ao nível da confiança. «Poderá fazer com que mais proprietários percam o receio de colocar os seus imóveis no mercado de arrendamento. podendo ser um factor que promova o aumento da oferta», afirma Luís Lima.
Actualmente, existem já alguns produtos no mercado, nomeadamente pela mão da Associação Lisbonense de Proprietários, em parceria com a Tranquilidade. Recentemente, a ERA Portugal lançou também o serviço Arrendamento Seguro que, não sendo um seguro, procura igualmente dar segurança aos proprietários: referencia os inquilinos com menor risco de incumprimento (através de um sistema de qualificação, autorizado pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, que inclui referências dadas por anteriores senhorios, pela entidade patronal ou pelas Finanças, por exemplo), garante o pagamento ao proprietário de até 12 meses de renda, em caso de incumprimento, e estabelece urna plataforma de comunicação entre senhorio e inquilino, para a resolução de problemas que possam ocorrer em casa. «Esta solução está já implementada em todas as lojas da rede ERA e está em fase de arranque», adianta Miguel Poisson Alves.
Impacto na reabilitação pode tardar
Consensual é o refreamento de ânimos quando se fala nos reflexos desta nova lei no mercado da reabilitação urbana: «A reabilitação urbana é fundamental para preservar o nosso património, mas só vingará se puder aliar-se a um mercado de arrendamento a funcionar em pleno», sintetiza Luís Lima. E, para o responsável da APEMIP, esta poderá ser urna das áreas prejudicadas pela crise política vivida no país, com constantes mudanças de actores políticos com responsabilidade nesta matéria. Já Luís Menezes Leitão, da CPP, vê na demora da aproximação das rendas antigas dos valores de mercado o empecilho para urna aposta mais célere neste mercado: ao facto de se manter o regime transitório por cinco anos pode implicar uni adiamento por esse período da reabilitação urbana, uma vez que os senhorios descapitalizados continuarão a não ter dinheiro para fazer obras», sublinha. Do lado dos inquilinos, a dúvida é de que esta lei venha a ter qualquer tipo de impacto positivo em matéria de reabilitação dos centros urbanos. «Pelo contrário», afirma João Vieira Lopes, da CCP, «estamos a assistir, sobretudo nas principais cidades do país, a uma degradação do meio urbano por via da existência de um crescente numero de espaços vazios».
Recorde-se que, em Abril passado, o Governo, através do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), lançou um novo programa que une precisamente estas duas prioridades para o sector imobiliário. A iniciativa Reabilitar para Arrendar vai disponibilizar 50 milhões de euros a municípios, empresas municipais e sociedades de reabilitação urbana que queiram reabilitar prédios antigos para depois os colocar no mercado de arrendamento, em intervenções que devem ficar concluídas até 15 de Dezembro de 2016. Até 6 de Junho, data limite para candidaturas, chegaram ao IHRU propostas de 26 autarquias, num total de 78 intervenções de reabilitação, entre as quais imóveis de habitação, equipamentos e espaços públicos. Dois edifícios de apartamentos e o arranjo urbanístico do Largo Porto João Ferreira, em Coruche, bem como a requalificação do Quarteirão das Convertidas em espaços de habitação e equipamentos, em Braga, são alguns dos projectos já aprovados.
Fonte: Jornal Arquitecturas
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