01 março 2014

Comprar e vender casas. Um mercado atrás da pechincha ou do chinês


Ana Teresa Figueiredo está há três anos a tentar vender a moradia que tem em Porto Salvo, no concelho de Oeiras. Os mesmos há que o marido está desempregado. Teve várias visitas e propostas e uma quase se concretizou, mas o casal de idosos que estava interessado não conseguiu crédito. Foi em 2012 e os bancos estavam mais exigentes do que nunca. Depois disso ainda apareceu uma figura pública que ofereceu um valor tão baixo que Ana Teresa teve de recusar. 

“Estou a vender por 99 mil euros. É um T2+1, tem um pequeno pátio à frente e outro atrás, e uns 130 metros quadrados. Ofereceu-me 60 mil euros por ela... era muito pouco”, contou. “E a casa do lado tinha sido vendida por 125 mil euros”, diz. A técnica de secretariado de 43 anos quase se arrepende de não ter vendido logo na primeira proposta que lhe fizeram, ainda em 2011. “Ofereceram-me 80 mil euros.” Agora pensa em pôr a casa para arrendar, por uns 450 ou 500 euros, como lhe sugeriu a angariadora imobiliária, “para a casa não ficar parada e ter algum rendimento”.

Mónica [nome fictício] está numa situação semelhante. Vive num T2 na Maia comprado há 14 anos por uns 70 mil euros e há quase quatro que tenta vendê-lo. “Inicialmente pedimos 100 mil euros e fomos baixando até ao preço de compra, mas agora pensamos arrendar uma casa nova e pôr esta a render por um valor que dê para pagar a prestação, que já está baixinha. Tenho dois filhos pequenos e já não cabemos aqui. Queria um quarto para cada um.”

Foi o que fez Margarida Marques. A renda que recebe “quase paga os dois empréstimos, porque as prestações baixaram imenso nos últimos meses”. Ao contrário de Ana Teresa, a funcionária pública de 32 anos não podia esperar nem baixar o preço porque tem uma dívida ao banco. Quando pôs à venda a casa no Monte Estoril, em 2012, já tinha comprado outra maior em Cascais, mas ao fim de dois anos e quase 20 visitas recebera uma única proposta, de 45 mil euros a menos. “É um T3 com 90 metros quadrados a três minutos da praia e estamos a pedir 165 mil euros.”

Pôr a casa a arrendar quando não se consegue vender é uma das mais recentes tendências da nova realidade do imobiliário nacional. No portal Imovirtual, que tem um portfólio de 190 mil imóveis, “70% da procura do ano passado foi para arrendamento”, diz o responsável, Manuel Braga. E nas principais mediadoras - Remax, Era e Century 21 -, metade das transações de 2013 foram arrendamentos. Há três anos eram 20%.

O problema é a falta de oferta - no Imovirtual só 25% das casas estão para arrendar - e o peso que isso tem nas rendas. “Na Maia as casas arrendam-se muito depressa, à vezes basta uma semana e já não estão disponíveis. E os preços são altos. Um T2 ronda 400 euros mas por um T3 já pedem 750”, conta Mónica. Em Lisboa os preços são mais altos, mas como tem havido mais oferta há uma ligeira descida. “Há dois anos que quero vender a minha casa. É muito central, tem uma sala grande e uma vista desafogada, mas não é funcional com as duas crianças. Como ainda não consegui, mesmo com desconto de 25 mil euros, ando a ver T3 para arrendar e já encontro rendas 100 a 200 euros mais baixas”, conta Maria [nome fictício].

Não é por isso de estranhar que as vendas continuem a cair. Segundo Luís Lima, o presidente da associação dos mediadores (APEMIP), as estimativas apontam para que em 2013 se tenham vendido 96,9 mil casas, menos 20% do que no ano anterior. Segundo o INE, comparando com 2003 a quebra é de 68%. Mais, das casas que se venderam no ano passado cerca de 10 mil eram dos principais bancos, ou seja, com preços muito baixos e financiamento garantido quase sempre a 100%.

Os preços estão mesmo mais baixos? 
Segundo o INE, entre 2000 e 2008 os preços quase duplicaram, mas em 2009 começaram a descer e de 2010 para 2011, com o agravar da crise, desvalorizaram de 91,4 mil para 73,3 mil euros. O que se vende hoje são as casas baratas dos bancos e as de proprietários que estão dispostos a baixar muito os preços.

“No ano passado os proprietários estiveram mais disponíveis para negociar e baixar preços e isso foi aproveitado pelos compradores. Em alguns casos o preço teve quebras de 15% a 20%, sobretudo nas periferias das grandes cidades”, diz o diretor-geral da Era, Miguel Poisson. Catarina [nome fictício] é um bom exemplo. O T3 que tinha na Quinta da Beloura custou-lhe 315 mil euros em 2006 e foi posto à venda no ano passado por 280 mil, mas acabaram por aceitar 265 mil euros, menos a comissão de 5% do mediador. Foram 60 mil euros a menos. O dobro do rendimento anual líquido de Catarina nesse ano. “Perdemos dinheiro, mas queríamos mesmo sair porque comprámos um terreno para fazer uma casa de raiz perto de Colares. Estava mais barato, mas não chegou para compensar”, conta. “Às vezes penso que, com esta moda dos vistos gold e dos chineses, se tivéssemos esperado mais um bocadinho até ganhávamos dinheiro. É uma casa num condomínio privado, com piscina, tem supermercado e a vila perto, onde íamos comprar o pão.”

A máxima do imobiliário de que as casas valorizam sempre perdeu-se. Principalmente para as que foram compradas entre 2004 e 2008, os anos de ouro do imobiliário em Portugal em que os preços estavam mas altos e os bancos emprestavam dinheiro para casa, carro e até férias. Nuno Gomes - um dos melhores vendedores da Remax em Portugal e na Europa - garante que no Chiado, onde não cabe muito mais oferta nova, as casas vão valorizar. Já no Parque das Nações, onde ainda há terrenos vazios, a tendência é para perder dinheiro.

Mas dizer que os preços estão mais baixos e que está bom para comprar é conversa de mediador, diz Gonçalo Nascimento Rodrigues, consultor principal da Out of the Box, um portal de finanças imobiliárias. “Se os preços estivessem de facto muito mais baixos, as transações aumentavam e isso não aconteceu.”

Mesmo com os preços mais baixos, pelo menos segundo os mediadores, ainda há poucos compradores. As famílias não têm dinheiro e vivem sob ameaça do desemprego (a taxa foi de 15,3% no final de 2013), os bancos fazem poucos empréstimos e muitos dos que fazem são para escoar as suas casas. De janeiro a setembro do ano passado foram concedidos 1,5 mil milhões de euros em crédito à habitação, 3,6% mais que no mesmo período do ano anterior, mas 64% abaixo dos nove meses de 2011 e 90% abaixo do mesmo período de 2007, “em que se alcançou o valor mais elevado da década com 19 630 milhões de euros concedidos”, repara Miguel Poisson.

Além disso, lembra Manuel Braga, os empréstimos que se conseguem hoje não têm condições tão vantajosas e até voltaram a exigir um fiador como garantia. Bruno tem 33 anos e mora num T1 em Oeiras desde 2007. Em 2011 tentou vender a casa, até baixou o preço, mas não conseguiu e desistiu. De vender e de se mudar. “O meu empréstimo tem um spread de 0,7% e as taxas de juro caíram tanto que a prestação passou de 500 para 240 euros.”

Os compradores mais ativos têm sido os investidores. Alguns particulares com poupanças guardadas que depois põem a casa a arrendar e estrangeiros, principalmente os que procuram o visto gold. Os primeiros querem casas com preços que lhes permitam rentabilizar o investimento, entre 150 e 200 mil euros. “Menos do que isso não rende”, diz o responsável da Out of the Box. E os segundos querem imóveis novos acima dos 500 mil euros. Talvez por isso as casas que se vendem mais - ou mais depressa - estejam ou abaixo de 200 mil euros ou bem acima.

Bom para comprar e mau para vender 
Diz Gonçalo Nascimento Rodrigues que quem tem casa própria e não tem urgência, não devia vender agora. “A não ser que tenha alguém à procura de um visto gold porque aí vai receber bem.” Manuel Braga não é tão radical: “Quem estiver a vender para comprar outra casa consegue fazer bom negócio porque vai encontrar preços mais baixos, principalmente se a localização for boa.” A única máxima do imobiliário que persiste é a de que a localização é o mais importante para o preço.

Nuno Gomes tem um bom exemplo de um negócio deste género, com um T4 de 250 metros quadrados na Alexandre Herculano, em Lisboa. Em 2009 foi vendido por 500 mil euros, um ano depois por 535 mil - valorizou mesmo em plena crise - e há ano e meio por 485 mil, mas a pronto pagamento. “O proprietário estava mesmo com pressa de sair porque ia comprar uma casa em Cascais que estava 200 mil euros mais barata. Não perdeu dinheiro nenhum.”

Mas segundo Gonçalo Ferreira, mediador da Era na Graça, esta realidade não é válida apenas com casas de luxo. “Em 2010 um investidor comprou uma casa devoluta na Mouraria por 35 mil euros. É muito pequenina com 30 metros quadrados. Até lhe chamamos a casa das bonecas aqui na agência. Foi recuperada e colocada no mercado em 2010 por 49 mil euros e em 2012 venderam-na por 60 mil porque a envolvente foi reabilitada e tornou-se zona de charme.”

Mais sorte terá quem estiver a comprar pela primeira vez porque pode encontrar proprietários a vender muito barato ou casas dos bancos a bons preços e com financiamento garantido, mesmo que as condições sejam mais exigentes. Imóveis que, segundo Manuel Braga, já não são considerados o refugo do mercado. “Um terço do que os bancos receberam era de promotores, ou seja, produto novo e em bom estado.”

Luís Lima está até confiante que vão vender-se mais casas em 2014 porque a procura aumentou 20% a 30% em janeiro e os vistos gold devem trazer uns 600 milhões de euros para o mercado nacional - o dobro do ano passado. No Imovirtual, este janeiro foi o melhor mês de sempre, com 1,8 milhões de visitas, mas ainda é cedo para falar numa melhoria sustentada do mercado. “Vai demorar uns dois ou três anos até os preços começarem a subir”, diz Luís Lima. “E nem sei se voltaremos aos preços de 2007 e 2008.”

Fonte: Dinheiro Vivo

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