17 março 2014

"Quando compra casa o chinês quer renda garantida a cinco anos"


Nasceu há 48 anos em Zaragoza, onde se licenciou em economia, mas vive em Portugal há 20. Chegou a Lisboa, no início dos anos 90, para liderar o negócio de perfumes da L’Oréal. No final da década comprou o direito de trazer para Portugal a Remax, a maior mediadora imobiliária do mundo. Catorze anos depois, Beatriz Rubio é a presidente executiva da Remax Portugal, líder do mercado nacional.

Em 2013, a Remax teve o segundo melhor ano de sempre: transacionou 20 mil imóveis num total de 1100 milhões de euros. Como se explica este resultado num clima económico tão adverso?
Não se explica num único ano. Quando começou a crise, em agosto de 2008, quando caiu o banco Lehman Brothers, tenho que confessar que, nesse momento, tivemos de repensar totalmente o nosso negócio, porque o crédito acabou, não só em Portugal mas em toda a Europa. E sem crédito não era possível vender casas. Então, passámos três ou quatro meses a repensar de cima a baixo todo o negócio. Era preciso pensar: ou fechamos, ou encontramos uma flexibilidade que nos dê uma base para continuar.

Esteve presente a possibilidade de fechar?
Não, não esteve presente, mas tínhamos de encontrar uma saída porque nesse momento não havia crédito nenhum. Fechou mesmo em Portugal e, tanto quanto soube pelos meus colegas da Remax, na Europa passou-se exatamente o mesmo. Aquilo que fizemos foi passar para o arrendamento, algo que já existia em Portugal mas que, em 2008, era muito reduzido e caro. As pessoas faziam cálculos e pensavam que mais valia comprar ao banco, pelo mesmo valoro que arrendavam, ainda por cima porque o crédito era muito fácil. A decisão passou por virar toda a rede, o que não é fácil porque somos três mil. Podemos passar logo a ideia, mas nem toda as pessoas mudam logo. Mas começámos a virar a rede toda para o arrendamento. E depois o que fizemos, e acho que foi muito inteligente, foi começar, a partir do início de 2009, a negociar com os bancos. Com a crise, havia muitas casas a serem entregues aos bancos. Como tínhamos muito boa relação com os bancos, começámos a negociar para que nos entregassem essas casas em regime de exclusividade para vender ao público em geral. E essas casas tinham financiamento a 100%. Assim, conseguimos ultrapassar a falta de crédito através do arrendamento e da venda de casas dos bancos. O que é que aconteceu? Tivemos de trabalhar muito mais. Quando vendemos uma casa recebemos 5% de comissão, mas uma venda corresponde, mais ou menos, a quatro ou cinco arrendamentos.

E o que é que correu tão bem em 2013? O que aconteceu para ter sido o segundo melhor ano da Remax Portugal?
2010 foi o nosso melhor ano, em plena crise, e 2013 foi o nosso segundo melhor ano. Para chegar a isto aproximámo-nos muitíssimo dos nossos vendedores. Sempre tivemos grande proximidade com as lojas, com o dono do franchising, a que chamamos broker, mas aproximámo-nos também do vendedor. Começámos a percorrer o país e a fazer o reconhecimento dos vendedores. É preciso dizer que os nossos vendedores não têm ordenado, ganham se venderem, ganham comissões. Por isso, se os tempo eram difíceis, tínhamos que estar sempre a motivar, a dar uma palavra de reconhecimento. Criámos pódios, diplomas. Todo este trabalho significa mais de 50% do orçamento para marketing interno. É um dos grandes trunfos da Remax. Esta mudança de estratégia fez com 2010 fosse o melhor ano de sempre. Em 2011 confiámos e os resultados pararam. Em 2012 voltámos outra vez em força e foi o que nos fez ter o segundo melhor ano de sempre em 2013. Outro dos motivos é que a nossa relação com os bancos também é muito boa, o que nos permite ter uma boa carteira de imóveis, em exclusivo, financiados a 100%

Qual é a dimensão dessa carteira?
Cerca de 9 mil imóveis. 

Já é possível dizer que a crise imobiliária chegou ao fim?
Mesmo ao fim tenho medo de dizer. Gostava de ter pelo menos oito ou nove meses muito bons, e aí poderia dizer que sim, que estamos a sair da crise. Sou o líder e quando o líder toma o caminho é mais fácil. Conheço imensas imobiliárias tradicionais, ou mesmo de outras cadeias que estão a fechar. Nós estamos a sofrer, mas, dentro desse sofrimento, somos os que estamos a ter melhores resultados, por isso, prefiro esperar um pouco mais. Mas é verdade que a economia está melhor, nota-se.

Os resultados da Remax nestes dois meses já refletem essa melhoria? 
Crescemos 90% em janeiro e 52% em fevereiro.

Uma boa parte deste negócio resultará de operações feitas por cidadãos estrangeiros, sobretudo chineses, que ao adquirir um imóvel de valor superior a 500 mil euros, passam a ter uma autorização de residência em Portugal. Só os investidores chineses representaram, no ano passado, 11% da faturação da Remax. Os chamados vistos gold são a principal razão destes bons resultados?
Não, são apenas 11%. Lisboa vende muito a chineses e coreanos - ou seja asiáticos, não são apenas chineses. O Norte está a vender a pessoas dos Emirados Árabes Unidos e Dubai. Quando falamos dos golden visa pensamos que estão concentrados no mercado asiático e não é bem verdade. De angolanos também temos recebido dinheiro, mas não são números fantásticos. 

Mas não atribui particular importância a estes negócios? 
11% devem-se ao golden visa, ao mercado dos estrangeiros, outros 11% devem-se ao mercado dos bancos e os restantes 78% são relativos às transações que se fazem no mercado tradicional. 

Mas sem dúvida que os golden visa beneficiaram as imobiliárias? 
Claro, aumentaram o valor. Uma venda de 500 mil euros é sempre muito bem recebida. A comissão é importante. 

É expectável que os negócios protagonizados por este tipo de investidores continuem a crescer em 2014? 
Sim.

Quais as previsões para este ano? 
Acredito que possam vir a pesar, em 2014, entre 18% e 20%, o que é já uma muito boa performance. 

Surgiram notícias de que estes negócios são feitos acima do valor de mercado. É verdade? 
Não. O valor da casa no site é o valor pelo qual é vendido o imóvel. Mas atenção, há uma parte que não é bem explicada. O chinês - não tanto os investidores do Dubai ou dos Emirados -, mas os asiáticos, quando compram uma casa pedem o que chamam uma renda garantida para os próximos cinco anos. E isso nem toda a gente sabe.

Como se fosse uma taxa de rentabilidade do investimento? 
Uma taxa de rentabilidade garantida. Se se vende e arrenda, tudo bem, se não conseguimos arrendar [o imóvel adquirido pelos investidores], é um custo que a mediadora imobiliária vai ter nos próximos cinco anos, porque assina um contrato no qual garante pagar, mensalmente, essa taxa, digamos, de arrendamento. Este é o calculo que gostaria de explicar. Imaginemos que o mercado tinha descido a 50% do valor. E que o chinês até nem compra por 50%, mas por 55% do valor inicial do imóvel. Mas ele vai ter uma rentabilidade, garantida num contrato por cinco anos, sobre o valor de compra. No fim das contas, ele até sai mais beneficiado do que muitos portugueses ou angolanos, por exemplo, ou do que pessoas do Dubai, que compram e não põem a sua casa com rentabilidade garantida. É bastante diferente, porque se arrendo entra dinheiro, mas se não arrendo não entra o dinheiro e está garantido que tenho de pagar.

Estes investidores procuram investimentos imobiliários em Portugal, ou apenas uma porta de entrada no espaço Schengen? 
Sinceramente, acho que o golden visa é uma porta de entrada na Europa e o investimento imobiliário acaba por ser um acréscimo. Gosto de realçar os diferentes perfis: no caso dos investidores dos Emirados Árabes Unidos, claramente o dinheiro não tem tanta importância na medida em que não pedem esta rentabilidade, já o asiático não compra se não tem a rentabilidade garantida, mesmo que o prédio seja uma pechincha. 

E os portugueses, como é que está a evoluir o negócio? 
Desde 2008, manifestaram-se dois efeitos. O primeiro, nesse ano, quando aconteceu esta primeira grande crise, apanhou-nos a todos sem poupanças. Os bancos davam 100% do valor da casa, quando não davam mais. Os bancos emprestavam, portanto não era preciso ter poupança. Desde 2008, quem precisa de uma casa tem vindo a fazer as suas poupanças na medida do possível, o que até nem é mau porque é sempre bom poupar. A economia pode estar muito boa, mas já nos mostraram que em determinado momento pode ir para baixo. Por outro lado, apesar de os bancos estarem mais fechados, o crédito não acabou, continua a existir crédito, ainda que muitas vezes seja dado às pessoas que têm as garantias, ou seja, a quem não precisa tanto do dinheiro. O crédito continua a existir porque raramente o banco não ganha dinheiro, a sua função é emprestar dinheiro, portanto, apesar de tudo, continua a haver muitas transações para portugueses. 

No último ano, as compras voltaram a ganhar algum peso relativo face ao arrendamento. Estamos a voltar ao antigo hábito português de que todos temos de ser proprietários? 
No sul da Europa, e falo de Portugal, Espanha, Itália e Grécia, temos aquele hábito latino de querermos deixar como herança alguma coisa aos nossos filhos. Se a pessoa pode, compra. É uma questão cultural, parece que não fazemos nada nesta vida se não comprarmos uma casa. 

Mas a reforma da lei do arrendamento não mudou esse hábito? 
Teve efeito, de tal forma que, por exemplo, entraram muito mais casas para serem arrendadas, portanto os preços do arrendamento também desceram, o que era mesmo preciso. Como é que meço se um mercado está inflacionado, ou não? Com o que ganha, a pessoa tem de ser capaz de adquirir uma casa. Se não é capaz sequer de arrendar, então claramente o mercado não está no nível que deveria estar. E Portugal chegou a esse ponto. Mas houve países que chegaram a um ponto muito pior, como Espanha. Espanha estava com uma inflação muito grande. Em três anos os preços dos imóveis triplicaram. Já ninguém conseguia comprar, nem arrendar, nem nada. Aí é que existe um problema gravíssimo.

Mas a lei foi bem desenhada? 
A lei podia ser um pouco corrigida, podia ser muito mais ágil. As leis têm de servir para dinamizar a economia e agilizar o mercado. Não sou advogada, mas quem percebe de leis sabe do que estou falar. 

Mas quando diz que podia ser mais agilizada, refere-se aos casos em que os inquilinos deixam de pagar, por exemplo?
Sim, senão estamos a criar um submercado em que as pessoas não colocam os seus imóveis a arrendar com medo de que os inquilinos deixem de pagar. 

Os preços ainda não voltaram aos níveis de antes da crise. Quando se diz que os preços estão a um nível bom, isso não é a visão do copo meio cheio de quem está desse lado e quer vender casas? É que se os preços estivessem bons existiriam mais compradores. 
E há. Por exemplo, neste momento, em Lisboa, há uma procura grande de prédios e os prédios vendem-se em menos de uma semana.

Mas os últimos dados do mercado mostram que as vendas de casas caíram 20% em 2013.
E desde que começou a crise, estamos nos 50%. O mercado caiu muitíssimo, os preços desceram muito, ainda não recuperaram e acho que ainda não têm que recuperar. O mercado tem de agilizar e depois de estar ágil é que tem de vir uma recuperação. 

Essa recuperação virá mais através da compra, ou do arrendamento? Onde é que está o motor? 
O principal motor está sempre na compra. O que dá agilidade ao mercado é a compra, porque é onde se produz a transação forte. 

Aquela velha máxima do imobiliário de que as casas valorizam sempre perdeu-se? 
Não, pelo contrário. Passa-se o mesmo com as ações. Já houve ações muito baixas no mercado, as pessoas compravam e ainda desceram mais. Aconteceu o mesmo com o imobiliário, mas o imobiliário vai recuperar, recupera de certeza. 

Alguma vez vamos conseguir voltar a ter os preços de 2007? 
Sim, acredito que sim. 

Dentro de quanto tempo? 
Mais uns três ou quatro anos. Mas também não sou bruxa. Às vezes o meu marido acho que sou um pouco bruxa... 

Um facto que influencia bastante a compra de casas é a concessão de crédito pela banca. Em 2013, o crédito para compra de habitação aumentou, mas ainda está muito aquém dos valores de 2007. As condições de financiamento também são menos favoráveis. Há casos em que se voltou exigir um fiador. Os bancos já aliviaram as condições de crédito, ou a torneira ainda continua muito fechada? 
A torneira continua fechada, mas tem de continuar assim. Os bancos precisam mesmo de se sanear, porque nós somos todos globais, atenção, e no momento em que algum dos pontos está mal, afeta o resto. Portanto, é preferível que a torneira ainda esteja fechada e que seja muito bem calculado a quem é dado o crédito. Apesar de vender muitas casas dos bancos, que ficam no que se chama crédito malparado, a verdade é que não tenho interesse em que a economia não retome. Ou seja, o meu interesse é que as pessoas comprem uma casa e a consigam pagar ao longo da sua vida. 

Segundo dados do Banco de Portugal, o crédito malparado atingiu novos máximos. Na relação que mantém com os bancos, sente alguma melhoria, há menos casas entregues ao banco para vender? 
Não, para já não, porque a economia mexe-se como um todo, e o facto é que continua a haver muitas casas de crédito malparado, continua a haver muitas casas para as mediadoras venderem, e desgraçadamente isto é assim porque, em muitos casos, algum dos intervenientes da família ficou desempregado. 

O desemprego continua a ser uma ameaça. 
Exato. Estávamos a falar de leis, se calhar, criaria uma lei de emprego fácil, para promover o emprego. 

O governo tem lançado várias iniciativas nesse domínio. 
Incentivar ainda mais as empresas. Se num determinado momento precisarmos de pessoas, deveríamos poder contratar por um ano ou dois anos e não ter de ficar com elas nos próximos 40 anos.

Mas concorda com as exigências que o bancos impõem na concessão de crédito, apesar de dificultar o trabalho das mediadoras?
Tenho de concordar, temos de ser conscientes. 

E nota nos seus clientes essa maior consciência, uma necessidade de evitar o endividamento excessivo? 
As pessoas estão muito mais conscientes - pelo menos em Portugal. Vim agora da convenção internacional da Remax, em Las Vegas, nos Estados Unidos, e depois passámos por Nova Iorque, e ali a inconsciência voltou. Ou seja, eles trabalham todos com crédito, cartões de crédito, com todo o consumo. Aqui em Portugal ainda existe essa consciência de que “temos este dinheiro e é com este dinheiro que temos de viver”. Ainda bem.

Fonte: Dinheiro Vivo

0 comentários:

Enviar um comentário

Obrigado pelo seu comentário.