Já quase no final do prazo da entrega da modelo 3, não é demais lembrar que há rendimentos obtidos com caráter muito esporádico que devem constar nesta declaração de IRS.
Um exemplo desses rendimentos são as mais-valias obtidas com a alienação onerosa de direitos reais referente a bens imóveis. Tratando-se da alienação fortuita de imóveis pertencentes ao património particular do sujeito passivo, isto é, não afetos a qualquer atividade empresarial e/ou profissional, os rendimentos gerados são enquadráveis na categoria G de IRS. Tais operações devem ser relevadas no anexo G à modelo 3.
Este anexo G é, sem dúvida, um dos anexos que podem apresentar maior complexidade de preenchimento. Atendendo a que a sua apresentação não assume caráter de regularidade porque, por definição, se trata de operações com caráter fortuito e porque não requer a intervenção de um TOC ou outro profissional nas matérias fiscais, preenchê-lo sem ajuda especializada pode ser uma tarefa bastante difícil.
Em primeiro lugar, refira-se que estão abrangidos, não apenas a transmissão do direito de propriedade sobre imóveis, mas também outros os direitos reais menores, como é o caso do usufruto, direito de superfície, uso e habitação, desde que a sua transmissão não se faça por um tempo determinado (ainda que vitalício).
As transmissões gratuitas destes direitos não ficam abrangidas pela sujeição a IRS, estando sujeitas a Imposto do Selo se o beneficiário for pessoa singular, ou a IRC se for pessoa coletiva. Logo, tais transmissões não têm de ser declaradas em qualquer anexo da modelo 3. Mas se a transmissão for onerosa, ainda que não resulte rendimento suscetível de tributação em IRS, a operação tem de ser declarada no anexo G.
Há, todavia, uma exceção, quer nas regras de sujeição, quer no anexo a preencher. É o caso da alienação de direitos reais sobre imóveis, não afetos a qualquer atividade comercial, cuja aquisição tenha ocorrido antes da data da entrada em vigor do Código do IRS. Tais operações ainda que gerem rendimento (mais-valias) não são tributadas em IRS, mas têm de ser declaradas num anexo específico - o anexo G1. Ficam abrangidas por esta não-sujeição a alienação de prédios rústicos ou urbanos, com exceção de terrenos para construção, que tenham sido adquiridos, a título oneroso ou gratuito, antes de 1 de janeiro de 1989. Referimos, em seguida, alguns dos exemplos que apresentam mais dificuldade na perceção da obrigação declarativa, ou no correto preenchimento do anexo G.
Permuta de imóveis
Um desses casos é a permuta de imóveis. Trata-se de uma venda de um imóvel em que é dado em troca, para pagamento do preço convencionado, outro imóvel. Ainda que possa não existir qualquer valor monetário recebido, há uma alienação de um imóvel, seguido da aquisição de outro imóvel. E como vimos atrás, a transmissão onerosa de um imóvel pode gerar rendimentos tributáveis na categoria G pelo que haverá sempre a obrigação declarativa.
Para os casos de permuta de imóveis, o valor de realização do imóvel alienado obtém-se por consideração de uma regra específica, que dita que será o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos, ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior, acrescidos ou diminuídos, um ou outro, da importância em dinheiro a receber ou a pagar. Note-se que esta é uma regra bem distinta da que vigora para tributação em IMT, em que o valor tributável é dado pela diferença declarada de valores (do imóvel adquirido e do imóvel alienado) ou a diferença entre os valores patrimoniais tributários (desses imóveis) quando superior.
De uma forma muito sintética, se uma dada operação de permuta consiste na venda de um imóvel, recebendo em troca um outro imóvel valorizado, na escritura, por 150 mil euros e ainda 40 mil euros em dinheiro, o valor de realização será 190 mil euros. Por outro lado, se as condições de venda desse imóvel fossem o recebimento de um imóvel com valor de 150 mil euros, mas com pagamento pelo alienante de 20 mil euros, o montante a considerar como valor de realização devia ser 130 mil euros.
Quer num caso, quer no outro, e como regra genérica de determinação do valor de realização das alienações de direitos reais sobre imóveis, prevalece o VPT (Valor Patrimonial Tributário) quando superior ao preço convencionado no contrato ou apurado segundo alguma das regras específicas do art. 46º n.º 1 do CIRS.
Outra situação que gera muitas dúvidas é o preenchimento do anexo G quando o imóvel alienado foi obtido em herança. Por vezes temos casos em que o sujeito passivo obteve, por heranças sucessivas, várias parcelas de um dado imóvel, e há que relevar cada uma dessas parcelas adequadamente divididas no quadro 4 do anexo G.
Tome-se o caso de um contribuinte que adquire 25% de um imóvel por falecimento do pai e, anos mais tarde, adquire os restantes 75% desse imóvel por óbito da mãe. Tendo procedido à sua venda, embora detenha a totalidade desse imóvel, terá de mencionar as duas partes adquiridas em linhas distintas do quadro 4 do anexo G, sem se esquecer de, na coluna de "Quota-parte" indicar a percentagem que cada parcela representa. Irá colocar 25% do valor de realização do imóvel numa linha desse quadro, bem como o valor de aquisição (para essa quota-parte de 25%), indicando como data de aquisição a data do óbito do pai. O mesmo procedimento para a parcela dos 75% (75% do valor de realização; valor de aquisição dessa parcela e a data do óbito da mãe) noutra linha do quadro 04.
Este procedimento de evidenciação em linhas distintas justifica-se porque temos, desde logo, duas datas de aquisição diferentes, e no pressuposto que os óbitos ocorrem em anos diferentes, coeficientes de atualização monetária distintos a aplicar ao valor de aquisição (quando distem mais de 24 meses em relação à data da venda).
Escritura da partilha
E o valor de aquisição para cada uma das parcelas pode também não ser coincidente, pois será assim considerado o valor que tenha servido de base à liquidação de imposto do selo (ou que serviria de base a essa liquidação, se tal imposto fosse devido). Se o falecimento ocorreu ainda na vigência do Imposto sobre Sucessões e Doações, o valor de aquisição será aquele que tenha sido considerado para efeito de liquidação desse imposto.
Ainda que o exemplo apresentado seja relativamente simples, percebe-se a complexidade inerente ao cumprimento desta obrigação declarativa em IRS.
Para ajudar ao preenchimento de situações similares de venda de imóveis adquiridos em herança, deve analisar-se a escritura ou escrituras da(s) partilha(s). Tais documentos são importantes para apurar a parcela atribuída a cada um dos herdeiros bem como da eventual existência de tornas. Há ainda que dispor dos documentos que refiram o valor tributável em imposto do selo (ainda que tenha sido aplicada isenção) ou no imposto sobre sucessões e doações.
Nunca se deve atender à data da partilha, mas sim à data do óbito, pois é esta que é considerada a data da aquisição dos imóveis por herança.
Podíamos ainda elencar outros casos, em que é preciso atender a procedimentos específicos, como é o caso da partilha de imóveis por divórcio, as afetações de bens do património particular a atividades profissionais e/ou empresariais exercidas a título individual (categoria B de IRS), mas que não caberiam aqui, no espaço estrito de um artigo.
Haverá sempre que tomar em consideração as instruções de preenchimento deste anexo G, mas em muitos casos é necessário reter que, pelas dificuldades que podem surgir, deve evitar-se deixar para os últimos dias, o cumprimento desta obrigação declarativa e, provavelmente recorrer a ajuda mais especializada, por exemplo, junto de um Serviço de Finanças.
Há dados a preencher que são cruzados com os que a Autoridade Tributária dispõe, como é o caso dos valores patrimoniais, registo nas matrizes dos proprietários e habilitação de herdeiros. Incluem-se aqui, também os dados das operações sobre tais imóveis comunicados por notários e conservadores. Existe, pois a aferição, "a posteriori" do correto preenchimento do anexo G, por via desse cruzamento.
Por ANA CRISTINA SILVA, Consultora da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas
Fonte: Negócios
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