05 janeiro 2015

Os 5 mandamentos da ética profissional


A ética profissional é um assunto relativamente pouco debatido em Portugal - não obstante inúmeros factos de evidente falta dela! Desde os casos de corrupção e enriquecimento - cada vez mais denunciados mas raramente punidos, aos de gritantes conflitos de interesses, até ao aparentemente menos maligno "jeitinho" ou "cunha"; restam poucas dúvidas quanto a uma certa falta de ética transversal na nossa sociedade. E não me refiro especificamente a Portugal, pois dois outros países que conheço bem. e que na minha mente ingénua estavam menos corroídos por este mal, Inglaterra e Holanda, também tiveram as suas doses de escândalos. Pessoalmente fico extremamente incomodado e indisposto quando tomo conhecimento deste tipo de situações, pois a corrupção e o favorecimento, para além de serem moralmente condenáveis, destituam os princípios da equidade, prejudicam a competitividade e, desta forma. minam a economia de um país. Têm ainda o efeito colateral de desmoralizar para dentro do país, e de o desprestigiar para fora.


Deixando de lado para efeitos deste artigo os casos de polícia, cuja imoralidade não oferece grandes dúvidas, proponho debruçar-me sobre situações menos óbvias, de julgamento mais difícil, e com que as empresas de serviços se deparam com frequência. 



A ética, a transparência, a honestidade e o rigor são conceitos muito caros ao Royal Insitution of Chartered Surveyors. Aliás, de outra forma, não faria o RICS este ano 164 anos de existência, agregando mais de 118.000 membros em 140 países. Para uma associação de profissionais prestadores de serviços, a confiança na sua conduta por parte da sociedade em geral e dos seus clientes em particular, é a sua razão de ser, e é sabido que ganhar a confiança dura uma eternidade, enquanto basta um instante para a perder. A ética profissional fornece um quadro de referência de comportamentos corretos. e assegura consistência e clareza de aconselhamento, independentemente de diferenças culturais ou do estado do orado. 


Consciente de que a relação entre cliente e profissional se baseia essencialmente na confiança, e que o comportamento ético é o que distingue certos profissionais de outros no mercado. o RICS desde sempre advogou a adoção de regras e valores fundamentais pelos seus membros. Este quadro referencial foi atualizado com a publicação dos novos mandamentos do RICS - reduzido de 12, mais específicos, para 5, mais gerais, refletindo desta forma o cariz cada vez mais global da organização. 

Assim, e de acordo com os mandamentos, todos os membros RICS têm que demonstrar que: 
  • Agem com integridade 
  • Providenciam sempre aconselhamento de alta qualidade 
  • Agem de forma a contribuir para a confiança na profissão
  • Tratam os outros com respeito 
  • Assumem a responsabilidade dos seus atos 
Na base destes conceitos má a ideia de que todos os membros RICS devem comportar-se irrepreensivelmente, não só em termos de competência profissional, como em termos éticos. 

Para o RICS, a competência técnica e a conduta ética são indissociáveis: de nada vale um membro ser tecnicamente competente mas não atuar de forma ética - nem demonstrar altos valores éticos mas ser tecnicamente incompetente! Nunca nos podemos esquecer que toda a classe profissional pode ser julgada pelo público, nosso stakeholder mais importante, pelos atos ou pelas omissões de uma só empresa, ou de um só membro individual. Exemplificando, o RICS exige que os seus membros: 
  • Incutam confiança em tudo o que fazem 
  • Sejam transparentes na forma de trabalhar e na determinação dos respetivos honorários
  • Partilhem a informação necessária com clientes de forma inteligível 
  • Respeitem a informação confidencial de clientes e potenciais clientes, e não divulguem informação desnecessariamente 
  • Não se aproveitem de clientes, colegas ou outros perante os quais têm o dever da lealdade 
  • Não aceitem nem ofereçam presentes ou convites que possam criar suspeitas ou obrigações de favorecimento 
  • Amem ou aconselhem sempre tendo em conta o interesse público 
  • Amem apenas dentro do âmbito das suas competências 
  • Não permitam que preconceitos, influência de terceiros ou conflitos de interesse se sobreponham ao discernimento profissional 
  • Alertem imediatamente quando um (potencial) conflito de interesses se possa manifestar entre o membro e/ou a sua entidade patronal e um cliente 
Enquanto a maioria destas recomendações são óbvias e de senso comum, o assunto de um potencial conflitos de interesse ocorre com frequência e reveste-se por vezes de alguma complexidade. Considera-se um conflito de interesse uma situação em que algo nos impede de atuar de forma imparcial e na defesa dos melhores interesses do nosso cliente. Existem exemplos óbvios, como quando um indivíduo ou uma empresa representa tanto a entidade vendedora como compradora numa transação (o que a lei da mediação imobiliária em Portugal aliás proíbe), ou menos óbvios, por exemplo quando dois clientes de uma empresa procuram ser representados numa aquisição do mesmo imóvel - por vezes até através de colaboradores diferentes - pelo que o problema se manifesta tardiamente. Ou, quando um departamento de determinada empresa efetua uma avaliação de um imóvel, e outro é mandatado para o adquirir. 

O RICS recomenda que, cada vez que um cliente pretende mandatar uma empresa, esta verifique que não existam conflitos de interesse e que estejam reunidas todas as condições para efetuar um trabalho profissional, isento e na melhor defesa dos interesses do cliente. É inevitável que conflitos de interesses surjam (ou mesmo situações potenciais ou percecionados como tal), e a melhor maneira de lidar com eles é com total frontalidade e transparência perante todas as partes envolvidas, manifestando clara disponibilidade para a não-aceitação de um ou ambos os mandatos. Se mesmo assim os clientes, de posse de toda a informação, continuem a pretender manter os mandatos, então é necessário implementar uma "muralha chinesa" entre os vários colaboradores envolvidos no assunto, para que cada um represente o seu respetivo cliente da melhor maneira possível. 

Embora, em última instância, a ética profissional esteja dentro de nós e seja um assunto da nossa consciência, o RICS recomenda um teste simples, que consiste em perguntar-nos a nós próprios o que é que uma pessoa esclarecida e independente acharia da nossa forma de amar, ou se gostaríamos de ler sobre o nosso comportamento na imprensa. 

Num mercado deprimido como o nosso atual, em que a maior parte das empresas e profissionais do imobiliário lutam pela sobrevivência económica, nem sempre é fácil resistir à tentação de "fazer um jeito" na avaliação a pedido do cliente, ou de ignorar o agente exclusivamente mandatado e procurar um negócio direto com o proprietário do imóvel, ou ainda de aproveitar em benefício próprio informação fornecida confidencialmente e para outros fins.

Mas não duvido que quem demonstra, nestes tempos de dificuldades, respeito pelos valores básicos da ética e do profissionalismo, sairá da crise não só moralizado e de bem consigo próprio, mas também com uma imagem fortalecida para o exterior.

Por Eric van Leuven, Presidente do RICS em Portugal e managing partner da Cushman & Wakefield
Fonte: Revista Imobiliária

0 comentários:

Enviar um comentário

Obrigado pelo seu comentário.