09 março 2015

Habitação. Descida de spreads vai acentuar-se, mas não será para todos


Ninguém fala em "guerra de spreads" no crédito à habitação, nem se espera que os prémios cobrados pelos bancos regressem aos níveis da década passada, mas a realidade é que a tendência de descida que se instalou de forma tímida na segunda metade de 2013 está a intensificar-se e vai manter-se, aproveitando as melhores condições de financiamento que começaram a sentir-se com a saída da troika e com as medidas do Banco Central Europeu. Neste momento, há já três bancos a contratualizar novas operações de empréstimos ou de transferências abaixo de 2% e outros deverão seguir o exemplo.

Esta viragem dos bancos para oferta de melhores condições no crédito à habitação (depois de vários anos de travão a fundo neste tipo de produto) pretende aproveitar a boleia da retoma económica e da melhoria das condições de financiamento do sistema financeiro. Mas não só. "Para a banca, o crédito à habitação é uma linha de negócio importante", sustenta Filipe Garcia, analista da IMF, acentuando que existe margem para tentarem melhorar a rentabilidade média das carteiras de crédito, através da concessão de empréstimos com spreads mais altos do que muitos dos que foram realizados no passado, sobretudo entre 2006 e 2009 (em que se chegou a níveis de 0%).

Ainda que o movimento de descida dos spreads seja quase generalizado e se esteja a observar a intervalos cada vez mais curtos, os bancos não estão disponíveis para o refletir junto de todos os clientes. "As descidas têm-se registado sobretudo nos spreads mínimos, ou seja, dirigem-se aos clientes que apresentam um risco baixo, e aos empréstimos em que a relação entre o financiamento e a garantia é mais reduzida", refere Nuno Rico, economista da Deco.

Esta observação do especialista da Deco vai ao encontro do que antecipava o mais recente inquérito sobre o mercado de crédito, onde os bancos sinalizavam a intenção de manter o nível de restrição na concessão de empréstimos a particulares. Nuno Rico concorda com esta estratégia de maior cautela, que se continua a revelar necessária. Paula Carvalho, economista-chefe do BPI, aponta no mesmo sentido, acentuando que em matéria de critérios "o legado do passado e o nível de endividamento" vão continuar a fazer-se sentir e a ditar o acesso e o preço dos empréstimos.

Depois de três anos sempre acima da fasquia dos 3%, os spreads (que correspondem, na prática, à margem cobrada pelos bancos num financiamento) começaram a dar sinais de descida. O primeiro impulso surgiu na segunda metade de 2013, tornou-se mais generalizado em 2014 e promete ganhar novo fôlego em 2015. Desde o início do ano há já cinco bancos que mexeram nos prémios. O Novo Banco fez ontem uma revisão, descendo o mínimo para 2,25% - um valor idêntico ao que está já a ser oferecido pelo Millennium BCP -, e, na véspera, o Santander Totta anunciou que passou a disponibilizar uma oferta a partir de 1,73%, para novas operações e para transferências. O Santander Totta junta-se à CGD e ao Crédito Agrícola, que em fevereiro avançaram para spreads inferiores a 2%, e em comunicado adianta já que "a curto prazo são previsíveis outras alterações nos produtos e serviços" para o crédito hipotecário.

A atenção renovada que os bancos estão a colocar no crédito hipotecário não surpreende analistas e economistas. "A retoma económica, mesmo que moderada, a queda do risco de Portugal e da taxa de financiamento dos bancos, a melhoria na taxa de desemprego e a digestão de carteiras de malparado já feita por parte da banca, permitem voltar a apostar neste produto", sublinha Filipe Garcia. Outro dos impulsos vem pelo lado do BCE, ao permitir que estas carteiras de crédito imobiliário possam "ser liquefeitas" através de mortgage backed securities (MBS). Para o analista da IMF, a grande dúvida está agora na evolução dos indexantes de crédito. Paula Carvalho também considera que este movimento de descidas, mais consistente e frequente, mostra que o conjunto de medidas de política monetária que têm sido concretizadas "está a ficar mais oleado", mas sublinha que a manutenção desta tendência vai também depender do andamento da economia real.

O travão que os bancos impuseram à concessão de novos créditos e que foi sentido sobretudo depois da chegada da troika a Portugal levou a que o volume de crédito à habitação chegasse a janeiro deste ano em 106,576 mil milhões de euros - bem longe dos mais de 117 mil milhões contabilizados em 2009. Ao mesmo tempo, o rácio de crédito vencido manteve-se estável nos 2,8%. Os dados mostram ainda que no primeiro mês deste ano a taxa de juro das novas operações de empréstimos rondou os 2,8%, sendo necessário recuar a outubro de 2010 para encontrar um valor mais baixo.

Fonte: Dinheiro Vivo

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