21 março 2013

“Arranha-Céus continuam um tabu”


O novo Plano de Pormenor de Cacilhas, com a proposta de uma torre de 21 andares, trouxe de volta o debate sobre a construção em altura. E recorda-nos a celeuma causada, há mais de uma década, pelo projeto “Manhattan de Cacilhas”. O seu autor, o arquitecto Graça Dias, diz que as torres são uma mais-valia para a nossa paisagem urbana.

A questão tem mesmo que ser colocada nestes termos: quantos andares necessita o projeto de um novo prédio ter para assustar as pessoas? 

Pouco habituados a conviver com arranha-céus na linha visual do seu espaço urbano, os portugueses parecem manter-se pouco confortáveis com a ideia da construção em altura. Sempre que se ouve falar de uma torre, regra geral, o projeto surge, quase inevitavelmente, agrilhoado ao que os telejornais titulam como “polémica”. Mas há quem julgue que Lisboa deveria considerar seriamente a possibilidade de aceitar tais soluções. Que até requalificariam certas áreas da cidade.

É o que pensa Manuel Graça Dias, arquitecto que viu o seu projecto da “Manhattan de Cacilhas” fazer correr muita tinta, há pouco mais de uma década. A recente declaração pública de indignação da concelhia de Almada do Bloco de Esquerda (BE) relativamente à possibilidade da construção de uma torre de 21 andares, em Cacilhas, voltou a evidenciar as divisões em torno da questão. Os bloquistas acusaram, a 6 de Fevereiro, a Câmara Municipal de Almada de ignorar o alegado descontentamento da população relativamente à possibilidade de se erguer uma torre mais alta que o icónico pórtico da Lisnave.

A obra poderá surgir à luz da revisão do Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana e Funcional de Cacilhas, processo que se encontra na sua fase final. Os dirigentes locais do Bloco contestam a possibilidade do instrumento de planificação urbana e ordenamento do território vir a permitir que o prédio – que terá três pisos de estacionamento – seja ocupado por um hotel de luxo e uma grande superfície. Tal viria, dizem os bloquistas, a comprometer o uso do local por toda a população e a destruir a memória piscatória do local.

O plano, que originalmente terá sido pensado pela autarquia em 1997, abrange o Largo Alfredo Dinis, as docas da ex-Parry & Son e a zona do “morro de Cacilhas”, numa área que, no seu todo, é conhecida por ser onde os cacilheiros vindos de Lisboa atracam. A sua concepção foi entregue ao arquitecto Vasco Massapina. Além de pretender, segundo a edilidade, “qualificar a zona”, “construir uma solução urbana coerente e integrada” e “dar primazia ao peão”, o plano terá um relevante impacto visual. Não apenas na margem esquerda do Tejo, mas também em Lisboa, como é óbvio.

As críticas a este projeto reavivam as muitas que ocorreram, em 1999, aquando da apresentação da muito mais ambiciosa proposta do Fundo Margueira Capital, ligado a um consórcio bancário, para o espaço dos antigos estaleiros navais da Lisnave, em Cacilhas. O projeto foi muito criticado, a começar pela autarquia de Almada, que se via impossibilitada de o vetar porque a área de intervenção havia sido desafetada do Plano Director Municipal (PDM). Mas a estocada decisiva na intenção de levar a ideia por diante veio do então ministro do Ambiente, José Sócrates, que disse que nunca autorizaria tal obra – a qual previa torres com 80 andares.

Na época, para lá do enorme impacto visual, surgiam no debate público críticas relacionadas com a alegada especulação imobiliária associada à operação e à desvirtuação da memória do local. “O nosso projeto prestava-se a essa demagogia, mas tal não correspondia à verdade.”, diz Manuel Graça Dias. “A proposta tinha como objetivos a reabilitação da Margueira e o recentrar da vida urbana em volta do rio, criando um skyline mais cosmopolita do lado de lá. Além de que o contraste entre o lado histórico de Lisboa e o resultante dessa construção contemporânea seria muito interessante”, diz.

Graças Dias lamenta que a “Manhattan de Cacilhas” não tenha ido por diante e que aquela zona da margem Sul do Tejo, situada mesmo em frente ao centro da capital do país, se mantenha estagnada. “A vista de Lisboa para Almada é bastante desinteressante e desqualificada. Junto ao cais do Ginjal, temos ali uns casinhotos e mais nada. Não existe ali um ar de cidade”, critica. Na sua opinião, aquela área suportaria, sem dúvida, um acréscimo populacional. O reforço e a melhoria das ligações fluviais à outra margem a tal ajudaria. E Lisboa passaria a beneficar de um cenário ribeirinho substancialmente diferente. Para melhor.

A autarquia de Almada – liderada pela mesma presidente, Maria Emília Sousa – que criticou o referido projeto é, agora, subscitora do plano que prevê a torre de 21 andares. Mas as críticas à construção de “arranha-céus” mantêm-se – desta vez, pela voz do BE. “Pelos vistos, construir em altura ainda continua a ser um tabu, da esquerda à direita. Quando se menciona essa possibilidade, toda gente se arrepia”, considera, sem deixar de reconhecer, que dada a sua dimensão, a qualidade dos edifícios ou a falta dela “serão, naturalmente, bem mais observáveis”.

Mas isso não deve servir para justificar tal preconceito, julga. “Há, em Portugal, um certo equívoco em relação à vida em altura. A maioria das pessoas, muitas das quais até gostam muito de ir passear a Nova Iorque e ficam fascinadas com os arranha-céus lá existentes, dirão logo que não querem ver uma coisa dessas aqui. Como se fosse um cenário apenas imaginável para a América”, ironiza. Graça Dias tem esperança que as mentalidades mudem e até acha que, por exemplo, uma artéria como a lisboeta Avenida da República, que qualifica como “muito desinteressante e chata”, comportaria torres com duas dezenas de pisos.

Texto e Fotografia: Samuel Alemão
Fonte: O Corvo, Blog de Lisboa

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