Viver e guardar um escritório vazio é uma forma de superar rendas altas, mas há perigos.
Estou sempre à espera de ouvir tocar a campainha para a entrada da aula. As marcas do recreio ainda lá estão. As paredes, cheias de certificados, anúncios, notas. À passagem dos corredores, os cacifos “cospem” livros de exercícios. Após umas férias de nove anos estou de volta à escola, mas, para as 30 pessoas que aqui vivem, as aulas nunca param.
O apartamento de Rob McEvely é uma sala de aula, embora só o quadro negro o denuncie. À volta, um cenário típico de estudantes: cheio de pufes e gadgets. “É melhor do que uma casa normal”, diz o jovem trabalhador de 26 anos. “O espaço é amplo – a maioria dos meus amigos paga o dobro para viver num pequeno apartamento. E os quartos à minha volta estão vazios – posso ouvir música alta sem chatear vizinhos.” McEvely só paga 60 libras/semana (€70) em renda e serviços, e há benefícios extras em viver na escola. Uma ala do edifício é dos DJ. Vários atuam ali e há acordos para poderem fazer barulho à noite. Nos jardins há courts de ténis e hortas.
Os ocupantes são guardiões de propriedade que providenciam segurança em edifícios vagos, em troca de aluguer barato. É uma forma popular de vencer a crise imobiliária que acompanhou a crise económica europeia. No Reino Unido, sétimo país mais rico do mundo, um milhão de pessoas está tecnicamente sem abrigo. Todo o tipo de edifícios vagos está disponível. Escolas, edifícios de escritórios ou hospitais tornam-se casas para inquilinos, sobretudo jovens adultos com profissões criativas e mal pagas. E há critérios específicos. Por exemplo, têm de ter emprego.
A escola de McEvely é gerida pela Camelot, a maior empresa de guardiões de propriedade, com 70.000 pessoas na Europa e a crescer 30% ao ano. A indústria tem 50 ou mais empresas que mantêm centenas de milhares de propriedades.
Com uma gama destas, os guardiões precisam de sorte. Iain Macintosh ganhou a lotaria no centro de Londres. “Sinto-me presunçoso”, admite o artista de jogos de vídeo, 27 anos. O escritório de advogado convertido na sua casa situa-se junto de antigas casas reais britânicas, mas em vez das normais 2.000 libras (€2.380) de aluguer/mês, paga 250 libras (€297). Oriundo do País de Gales,Macintosh levou a sua avante através de várias tutelas. “Tenho sorte. Antes, havia uma casa velha com alcoólatras hostis e em seguida um bloco de escritório sem paredes. Não te sentes sempre seguro.”
McEvely concorda. “Encontrámos amianto – produto que pode provocar cancro – no teto e todos fecham a porta à chave quando saem. Uma bicicleta foi roubada há dias.” Mas ninguém se queixa. “A Camelot não quer ouvir falar em problemas; se nos tornarmos problemáticos, o mais certo é sermos despejados”, acrescenta McEvely.
O maior risco é que os ocupantes não têm os habituais direitos dos inquilinos: podem ser despejados com um aviso de 15 dias. A companhia nega negligência. “Encorajamos-los a reportar problemas, eles estão lá para proteger a propriedade”, diz o co-fundador da Camelot, Bob de Vilder. “Todas as normas de saúde e segurança são estritamente cumpridas, nada menos seria aceite pelos nossos parceiros, casos do Ministério da Defesa e Serviço Nacional de Saúde.”
Regras
• Crianças e animais não podem viver nas instalações •
• Fumar é proibido
• Estar preparado para entrar e sair da casa com avisos ‘em cima da hora’ • Inquilinos têm de estar empregados há mais de um ano
• Proibido pernoitar mais de três noites fora sem permissão
Entrevista a David Ireland, Diretor da campanha de Habitação de preços acessíveis do Grupo EMPTY HOMES AGENCY
Podem as tutelas resolver a crise imobiliária?
Para as pessoas que são flexíveis sobre a posse, é uma opção fácil, preferível a ter as propriedades tapadas.
É preocupante que os guardiões tenham pouca proteção legal?
Não se as pessoas ficarem esclarecidas de que se trata de algo fora da lei de arrendamento comum. Se estiveram dispostas a fazer o trade-off, poderá resultar.
Gostaria de ver crescer este sistema?
Sim,mas há melhores soluções a longo prazo. As cooperativas de habitação estão em espera. A ver se aparecem casas a preços acessíveis. É de notar que várias pessoas vulneráveis não se poderão tornar guardiãs. Os donos deverão perceber que beneficiam se tomarem ações de modo a ter a propriedade ocupada.
Fonte: Jornal Metro
0 comentários:
Enviar um comentário
Obrigado pelo seu comentário.