02 novembro 2013

O Património nas curvas da História (e da economia)


Todos os anos a Santa Casa da Misericórdia investe alguns milhões de euros a conservar o seu património, em grande maioria doado por beneméritos. Para quem acredita em Deus, o maior dos beneméritos é Ele.

Investir no património cultural faz todo o sentido. Julgo que ninguém parte do princípio de que podemos ou devemos deixar cair o nosso património mais relevante, pelo que a questão é saber se investimos agora ou se investimos mais tarde com custos acrescidos, de vária ordem. Num País com a nossa História há, como sabemos, felizmente, muito património de grande valor. Património móvel e património edificado, do Estado, da Igreja, de instituições públicas ou privadas, de famílias ou pessoas individualmente consideradas. 

A questão está em que a conservação é uma obrigação permanente. Pode alguém dizer que não se importa com isso ou é secundário, mas esse alguém, se existe, está completamente errado. Mesmo que não se atenda a valores mais altos, num País como Portugal, a importância de se ter o património reabilitado e conservado é grande, também do ponto de vista económico. Como se sabe, o País também "vende" àqueles que quer que o visitem, a sua História, a sua identidade, os símbolos das suas epopeias, os elementos que atestam os diferentes ciclos da sua existência. Cada vez há mais turistas em Portugal e quanto melhor estiver o nosso património melhor impressão causamos, mais nos distinguimos de outros por mostrarmos bem o que é nosso e mais incitamos quem nos visita a difundir a mensagem de que vale muito a pena vir a Portugal. Tão mais importante isto é quanto maior for o nível de erudição dos turistas que cruzam as nossas fronteiras. Se há algo que causa má impressão é ter um monumento, uma igreja, um palácio, um castelo no roteiro turístico e os turistas chegarem lá e verem que está mal conservado, ou mesmo esquecido ou abandonado, aos efeitos da passagem do tempo. Se nós portugueses pensarmos devidamente em quem somos e no que devemos ser, temos os nossos monumentos sempre num "brinco". Cada vez me convenço mais da importância do turismo no futuro da economia nacional: o turismo de sol e praia, o turismo ecológico, o turismo cultural, o turismo religioso, o turismo de negócios, o turismo de mero lazer ou de mera curiosidade ou mesmo só de passagem. Cito sempre o exemplo do Governo de Cavaco Silva em que, durante cinco anos, exerci as funções de secretário de Estado da Cultura e Alexandre Relvas as de secretário de Estado do Turismo, e Isabel Mota as de secretária de Estado do Planeamento. 

Concebemos um programa – que teve sucesso prático – chamado PRODIATEC (Programa de Investimento no Turismo e na Cultura). Ao abrigo desse programa foram criadas várias pousadas alentejanas com notáveis recuperações de vários castelos, símbolos importantes da nossa História. Esta aliança entre a Cultura e o Turismo é essencial para o nosso País. Por isso mesmo, a partir do momento em que está construída – goste-se mais ou menos do projeto – tudo deve ser feito para que o novo Museu dos Coches possa abrir tão depressa quanto possível. Como se deve ter especial atenção ao que representa o Cavalo Lusitano e, especificamente, o Cavalo de Alter e a fundação que tem o nome daquele concelho alentejano, e que tem atravessado grandes dificuldades, momentos e situações que são de lamentar.

Lá está: tudo o que é símbolo, elemento, componente da identidade nacional tem de ser protegido e valorizado. Pode ser que só poucos conheçam Viena de Áustria e o cuidado com que são tratados todos os bens móveis e imóveis, todos os espaços de expressão artística, todos os motivos de atração com carga histórica e valor cultural. Não sei se muitos conhecem o que representa nessa cidade a Spanish Riding School. Esse era o "meu" projeto para essa zona do Museu dos Coches. Não vingou, mas não é por isso que se deve ficar a olhar para trás. Deve-se, sim, contribuir para preservar e valorizar o que criámos. Eu sei que os recursos são muito poucos e compreendo as dificuldades por que passa quem exerce funções na pasta da Cultura. Mas temos de procurar todas as disponibilidades que existem e quem consiga encontrar algumas deve responder "presente" nesta hora tão limitativa do cumprimento de obrigações permanentes. 

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa decidiu investir um milhão e cem mil euros na recuperação estrutural da Igreja da Conceição Velha, entre o Terreiro do Paço e o Campo das Cebolas, em Lisboa. Foi a primeira sede da Misericórdia, que depois de a construir no século XVI teve de a reconstruir após o Terramoto. Como dizia o Cónego João Seabra, é a terceira vez que a Misericórdia constrói ou reconstrói aquele monumento nacional. Quando me perguntaram sobre a decisão deste investimento, eu respondi o que aqui quero repetir: todos os anos a Santa Casa da Misericórdia investe alguns milhões de euros a conservar o seu património, em grande maioria doado por beneméritos. Para quem acredita em Deus, o maior dos beneméritos é Ele. Daí, a obrigação, também, de cuidarmos do que Ele nos dá e dos seus templos. 

Por Pedro Santana Lopes, Advogado

Artigo publicado no Negócios em 30 de Outubro de 2013

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