31 agosto 2014

Mais-valias na venda de imóveis


Mais-valias na venda de imóveis
O Anteprojecto da Reforma do IRS, apresentado em Julho pela Comissão criada pelo Governo para esse efeito, incluiu no elenco das matérias que abordou, a tributação das mais-valias geradas na transmissão de imóveis, efectuando cirúrgicas, mas muito significativas, recomendações de alteração que, a serem adoptadas, trarão uma mudança positiva quanto à tributação destes rendimentos.


Tradicionalmente, os rendimentos de mais-valias, incluídos na Categoria G do Código do IRS, não despertam, fora dos meios técnicos, discussões muito aprofundadas, centrando-se a opinião pública em temas mais abrangentes, como o da tributação dos rendimentos do trabalho e, ainda, nas regras sobre taxas e deduções aplicáveis aos agregados familiares em cada ano. A justificação para esta secundarização encontra-se, eventualmente, no facto destes rendimentos serem menos regulares e abrangentes do que outros, para além da maior complexidade do regime legal. Porém, a transmissão de imóveis por pessoas singulares existe e existirá enquanto existir propriedade privada, tributando-se na Categoria G do IRS não só os rendimentos gerados na venda da habitação, mas também oriundos de quaisquer imóveis da propriedade de pessoas singulares, quando não inseridos no âmbito de uma actividade empresarial. 

E neste âmbito, há anos que estavam identificados pelos diversos intervenientes na área fiscal pontos em que a lei, ou era manifestamente ambígua e geradora de interpretações divergentes entre a administração tributária e os contribuintes – potenciando os litígios –, ou apresentava lacunas evidentes. Boa parte dessas iniquidades são agora alvo de proposta de alteração por parte da Comissão, destacando-se algumas como (i) a possibilidade de se excluir de tributação as mais-valias geradas na venda de habitação própria e permanente quando parte do reinvestimento seja feito antes da venda (por exemplo, para a compra de um terreno) e outra parte seja efectuada após a mesma (por exemplo, para a construção da habitação), (ii) a exclusão de tributação quando o produto da venda seja utilizado apenas na amortização de empréstimo bancário da casa alienada sem que ocorra a aquisição de novo imóvel e, por último, (iii) a possibilidade de se poder fazer prova de que a venda foi efectuada por um preço abaixo do Valor Patrimonial Tributário (VPT) do imóvel, constante da caderneta predial, sendo a mais-valia calculada com base no preço de transmissão efectivo.

Se nos primeiros dois casos se mostra evidente a pertinência das alterações, que vêm esclarecer aquilo que a doutrina e a jurisprudência fiscal já entendia, nomeadamente num momento em que se quer promover a reabilitação de imóveis e redução efectiva do endividamento bancário, já quanto ao terceiro caso trata-se da colmatação de uma manifesta ilegalidade, violadora dos princípios constitucionais da tributação, cujos efeitos negativos se agravaram com a queda abrupta do mercado imobiliário. O que se verifica actualmente é que, em decorrência da reforma da tributação do património (ocorrida em 2003), em que os VPT passaram a ser reavaliados para valores substancialmente mais altos, ao manter-se a regra de que o valor para considerar no cálculo da mais-valia seria, no mínimo, o do VPT – gerando em certos casos uma mais-valia "virtual" sem possibilidade de se afastar tal presunção –, se ofende o princípio constitucional da tributação pela capacidade contributiva dos agregados familiares.

Ainda que se entenda a ideia do legislador de 2003 que, acreditando no correcto resultado da actualização dos VPT, pela avaliação fiscal implementada, e pela continuação do fulgor imobiliário que se vivia, decidiu manter esta norma "antiabuso", evitando o recurso às sobejamente conhecidas simulações de preço na venda de imóveis (que beneficiavam o adquirente, em sede de IMT, e o vendedor, em sede de IRS), menos compreensível é não se ter admitido a possibilidade de afastamento da presunção de que o VPT traduz sempre o valor de mercado mínimo. Tal ideia não só confronta com a regra de que todas as presunções da lei, em matéria fiscal, são passíveis de afastamento mediante prova em contrário, como evidencia a discriminação entre pessoas colectivas e pessoas singulares, na medida em que às primeiras é dado acesso a um procedimento específico para efectuar a prova do preço efectivamente praticado. E a realidade mostra não só que as avaliações do VPT não traduzem sempre o valor de mercado do imóvel, como que existem situações em que os sujeitos passivos se vêm forçados a vender as suas propriedades por valores mais baixos, merecendo estas situações a conveniente tutela legal. 

Congratulamo-nos pois com a alteração proposta pela Comissão na matéria que, reconhecendo não vislumbrar quais os motivos que impeçam a consagração da referida regra, propõe a existência de um procedimento em sede de IRS para o afastamento da presunção de que a venda ocorreu pelo VPT, esperando que se reúna o consenso político que leve à sua consagração definitiva na lei.

Nota: O Anteprojeto da Reforma do IRS, elaborado pela referida Comissão, foi tornado público dia 18 de julho. As propostas de alterações legislativas e de recomendações, constantes do Anteprojeto, serão objeto de discussão até ao dia 30 de setembro, após o que será apresentado o relatório final, sendo este o documento que será objeto de avaliação por parte do Governo.

Consulte o Anteprojeto da Reforma do IRS, aqui.

Por Serena Cabrita Neto, Sócia da PLMJ, da Área de Direito Fiscal

Fonte: Negócios

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