27 outubro 2014

As comunicações obrigatórias ao InCI por parte das entidades do sector imobiliário


A Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, alterada pelo Decreto-Lei nº 18/2013, de 6 de Fevereiro, consagrou um conjunto de medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, fixando, para o efeito, uma série de deveres que impendem sobre as entidades que se dedicam ao exercício da atividade imobiliária.



Nesse sentido, o Regulamento n.º 282/2011, de 12 de Abril (que veio revogar o anterior Regulamento n.º 79/2010, de 13 de Janeiro) veio, precisamente, regulamentar esse conjunto de deveres, os quais para além da inclusão do dever geral de identificação de clientes de entidades do sector imobiliário, quando em causa estejam transações cujo montante seja igual ou superior a € 15.000,00 e do dever de formação dos seus dirigentes e colaboradores, incidem, essencialmente, sobre a necessidade de se proceder a dois tipos de comunicações junto do Instituto da Construção e do Imobiliário, I.P. (InCI, I.P.), a saber:

  1. comunicação da data de início da atividade imobiliária pela entidade (prazo de 60 dias a contar da data declarada para efeitos fiscais);
  2. comunicação semestral das transações imobiliárias efetuadas – entendidas estas como as que concretizam transferências de propriedade, realizadas por escritura pública, ou documento particular equivalente, sendo que a referida comunicação deve ser realizada no prazo de 60 dias após o termo do semestre em causa.
A Lei não deixa margem para dúvidas ao expressamente qualificar as referidas comunicações como obrigatórias para todas as entidades, singulares ou coletivas, que se dediquem à mediação imobiliária, à compra e venda de bens imóveis, à compra para revenda ou permuta de bens imóveis, ou ainda, à promoção imobiliária.

O incumprimento da obrigação de comunicação ao INCI quer do início da atividade, quer das transações imobiliárias realizadas, é suscetível de consubstanciar a prática de uma contraordenação, punida com uma coima que pode variar entre os € 5.000,00 e os € 500.000,00 – se o infrator for uma pessoa coletiva -, e os € 2.500,00 e os € 250.000,00 – se o infrator for uma pessoa singular. Trata-se, como é evidente, de uma moldura sancionatória dissuasora do incumprimento da obrigação, mas que, ao mesmo tempo, e considerando o número e tipo de entidades abrangidas – muitas delas com uma estrutura simplificada –, é suscetível de ser visivelmente desproporcional às condutas que visa sancionar, as quais podem, muito simplesmente, decorrer de meros lapsos ou descuidos de organização de certas estruturas (por serem muito recentes ou os seus responsáveis terem ainda pouca experiência no mercado).

Ressalve-se, ainda, que estas obrigações de comunicação abrangem, igualmente, as entidades que já haviam iniciado a atividade em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 25/2008, o que, aos olhos dos mais conscienciosos, pode ser interpretado como uma violação do princípio da não retroatividade das normas legais.

Não é, porém, o valor das multas (a cujos montantes cada vez mais elevados o Estado já nos tem vindo a habituar) que maior surpresa nos causa, mas antes a própria (des)necessidade de se proceder às ditas comunicações.

Sabemos que, em termos teóricos, a ratio da Lei se prende com a indiscutível necessidade de se combater o branqueamento de capitais (e o financiamento do terrorismo). Mas se esse bem maior pode e deve motivar os maiores cuidados, a verdade é que não se percebe a razão de, em termos práticos, se onerar desta forma as entidades do sector imobiliário (muitas delas, diga-se, de natureza privada), sujeitando-as a um sem número de trabalhos e dificuldades que, ao fim e ao cabo, visam a prestação de informações a um Instituto Público de matéria que já foi oportunamente comunicada à Administração Tributária (concretamente aos serviços de Finanças).

Acresce que, desde 1 de Julho de 2010, as comunicações aqui em causa têm, necessariamente, que ser autenticadas eletronicamente através da utilização de um certificado digital qualificado. Para além das dificuldades eletrónicas/informáticas no acesso à área restrita do Portal do InCI, onde as entidades têm de fazer o registo obrigatório e facultar uma grande quantidade de informação (relacionada com a identificação completa do imóvel e dos intervenientes, meio de pagamento utilizado, montante global do negócio, etc.) estas são, ainda, forçadas a obter um certificado qualificado próprio, junto de uma entidade certificadora credenciada, o que, à partida, tem custos associados.

Questionamo-nos, assim, sobre a razão de ser deste procedimento trabalhoso e moroso, principalmente quando analisado à luz do princípio geral da desburocratização e da eficiência que deve caracterizar a estrutura da Administração Pública e que se encontra consagrado no art.º 10.º do Código do Procedimento Administrativo.

É, em suma, nosso entendimento que a sujeição das entidades visadas a este tipo de condutas, para além de desnecessária, contribui para um aumento da burocratização que ainda é própria da atuação da Administração Pública dos nossos dias e que facilmente se evitaria se as entidades públicas envolvidas (no caso, os serviços de Finanças onde obrigatoriamente se tem de declarar o início de atividade das sociedades e a transmissão de imóveis para efeitos de IMT e o InCI) comunicassem entre si, partilhando a competente informação em prol de uma maior celeridade e economia processual.

Por outro lado, todos reconhecem as vantagens que resultam da introdução do sistema “Simplex” que procedeu a um “aligeiramento” dos procedimentos de ordem administrativa. Neste sentido, entendemos que as comunicações obrigatórias aqui tratadas deveriam ser revistas, na senda do que já foi iniciado pelo programa Simplex, através da utilização de um procedimento coletivo que reúna os serviços de Finanças, as associações do sector, o Instituto dos Registos e Notariado e as Conservatórias e que promova, designadamente, a disponibilização de informação relativa à atividade imobiliária numa única base de dados.

Desta forma evitar-se-ia que as empresas se vissem desnecessariamente confrontadas com um sem número de obstáculos, podendo, assim, concentra-se no seu principal objetivo, que deve ser a criação de riqueza.

Por Pedro Almeida e Sousa, sócio responsável pela área de prática do Imobiliário da Telles de Abreu Advogados

Artigo publicado na Revista Construir, Julho de 2014

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