
A dificuldade de acesso a crédito para aquisição de imóveis, potenciada pela crise financeira, tem dinamizado o mercado do arrendamento. Na sequência do crescimento deste mercado, importa dar nota dos riscos a que os arrendatários poderão estar sujeitos e dos procedimentos que podem adoptar para os evitar.
Desde logo, é frequente que os imóveis colocados no mercado de arrendamento tenham sido adquiridos pelos respectivos proprietários (Senhorios) mediante o recurso a financiamento bancário, sendo também frequente que o cumprimento do contrato de financiamento fique garantido por hipoteca constituída sobre o imóvel. Na verdade, a colocação do imóvel (hipotecado) no mercado de arrendamento é, muitas vezes, a forma encontrada pelos respectivos proprietários para fazer face ao serviço da dívida.
Sucede que, se é certo que o proprietário de um imóvel tem o direito de o arrendar a terceiros, a verdade é que esse direito é, normalmente, restringido no âmbito do referido contrato de financiamento, nos termos do qual o proprietário/mutuário se obriga a não arrendar o imóvel hipotecado sem autorização do Banco para esse efeito, sob pena de vencimento antecipado de todas as responsabilidades emergentes do contrato de financiamento. Assinale-se que, nos termos do art. 695.º do Código Civil “é nula a convenção que proíba o respectivo dono de alienar ou onerar os bens hipotecados, embora seja lícito convencionar que o crédito hipotecário se vencerá logo que esses bens sejam alienados ou onerados”.
Ora, declarando antecipadamente vencidas as obrigações do proprietário/mutuário e não tendo este capacidade financeira para fazer face ao pagamento total do montante que estiver em dívida nessa data, poderá o credor hipotecário desencadear um processo executivo contra o proprietário/mutuário, nomeando à penhora o imóvel arrendado, fragilizando, por essa via, a posição do arrendatário – que, sendo alheio à relação existente entre o proprietário e a entidade bancária, vê-se na contingência de ser obrigado a desocupar o imóvel (naturalmente, se o contrato de arrendamento tiver sido celebrado antes do contrato de financiamento aquela contingência não se verificará).
Acresce que, mesmo que o arrendamento tenha sido autorizado pelo Banco financiador (não podendo este, por isso, declarar o vencimento antecipado das obrigações com fundamento na falta de autorização), a existência de hipoteca fragiliza a posição do arrendatário, uma vez que havendo incumprimento do contrato de financiamento (por exemplo, por falta de pagamento das prestações), o Banco estará legitimado a recorrer à acção executiva.
Por outro lado, poderá não existir qualquer contrato de financiamento e hipoteca(s) constituída(s) para garantir o seu cumprimento mas existirem penhoras registadas a favor de terceiros (designadamente, a fazenda nacional).
De facto, a venda judicial, em processo executivo, de imóvel hipotecado/penhorado faz caducar o contrato de arrendamento, quando posteriormente celebrado à constituição e registo daquela hipoteca e/ou penhora (a questão de saber se o arrendamento caduca com a venda judicial foi objecto de controvérsia tanto na doutrina como na jurisprudência, tendo vindo a pacificar-se no sentido de entender que a venda judicial de imóvel faz caducar o arrendamento, registado ou não, desde que este tenha sido celebrado após a data do registo de hipoteca e/ou penhora).
O que supra se referiu é também aplicável no caso de insolvência do senhorio, garantindo o n.º 3 do art. 109.º do CIRE que “a alienação da coisa locada no processo de insolvência não priva o locatário dos direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil em tal circunstância”. Este preceito legal não acrescenta nem retira direitos ao arrendatário, apenas garante a tutela que lhe é conferida pela lei civil e que supra referimos.
Assim, a celebração de qualquer contrato de arrendamento deverá ocorrer de forma esclarecida, devendo, para esse efeito, ser precedida da análise da documentação do imóvel (em especial, da respectiva certidão do registo predial), que permitirá apurar a existência de registos de hipoteca, penhora ou qualquer outro direito constituído a favor de terceiro. Caso não existam, deverá o arrendatário promover, a seu favor, o registo do contrato de arrendamento, salvaguardando, desse modo, a sua posição jurídica relativamente a registos posteriores. Isto mesmo resulta do estabelecido no art. 6º, n.º 1 do Código do Registo Predial, nos termos do qual “o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que lhe seguirem relativamente aos mesmos bens”.
Por Liliana Figueiredo, RSA LP – Rede de Serviços de Advocacia de Língua Portuguesa
Artigo publicado na Vida Imobiliária
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