21 março 2015

Vitor Reis. "É assustador o que o Estado gastou no crédito bonificado"


Há um desequilíbrio na gestão das políticas de habitação. Quem o diz é o Presidente do Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana. Em 25 anos o Estado gastou milhões na bonificação de juros do crédito à construção ou à aquisição de habitação.
Ao longo de 25 anos, o Estado gastou mais de 70% do orçamento destinado às políticas públicas de habitação em bonificações ao crédito de habitação. A conclusão chega de um estudo elaborado pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), entidade que tem por missão assegurar a concretização da política definida pelo Governo precisamente nas áreas da habitação e da reabilitação.

"Em 25 anos, entre 1987 e 2011, o Estado português despendeu €9,6 mil milhões, dos quais 73,3% se referem a bonificações de juros do crédito à construção ou à aquisição de habitação, ou seja, quase três quartos do esforço realizado neste período", conclui o estudo do IHRU a que o Expresso teve acesso.

Ou seja, enquanto as bonificações absorveram cerca de €7 mil milhões dos €9,6 mil milhões gastos ao longo destas mais de duas décadas, outras políticas do sector foram contempladas com valores mais modestos. É o caso dos programas de realojamento que absorveram apenas 14,1% (€1,3 mil milhões) deste total, dos incentivos ao arrendamento para onde foram canalizados €803 milhões (8,4%) ou ainda dos programas de reabilitação de edifícios para onde foram alocados, durante 25 anos, apenas €166 milhões (1,7%).

"O que há de verdadeiramente pernicioso nestes números, diria mesmo assustador, é o valor colossal que o Estado português em 25 anos gastou a bonificar juros para o credito à aquisição de casa própria. Ou seja, dinheiro que, no essencial, se destinou a financiar um processo que acabou por ser especulativo. Este é o espelho de um ciclo de 25 anos onde se alimentou uma máquina associada ao negócio dos terrenos, às infraestruturas urbanísticas, à construção e à banca", afirma Vítor Reis, presidente do IHRU.

Primeiro estudo em 25 anos

O presidente do IHRU sublinha que é a primeira vez que um estudo dá a conhecer exatamente de que forma foi gasto o dinheiro público  para o sector da habitação ao longo de 25 anos, tendo a equipa do IHRU passado a pente fino várias fontes documentais de vários anos, como o Orçamento do Estado, a Conta Geral do Estado, informação constante dos relatórios de contas do extinto Instituto Nacional da Habitação (INH) e do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), bem como relatórios do extinto Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE). 

As operações analisadas são essencialmente as subvenções a fundo perdido, suportadas exclusivamente pelo Orçamento do Estado e onde não estão incluídas dotações provenientes de fundos comunitários ou de orçamentos municipais ou regionais. O estudo - que demorou dois anos a fazer - cruza as contas do Estado a partir de 1987, "altura em que se consolidam as políticas públicas de habitação", e prolonga-se até ao período possível, neste caso, 2011. "Isto porque as contas de 2012 ainda não foram totalmente apuradas", esclarece Vítor Reis, lembrando que as contas gerais do Estado são aprovadas um ano e meio a dois anos após o orçamento do Estado.

A análise ao estudo permite, entre outras conclusões, perceber que foi nos anos de 2002 e 2003 que se atingiram os maiores valores de execução para as políticas de habitação, com €663,3 e €640,7 milhões, respetivamente. Só no ano de 2002, o Orçamento do Estado libertou €503,1 milhões para as bonificações de juros no crédito à habitação.
400 prédios demolidos 

"O problema é que o Estado e a sociedade no seu todo estavam focados em fazer expansão urbana, construção nova e aquisição de casa própria. Basta dizer que, entre 2001 e 2011, o país perdeu 400 mil prédios anteriores ao ano de 1945 porque foram simplesmente demolidos. E foram ocupados por construção nova (ainda que alguns tenham ficado com lotes vagos)", realça Vítor Reis, acrescentando que esta orientação deixou de fora os programas de arrendamento e reabilitação urbana, que em vários anos, ao longo deste período, não esgotaram as dotações que estavam orçamentadas.
"Veja-se o exemplo do realojamento: quase todos os anos ficou por gastar o dinheiro orçamentado. Uma das exceções ocorreu em 1993, o ano de arranque do PER-Programa Especial de Realojamento". 

Na reabilitação, a situação repetiu-se: "Programas como o Recria ficaram com verbas por gastar, pois a política não estava orientada para reabilitar mas sim para fazer de novo". É ainda relevante verificar que as políticas de reabilitação tiveram uma execução crescente de 1987 a 1999 e uma execução decrescente a partir de 2005 até 2011. "Nos dois anos de maior execução destes programas, 1999 e 2005, atingiram-se €14,8 milhões e €21,8 milhões, respetivamente. Mas em regra, as execuções anuais foram sempre inferiores a €10 milhões", conclui o estudo. 

No grupo das quatro políticas com mais expressão na distribuição das verbas, conta-se ainda a do arrendamento que registou alguma dinâmica entre 1992, altura em que arrancou o programa de Incentivo ao Arrendamento por Jovens (que não era plafonado), e 2007. A partir deste ano verificou-se uma descida muito acentuada, em que a execução passou de €63 milhões para €23,1 milhões, ou seja, uma redução de quase 64%, coincidindo com a substituição do IAJ pelo Porta 65 Jovem (já com plafonds limitados). 

Se nas décadas anteriores não se fez o essencial - "apostar no mercado de arrendamento e da reabilitação urbana" - agora a situação mudou, diz o responsável. "Estamos numa viragem completa do ciclo económico que começou em 2012 com a lei do arrendamento".

Fonte: Expresso

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