Alfama é o rosto de uma nova realidade de alojamento para turistas, com casas onde os visitantes não ficam mais que uma semana, mas procuram viver como os locais. Maria dos Santos vive num antigo segundo andar em Lisboa, frente ao Panteão, há tantos anos que já nem se lembra quantos, "eram os filhos pequenos e agora já há bisnetos homens". O prédio tem quatro andares e um sótão, os inquilinos foram saindo, alguns morreram e resta a Dona Maria, numa casa de seis assoalhadas. Sou a única portuguesa no prédio, diz ela.
Nos outros andares há um corrupio permanente de turistas, às vezes em grupos, às vezes famílias com crianças, às vezes - menos, porque as casas são grandes - viajantes solitários. Alfama mudou muito nos últimos anos. O bairro sempre foi procurado por turistas, mas, de repente, os turistas já são mais do que os locais.
Alfama é o rosto de uma nova realidade: o alojamento local. São apartamentos em que os moradores não ficam mais do que uma ou duas semanas, mas que, enquanto conhecem a cidade, se misturam com a gente que por ali vive desde sempre. Segundo os números oficiais, em Lisboa, só nos últimos seis meses, foram registados mais de 2.900. Em todo o país serão já mais de 14 mil.
"Está a ver aquele prédio ali, todo arranjadinho, na Travessa dos Remédios? É todo de apartamentos desses. E ali à frente, no Beco do Serra, a mesma coisa". O senhor Abel, "à beira dos oitenta", faz de guia. Foi "aos indianos da mercearia" comprar o almoço e a loja estava cheia de estrangeiros."Chegam de avião às tantas da manhã e é um barulho que não se aguenta, a arrastarem as malas com rodinhas pela calçada. Tiraram-nos o sossego", lamenta, para, logo a seguir, reconhecer que apesar de tudo, "o bairro e a cidade estão muito melhor". Os turistas "trazem divisas" e os barcos que chegam pelo rio "trazem um mundo de gente" que compra coisas, que vai aos restaurantes, "que deixa dinheiro, lá isso deixa".
Gostam de ir aos sítios onde nós vamos
Na Pastelaria Alfacinha, que em tempos já foi uma leitaria, "com vacas nas traseiras e tudo", isso é bastante óbvio. São nove e meia da manhã e mais de metade das mesas tem turistas a tomar o pequeno-almoço. "Gostam de ir aos mesmos sítios onde nós vamos, de ir à padaria, de viver por uns dias como vivem os habitantes locais e essa é também uma forma de conhecerem a cidade", diz Eduardo Miranda, sócio da Hart & Soul Lisbon, uma pequena empresa que gere apartamentos para arrendar a turistas e que tem porta aberta na Rua dos Remédios, uma das mais movimentadas de Alfama.
Eduardo comprou um estúdio no bairro em 2009 com mais dois sócios, já com o objectivo de o arrendarem a turistas. O negócio correu bem e foram "adquirindo outros, sempre no centro histórico, Alfama, Castelo, Baixa-Chiado". Hoje em dia já têm cerca de uma dezena, arrendam outros tantos para depois os colocarem no mercado e ainda gerem alguns de terceiros, que não têm tempo ou paciência para a logística que envolve a receção dos turistas e a manutenção das casas. Ao todo são 23, e os três sócios não se queixam das taxas de ocupação, que, pelo menos no Verão, "são muito satisfatórias".
"Por aqui está tudo legal"
Fernando, um informático dono de um apartamento no Bairro Alto que arrenda a turistas, também não tem razões de queixa. "Dá para cinco pessoas e está sempre cheio. Apesar do bulício da zona, ficam encantados". Já teve hóspedes de todos os sítios, "da Nova Zelândia à Espanha, Holanda, Alemanha...". Fernando é um conversador e gostava muito de ir receber os turistas, mas o ritmo começou a ser tão elevado que já não tinha tempo e teve de ceder a gestão a duas amigas, a quem paga uma percentagem e que lhe garantem que está tudo um brinco quando os visitantes chegam.
"Destes apartamentos, muitos foram reabilitados por nós, noutros fizemos parcerias com os proprietários que depois da reabilitação os arrendaram à Hart & Soul Lisbon e esse é outro aspecto positivo do negócio para os bairros antigos", explica Eduardo Miranda. Porque os turistas que vêm para apartamentos em vez de escolher hotéis "não são menos exigentes, pelo contrário" e tudo tem de estar muito bem e com todos os equipamentos.
Será por aí, aliás, que se resolverá o problema do excesso de concorrência, acredita o empresário: "os que tiverem qualidade vão aguentar-se, será uma selecção natural". Outra forma de selecção serão as novas regras legais, mais exigentes não só no que toca a segurança ou caraterísticas das casas, mas também nos deveres fiscais, por exemplo. Há seis meses, com a entrada em vigor da nova lei, Fernando foi comprar um extintor e uma manta de incêndios para o seu apartamento do Bairro Alto. "Por aqui temos tudo legal, garante. Mesmo com o Fisco.
Anabela, nome fictício, já não pode dizer o mesmo. Proprietária de um T1 num bairro histórico de Lisboa, que arrenda a turistas há cerca de dois anos, nunca declarou nada às Finanças, não se inscreveu na câmara, mas investiu em equipamento de segurança contra incêndios, um dos requisitos da nova lei. "Por enquanto, acho que sou um peixe pequeno, não sou um tubarão com quatro ou cinco ou mais casas e a vizinha de baixo no Verão também arrenda, por isso não terá interesse em me denunciar'', afirma. Assim sendo, vai deixando andar porque, admite, o risco vale a pena. Apesar dos meses baixos do Inverno, no Verão tem sempre casa cheia, que lhe vale "uma média de 1.000 a 1.400 euros por mês".
Proprietários criam associação de alojamento local
Um grupo de proprietários tem em fase de constituição uma associação para trabalharem em conjunto as questões relacionadas com o sector. A Associação de Alojamento Local em Portugal (ALEPO) será apresentada em breve e pretende, desde logo, prestar informação e apoio no âmbito da nova lei do alojamento local, que veio mudar significativamente a forma de operar no mercado. As exigências vão da área fiscal - inscrição e declaração de rendimentos às Finanças - à necessidade de inscrição na câmara e requisitos de segurança que muita gente ainda desconhece.
Fonte: Negócios
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