18 abril 2012

Da orgia urbanística à abstinência imobiliária


Por Guilherme Godinho * 
Esta semana, numa reunião informal com um promotor imobiliário catalão, daqueles que já fizeram de tudo e promoveram milhões de metros quadrados de todas as tipologias imaginárias, surgiu uma história que julgo ser paradigmática dos tempos que correm.

"Tenemos un solar, fuera de Barcelona, pero muy bien ubicado, que hemos comprado antes del verano del 2007 (mesmo antes da crise), por ocho millones de euros", dizia ele. Continuou a sua exposição dizendo que, o ano passado, tinham mandado avaliar o malfadado "solar" a uma empresa internacional insuspeita e que o resultado dessa avaliação tinha sido 25% abaixo do preço de compra, ou seja, seis milhões de euros. Tudo isto sem contar com todos os gastos administrativos e financeiros dos últimos quatro anos e meio.

Neste cenário, o conselho de administração decidiu assumir o novo montante da avaliação no balanço da empresa e promover uma ação que pudesse minorar o prejuízo e transformar o passivo num ativo.
Entre várias estratégias, porque os seis milhões de euros da avaliação não deixam de ser virtuais, foram contactados diversos fundos de investimento imobiliário (FII) internacionais. As negociações avançaram e chegaram a um MOU (memorandum of understanding) com um destes fundos. O promotor participava no negócio com o "solar" e com todos os gastos administrativos e o FII participava com o capital necessário para o desenvolvimento da promoção imobiliária. Para tal, exigia uma TIR (taxa interna de rentabilidade) de 15%, mas não só isso. Essa TIR não se apurava gradualmente ao longo do processo de comercialização, mas imediatamente com as primeiras vendas da seguinte maneira: (i) recuperação do capital investido, (ii) aplicação dos 15% da TIR estipulada e (iii) só depois a promotora passaria a poder participar nos resultados. Ainda assim, o negócio está pendente há seis meses por detalhes jurídicos próprios deste tipo de operações.

Este modelo de negócio poderá parecer-nos surpreendente, mas não é mais do que o desaprender de um modelo acabado e o aguçar do engenho numa tentativa de adaptação ao momento em que vivemos. A verdade é que, de uma orgia urbanística, onde tudo foi permitido, passámos a uma situação de abstinência imobiliária, onde quase nenhum produto tem procura no mercado. Existem milhares e milhares de hetares de terreno destinados urbanisticamente a usos - hoje - totalmente desadequados.

Chegámos a uma altura em que vivemos da imaginação; e quando se acabar a imaginação?

A sensação que temos nesta nossa Europa(zinha) forçadamente mediterrânica é de que estamos de braços caídos, somos lentos na resposta, não temos ilusão, não há uma luz ao fundo do túnel, não há uma cenoura que perseguir. Por agora, ainda não vislumbramos qualquer demiurgo que prometa uma nova Pátria. Há vendedores de sonhos a rodos, mas, salvadores da Nação, ainda não apareceu nenhum...

Com tanta austeridade e com tantos cortes, não querendo fazer a apologia das teorias de Hayek ou o de Keynes, só me lembro daquele velho anúncio de margarinas: "há que parar, escutar o coração e usar..."
* arquiteto, associado da Ventura Valcarce Magdalena Arquitectos, Barcelona

Fonte: OJE

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