20 junho 2015

É cada vez mais difícil arrendar casa


Nos bairros históricos de Lisboa e Porto há apartamentos que estavam no mercado residencial e que agora são para turistas. Mas não é por causa disto que o arrendamento não funciona. Mais rentabilidade e menos risco estão a levar donos de casas a tirá-las do mercado de arrendamento para alugar a turistas. Um apartamento grande pode valer 500 euros por noite.


O ano passado, Alexandra (nome fictício) mudou-se para uma casa maior com o namorado e ficou com um apartamento vazio no centro de Lisboa. Vendê-lo "era complicado por causa da crise" e arrendar permanentemente não queria porque não poderia "tirar partido da casa para receber familiares de visita a Lisboa". Decidiu arrendá-la a turistas, porque "fica numa zona muito procurada para alojamento temporário" e está a correr bem. "Comecei há poucos meses e quando coloquei o anúncio na internet as reservas começaram a surgir", diz.

Magalie começou há mais tempo, em 2011. "Estava desempregada e não encontrava nada na minha área, que é psicologia, e tinha um apartamento no Porto, ao pé do mercado do Bolhão, uma zona muito procurada por turistas", conta. Ainda teve a casa no arrendamento tradicional, mas garante que não volta. "Ao início correu bem, entretanto a procura baixou e desci a renda, mas depois tive seis meses sem arrendar e desisti", diz.

Alexandra Almeida, de 39 anos, e Magalie Rodrigues, de 33, são dois exemplos de uma das mais recentes tendências do imobiliário e turismo de Lisboa e Porto: o alojamento local ou arrendamento turístico. Um mercado que não para de crescer. O airbnb.com, o principal portal de arrendamento de casas para férias, tem 26 700 alojamentos em Portugal, mais 65% do que no período homólogo, disse ao Dinheiro Vivo fonte da empresa norte-americana. E basta uma pesquisa para ver que muitos se registaram este ano.

É natural que até já esteja a roubar imóveis ao mercado residencial. "A passagem do arrendamento tradicional para alojamento a turistas é uma tendência dos novos investidores, mas nota-se mais nos bairros históricos de Lisboa e Porto", diz o administrador da Century 21, Ricardo Sousa. O que faz todo o sentido para Luís Múrias, que tem nove apartamentos turísticos no centro do Porto. "Aqui quase não há procura para arrendamento tradicional porque as casas são pequenas, sem elevador ou estacionamento. Ninguém quer morar aqui", diz.

De facto, a oferta para arrendamento permanente é baixa nos bairros típicos de Lisboa e Porto. No portal Imovirtual, que tem quase 260 mil casas em todo o país, há apenas 20 mil imóveis para arrendar e, no centro de Lisboa são dois mil. No Chiado, por exemplo, são 85. Quase tantos como os 52 alojamentos locais que há no airbnb. "Se existe um boom de alojamentos locais nos bairros históricos é porque existe procura, é uma resposta a uma necessidade. Se houvesse procura por arrendamento tradicional era isso que os proprietários iriam fazer", repara o presidente do Turismo de Portugal, João Cotrim de Figueiredo.

Os dados da associação dos mediadores (APEMIP) confirmam isso. Este ano a procura de arrendamento está já perto dos 45% e as intenções de compra estão acima de 50%. "Ainda não há um verdadeiro mercado de arrendamento. A oferta não dá resposta à procura porque grande parte dos ativos fica em locais onde não existe procura e porque tem preços proibitivos para as famílias portuguesas", diz o presidente da APEMIP, Luís Lima.

Aliás, para este responsável, não é só nos bairros históricos que os proprietários estão a colocar as suas casas em regime de alojamento local. Isso também acontece nos T3, T4 ou T5 com rendas acima dos mil ou dois mil euros. No Imovirtual, por exemplo, há várias casas no Parque das Nações ou nas Avenidas Novas a arrendar para férias e que custam mais de 100 euros por noite ou mais de 800 por semana. Há quem arrende casas de muitos quartos por 500 euros por noite, o mesmo que uma renda mensal no Bairro Alto.

Os docinhos e as garrafas de vinho

Magda Tilli, a fundadora da Home Lovers, a mediadora imobiliária portuguesa que nasceu no Facebook, não tem dúvidas: "Os proprietários levam as casas para o alojamento local porque acham que vão ter mais rentabilidade." E até o fazem apenas por um curto período de tempo. "Ainda esta semana, um senhor que não estava a conseguir vender a casa que tem na Baixa decidiu arrendá-la a turistas no verão. Mas depois voltou a colocá-lo à venda", conta.

Rafael (nome fictício) e a mulher Sofia (nome fictício) decidiram entrar neste negócio precisamente para ter algo que "desse maior segurança financeira". Por isso têm as suas profissões, ele na área da construção e ela no marketing, e querem manter o alojamento local "como um hobby", mesmo tendo três apartamentos perto da Avenida da Liberdade. Ir para o mercado tradicional "apenas se o alojamento local se tornar inviável", diz Rafael.

As contas são fáceis de fazer. Um T1 ou T2 numa zona histórica, seja de Lisboa ou do Porto, custa entre 35 e 85 euros por dia e 350 a 1000 euros por semana. Num mês, pode fazer-se mais de mil euros ou quase três mil, bem mais do que as rendas mensais de 400 ou 500 euros destes bairros. Além disso, com a nova regulamentação do alojamento local, aprovada pelo governo a 27 de novembro do ano ano passado, apenas se paga IRS sobre 15% da faturação e o IVA é de 6% e só para rendimentos anuais acima dos 10 mil euros.

Luís Múrias é engenheiro florestal e há quatro anos, quando a mãe, Eugénia, herdou o prédio na Mouzinho da Silveira, decidiu arrendar uma das casas a turistas. Correu tão bem que abriram uma empresa e agora têm nove apartamentos com uma taxa de ocupação de 70% e uma faturação "de 100 a 160 mil euros por ano". Magalie Rodrigues também criou o seu próprio negócio e já tem duas casas. E Carla Costa Reis, que estava desempregada quando decidiu arrendar o seu T1 no Bairro Alto, foi estudar para Barcelona com o que ganhou, criou um negócio para gerir os alojamentos locais de pessoas que têm outros empregos ou foram para o estrangeiro e ainda fundou a Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP). Parece a galinha dos ovos de ouro, mas não é.

"Um proprietário de arrendamento normal gasta menos em manutenção, apesar de estar num enquadramento fiscal aparentemente mais pesado. O dono de um alojamento local tem mais controlo sobre o imóvel, mas tem despesas muito grandes com manutenção, com toalhas e lençóis que os hóspedes estragam muito, com as amenities ou com docinhos e vinhos para oferecer aos hóspedes", conta Carla. É que, repara Magda Tilli, "estes alojamentos vivem muito dos gostos nos sites. Basta ter uma crítica má para o negócio recuar".

O pastel de bacalhau com queijo da Serra

Chamaram pornografia ao rechear o tradicional pastel de bacalhau com o não menos típico queijo da Serra. Para Alexandra Almeida, que mora ao pé da Sé e tem um alojamento local na Baixa, esta fusão culinária não é pornografia mas a consequência do boom de turistas de Lisboa. "Começa a ser difícil ouvir falar português ou encontrar um lugar numa esplanada para beber calmamente um café", alerta. Ainda esta semana, no programa Prós e Contras, da RTP1, o presidente da Junta de Freguesia de Santo António, que abrange a Avenida da Liberdade, Rato ou Príncipe Real, contava que os bairros históricos estão a perder moradores por causa do boom de arrendamentos turísticos.

Segundo dados da Secretaria de Estado, nos sete meses desde a entrada em vigor do novo regime que se registaram 15 511 alojamentos locais. Destes, 8549 transitaram do regime anterior, ou seja, legalizaram--se, e os restantes 6961 são novos, um número que deve crescer ainda mais. Segundo fonte oficial do governo, no primeiro trimestre o número de turistas em Portugal cresceu 11,5% e as estimativas apontam para os 17,5 milhões este ano.

É por isso que, para Cotrim de Figueiredo, "não podemos deixar de apostar no turismo só porque cria problemas. Se eles aparecerem então resolvem-se e estamos atentos", diz, notando que este crescimento "tem trazido um grande desenvolvimento às cidades" e tem contribuído para a reabilitação urbana.

De acordo com vários especialistas do imobiliário, a reabilitação dos bairros típicos de Lisboa e Porto tem sido feita mais por via do alojamento local, dos hotéis e hostels do que das casas para arrendamento permanente. Só no Porto, Luís Múria já reabilitou nove apartamentos e Magalie já vai em dois. E, em Lisboa, Rafael recuperou três e Carla reabilitou um e gere mais três. E esta é uma pequeníssima amostra. No airbnb, em Lisboa há já 10 200 alojamentos, mais 43% do que no homólogo. E no Porto, há apenas 2600, mas representam um crescimento de 62%.

Imóveis que, nota João Cotrim de Figueiredo, "uma vez recuperados, podem estar em qualquer um dos mercados, no turístico ou no residencial".

Eugénia e Luís Múrias, mãe e filho, arrendam nove apartamentos no centro do Porto
Foto © Artur Machado/Globalimagens
Fonte: Dinheiro Vivo/DN

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