20 setembro 2015

Comprar ou arrendar casa?


A banca voltou a financiar a compra de casa, mas o mercado de arrendamento continua a ser uma opção para muitos portugueses. O regresso do crédito à habitação está a dar um novo fôlego ao mercado de venda de casas, vindo ao encontro da tradição há muito arreigada nos portugueses de serem proprietários da habitação onde vivem. Mas, com os fantasmas ainda recentes das situações de incumprimento - há apenas dois anos, sete casas eram resgatadas todos os dias pelos bancos devido a não pagamento -, coloca-se a questão de perceber se a melhor opção para as famílias será a compra de casa ou ficar-se pelo arrendamento.

No primeiro semestre deste ano, os novos empréstimos à habitação concedidos pelos bancos aumentaram 59% em relação ao mesmo período do ano passado e atingiram os €1,67 mil milhões, mostram os dados do Banco de Portugal. É preciso recuar ao primeiro semestre de 2011, imediatamente antes da entrada da troika, para encontrar um valor superior. 

"Os bancos abriram de novo a carteira e a concessão de crédito à habitação está mais facilitada", aponta João Fernandes, economista da DECO/ Proteste Investe. Até porque o crédito está mais barato, em resultado dos valores muito baixos das taxas de referência Euribor - nos prazos até três meses, a taxa é mesmo negativa - e da redução dos spreads praticados pelos bancos, que tinham aumentado muito durante os anos da troika. "Já há Propostas de spreads abaixo dos 2% e muitas pessoas já conseguem aceder com relativa facilidade a spreads na casa dos 2,5% a 3%", nota João Fernandes. São valores ainda longe dos praticados até 2007, antes da crise financeira internacional, quando eram comuns valores abaixo de 0,5%, mas já muito abaixo dos mais de 4% que passaram a ser habituais após o resgate a Portugal. 

"Não haja dúvidas que esta agressividade da banca na concessão de crédito está a ajudar à própria recuperação do mercado interno. É um sinal de que os bancos acreditam que os ativos não vão desvalorizar. Caso contrário não emprestariam dinheiro", diz Luís Lima, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP). 

Empréstimos que, ainda assim, hoje são feitos com outro peso e medida, diferente do que era praticado no período pré-crise em que a concessão de crédito bancário chegava a ultrapassar os 100% (financiava-se a casa e também a mobília), realça Luís Lima. "Os bancos hoje têm o cuidado de atrair pessoas com capacidade para fazer crédito, até porque não querem passar pelos mesmos problemas. Além disso, o crédito hoje em dia não vai além dos 80% do valor desejado", acrescenta ainda.

Corno reforça Ricardo Guimarães, diretor da Confidencial Imobiliário (CI), empresa especializada na produção de indicadores de análise do mercado imobiliário, se "os bancos financiarem não mais do que 80% têm sempre urna margem de 20% para eventuais novos ciclos de queda". 

Fundamental, diz Luís Lima, é "que as pessoas (e os bancos) não deixem de ter noção de que a Euribor, que atualmente está a níveis muito baixos, poderá subir novamente para taxas de 4 ou 5% (mais o spread) dentro de três ou quatro anos".

A taxa de juro média praticada pelos descida bancos em Portugal nas novas operações de crédito à habitação situou-se em junho nos 2,27%, quando em janeiro de 2012 atingiu 4,68%. Se considerarmos a TAEG - Taxa Anual Efetiva Global (que inclui, para além dos juros do credito, todos os encargos a pagar pelo cliente, como comissões, despesas de aberturas, seguros e impostos subjacentes ao contrato de crédito), os valores são mais altos, mas a tendência é a mesma. Em junho, a média foi de 3,28%, quando em janeiro de 2012 estava nos 5,67%. 

A conjugação destas duas tendências - valor dos imóveis a subir, mas crédito mais fácil e com menor custo - não é clara. Mas os números mostram que a compra de casa está a aumentar de forma significativa. No primeiro trimestre deste ano foram vendidas 25.716 habitações em Portugal. Mais uma vez, para encontrar um valor mais alto é preciso recuar até antes da chegada da troika a Portugal, mais precisamente ao último trimestre de 2010, quando se venderam em Portugal 31.809 habitações. 

Rendas em Lisboa caíram 20% 

O período de crise estimulou uma descida das rendas na ordem dos 15% a nível nacional e dos 20% em Lisboa entre 2010 e 2014. Uma descida dos valores reforçada pelo período de 'seca' na concessão de crédito levando a que o mercado de arrendamento se desenvolvesse por todo o país, realça Ricardo Guimarães. 

Agora, no primeiro trimestre deste ano, as rendas estabilizaram e, em Lisboa, há claramente uma recuperação na ordem dos 7,6% em termos homólogos, como lembra o economista. Dados apurados pela CI apontam, por exemplo, para uma renda média de €640 em Lisboa para um T2 e para €451 na mesma tipologia no Porto. 

Mas, agora que o mercado de venda de imóveis retoma o seu ritmo 'normal', o presidente da APEMIP, Luís Lima, defende que as rendas deveriam ser mais competitivas em relação às prestações bancárias, a única forma de continuar a alimentar o mercado do arrendamento: "Que ninguém tenha dúvidas que as rendas têm de baixar a níveis inferiores ao valor das prestações para ter o mercado de arrendamento a funcionar". 

Para além do custo financeiro na decisão de comprar ou arrendar, João Fernandes, da DECO, alerta para outras variáveis a ponderar. A começar pela situação no emprego. "Quem está numa situação menos estável pode ter necessidade de maior mobilidade geográfica e, aí, pode ser mais vantajoso o arrendamento". Também as famílias com maior risco de redução de rendimentos, seja por desemprego ou reduções salariais, "podem ter necessidade de rapidamente redimensionar os seus custos com habitação, o que é mais fácil com o arrendamento".

SOBREENDIVIDAMENTO 
DECO apoia famílias - Todos os dias chegam à DECO 95 pedidos de informação de famílias em situação de endividamento. Destes, sete acabam mesmo por originar processos de acompanhamento junto do Gabinete de Apoio ao Sobreendividado (GAS). O regresso da facilidade ao crédito à habitação, rapidamente correspondido pelas famílias portuguesas, deixa a jurista Natália Nunes, coordenadora do GAS, muito apreensiva: "Não existe ainda crescimento económico que justifique toda esta euforia por parte das famílias em relação ao crédito bancário, sendo que o da habitação é aquele que continua a ter mais peso". Entre as famílias acompanhadas pela DECO, a taxa de esforço média para os seus créditos é de 69% quando o ideal não deveria ir além dos 40% (incluindo créditos da habitação, do carro, consumo, etc.).

Fonte: Jornal Expresso de 19/09/2015

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