22 outubro 2015

Casas e casos – Insolvências e IMT



Com a crise abrandaram os negócios do imobiliário e cresceram as oportunidades de compra através das insolvências. O princípio é sempre o mesmo: com os males de uns, beneficiam outros tantos. Foi esta a situação a que assistimos nos últimos anos, embora haja, ainda, quem procure aqui e ali por mais uma oportunidade destas, sabendo-se à partida que já vão rareando, por que o mercado tende a estabilizar e a voltar às regras a que nos habituamos.

Enquanto foi possível, fizeram-se muitos bons negócios, sob o olhar vigilante de quem regula este mercado. O melhor exemplo são as listas infindáveis de imóveis na posse dos bancos e que publicitam, permanentemente, na tentativa de se desfazem desses avultados patrimónios imobiliários. Cada negócio tem a sua história e há histórias que merecem ser contadas:

Uma insolvência de uma loja no Algarve veio a público através de anúncio de jornal. Só não participou quem não leu, quem não quis, ou quem não estava interessado. Como sempre acontece nestas situações, venceu a proposta que apresentou, em carta fechada, o valor mais alto. Acertaram-se pormenores e foi marcada a escritura num cartório em Lisboa. Como em qualquer ato desta natureza, estiveram presentes o comprador, o administrador de insolvências, como legítimo representante da parte da venda e o notário como entidade do Estado responsável para o efeito.

Para que a escritura fosse realizada era necessário estar tudo conforme mandam as regras. E assim foi. Papéis e mais papéis, entre os quais deveria constar o comprovativo do pagamento do IMT (Imposto Municipal de Transações). Acontece, porém, que o comprador do imóvel recebeu das Finanças um documento a justificar a isenção de IMT por se tratar de uma insolvência. Para espanto do comprador, a aquisição saiu-lhe mais barata e constatou, de facto, que comprar assim é bem melhor do que andar no mercado onde as isenções não existem.

Tudo feito e assinado, o espaço em causa foi registado e reavaliado pelas Finanças, a fim de se começar a pagar o IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis). Tudo decorreu normalmente até ao momento em que a mesma repartição de Finanças, que tinha declarado isenta de IMT a transação efetuada três anos antes, veio, passado esse período, pedir com a urgência de 15 dias, um comprovativo completo da massa insolvente. Isto é, a Autoridade Tributária quer saber três anos depois se no referido espaço também estariam outros objetos como por exemplo cadeiras, secretárias, folhas de papel, ou lâmpadas.

O comprador, que adquiriu o imóvel vazio, através da resposta a um anúncio de jornal e da responsabilidade de um administrador de insolvências, nomeado pelo Estado, tratou de tudo no ato da compra, inclusive com a apresentação de um documento da mesma repartição de Finanças atestando a isenção de IMT, de forma que o notário pudesse outorgar a escritura.

Sem saber como comprovar o que a Autoridade Tributária, agora, lhe exigia, solicitou a devida informação, junto da mesma repartição de Finanças, de como obter esse tal comprovativo. A resposta foi que em caso de já não se saber do paradeiro do administrador de insolvências, talvez seja possível obter-se alguma informação junto do Tribunal de Comércio.

Mas perante a dúvida de que o Tribunal de Comércio poderia ignorar o pedido ou mesmo sabendo do que se trata não passar qualquer comprovativo no espaço de 15 dias, a Autoridade Tributária informou o cidadão que isso já não seria problema, pois bastaria um papel comprovativo de que se tinha solicitado o comprovativo pretendido e que a demora já seria da responsabilidade do Tribunal e não das Finanças nem do cidadão, mesmo sabendo-se que um comprovativo destes poderá arrastar-se tempo indeterminado.

O cidadão optou por entregar o caso a um escritório de advogados, que se encarregará de provar noutro Tribunal que a mesma repartição de Finanças não pode isentar um cidadão de uma transação e mais tarde, três anos depois, argumentar que essa isenção atribuída por força legal só será válida se for acompanhada de um comprovativo, nunca antes exigido e que não se sabe o que é e onde estará.

Quando a burocracia do Estado entende, cada cidadão neste País continua desprotegido e à mercê do inesperado sempre a seu desfavor.

Por Jorge Passarinho, Jornalista
Fonte: OJE

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