11 abril 2016

Realização de obras nas casas com rendas antigas


Pago uma renda baixa num contrato de arrendamento antigo e o imóvel ameaça os meus pertences. Posso exigir ao senhorio a realização de obras?


O setor imobiliário em Portugal, nos últimos anos, tem vindo a registar várias alterações motivadas por diversos fatores, desde a incidência legislativa a outros, como a revitalização do mercado no âmbito do arrendamento. Porém, não obstante a alteração significativa dos últimos tempos no que ao mercado de arrendamento respeita, a verdade é que ainda subsistem contratos de arrendamento cujas rendas não sofreram quaisquer alterações e permanecem como que "congeladas" em quantias aproximadas aos €10,00 mensais. 

Ora, é sobejamente conhecido de todos nós que sempre foi argumento de que tal fator (rendas diminutas) demoveu os inúmeros senhorios da iniciativa em efetuarem obras de reparação e/ ou conservação e, em simultâneo, conseguirem cumprir as suas obrigações fiscais, devotando e impossibilitando a renovação e requalificação do setor imobiliário. 

Não obstante tais factos, a verdade é que constitui uma obrigação do senhorio assegurar o gozo do imóvel para os fins a que se destina (art. 1031.° do Cód. Civil). Da mesma forma que esta obrigação recai sobre o senhorio, é reconhecido ao inquilino um direito a gozar o imóvel para esse mesmo fim, como seja a habitação. Nesta matéria, a nossa doutrina e jurisprudência tem ,entendimento pacífico sobre a amplitude deste conceito de gozo, cabendo ao senhorio o dever de se abster de atos que possam atingir e perturbar o gozo do imóvel (o que, aliás, vai de encontro ao previsto nos nossos art. 1037.º e 1074.°, n.° 1, do Cód. Civil). 

Porem, questionamos: conhecendo o imóvel um estado de degradação tal que até compromete a segurança do inquilino e dos seus haveres, por causa de, infiltrações e/ou perigo de queda da cobertura, entre outros, poderá o inquilino, por que paga uma renda irrisória, ao abrigo daquelas disposições legais, reclamar do senhorio e exigir deste obras? 

Saliente-se que grande parte da degradação que observamos nos móveis afeta e/ou compromete a sua utilização e, como tal, são da responsabilidade do locador. É certo, porém, que a situação terá de ser sempre verificada e apreciada por um técnico, o que até poderá ser feito por via da Câmara Municipal, que poderá, a solicitação, realizar as vistorias ao imóvel. 

Curiosamente, ainda que as situações reclamem uma intervenção urgente, os nossos tribunais têm vindo a ficar sensíveis ao valor das rendas que foram sendo pagas pelos arrendatários e por esta via tem sido encontrada uma válvula de escape - instituto do abuso de direito - que permite a existência de uma atuação contra a obrigação de corrigir as patologias que economicamente se afiguram por demais significativas quando comparadas com o valor das rendas liquidadas (vide Ac. TRL de 02.02.2016). 

Como resulta do próprio Ac. supra citado, o propósito é flexibilizar a rigidez da obrigação que incide sobre o senhorio em este vir assegurar o gozo do imóvel para o fim a que está destinado, adaptando o "direito à evolução da vida" e que por que via do artigo 334.° do Cód. Civil se torna possível de argumentar. Encontra-se assim "aberta a porta" para a argumentação de que, face a rendas extremamente baixas, não pode o inquilino exigir do senhorio a realização dessas obras, sob pena de se atribuir a uma das partes uma vantagem manifestamente desproporcional em face do sacrifício que o orçamentado implicará na esfera do senhorio, entorpecido e desprovido de capacidade económica para as mesmas. 

Por Cristina Faria, Advogada Estagiária de Imobiliário e Veículos de Investimento da PRA-Raposo, Sá Miranda e Associados - Sociedade de Advogados
artigo publicado no jornal Vida Económica de 9 de abril de 2016

0 comentários:

Enviar um comentário

Obrigado pelo seu comentário.