17 setembro 2016

Banca trava juros negativos no crédito à habitação


Alguns dos maiores bancos nacionais preparam-se para introduzir um limite de zero nas taxas de juro do crédito à habitação para os contratos em curso. Com a média mensal da taxa Euribor a três meses a chegar aos -0,3%, existem 'spreads' no mercado que já estarão a ser totalmente absorvidos pelo indexante negativo. O economista da Deco Proteste, João Fernandes, nota precisamente a existência de 'spreads' de 0,25%, e até de 0,2%, praticados no final da década passada, no auge das facilidades na concessão de empréstimos para a compra de casa. Ou seja, 'spreads' que hoje, quando somados ao indexante, resultariam numa taxa de juro líquida negativa que, previsivelmente, seria refletida abatendo ao capital em dívida.


No entanto, e ao contrário das orientações que constam da carta-circular do Banco de Portugal (BdP), de março de 2015, alguns dos maiores bancos nacionais assumem a introdução de um limite de zero nestes casos. Em resposta ao Jornal Económico, BCP e Santander confirmam que não vão praticar taxas de juro negativas no crédito, o que significa que deixarão de refletir a totalidade da descida do indexante na taxa de juro cobrada aos seus clientes.


E aqui parece existir o que o próprio Governador do BdP classifica de "um aparente conflito normativo". Nas orientações dadas ao mercado ainda em 2015, o regulador cita a regra legal que impede a introdução de limites à variação do indexante para os contratos de crédito em curso, assumindo, portanto, que a introdução de um 'floor' não é admissível. No entanto, já em abril deste ano, tanto Carlos Costa como Lúcia Leitão, responsável pelo departamento de supervisão comportamental do BdP, argumentaram, em audição parlamentar, a favor da introdução de limites, quer para os contratos em curso, quer para os novos empréstimos. 

Em causa, para além da saúde do sistema financeira, está o artigo 395.° do Código Comercial, segundo o qual "o empréstimo mercantil é sempre retribuído" ou seja, o princípio da onerosidade do mútuo mercantil. Na opinião do regulador, além de um limite de zero na taxa de juro final para os contratos em curso, deveria ainda ser introduzido "um valor de indexante igual a zero nos casos em que esse indexante assuma valores negativos (assegurando-se, assim, que a taxa de juro destas operações será, pelo menos, igual ao 'spread')". Uma posição justificada com a necessidade de manter a sustentabilidade do sistema financeiro. Lúcia Leitão afirmava então que: "As taxas praticadas num crédito devem ser de tal ordem que cubram os custos de financiamento, o custo do risco do crédito, o retomo do capital e os custos operacionais de forma a garantir a sustentabilidade e a autonomia financeira do sistema bancário no longo-prazo". Além disso, com rácio de transformação em torno dos 100%, a banca tem hoje quase todo o seu crédito financiado por depósitos. Recorde-se que, em Portugal, as taxas de juro dos depósitos não podem ser inferiores a zero o que cria, na opinião do regulador e do setor, um importante desequilíbrio na formação das taxas ativas e passivas dos bancos. 

Cinco meses volvidos, os deputados continuam sem oferecer urna clarificação legislativa sobre a matéria. Em cima da mesa, permanece um projeto de lei do Bloco de Esquerda que institui a obrigatoriedade de as instituições de crédito refletirem totalmente a descida da Euribor nas taxas de juro dos contratos de crédito à habitação e ao consumo, cuja votação foi adiada. Já em declarações ao Jornal Económico, João Paulo Correia, coordenador do grupo parlamentar do PS na Comissão de Orçamento e Finanças, remete para "a orientação do Banco de Portugal sobre o assunto que determina que os bancos têm de aplicar plenamente a taxa Euribor, mesmo que isso leve a uma taxa de juro global negativa". 

Na falta de legislação específica, o responsável da Deco nota que qualquer diferendo terá de ser resolvido em tribunal. "A. contestação terá de ser feita contrato a contrato, o que é dispendioso em termos de tempo e dinheiro. Estamos a falar de duas partes com dimensões completamente desproporcionais e, mesmo que os tribunais decidam a favor dos mutuários, essa decisão não faz jurisprudência, o que significa que o banco apenas terá de devolver umas décimas. Será sempre mínima a penalização que os tribunais lhes podem causar".

Diversas posições

Banco de Portugal - Em março de 2015, o regulador emitiu uma carta-circular onde entende que, nos contratos de crédito em curso, não podem ser introduzidos limites à variação do indexante. Trata-se de uma orientação que não tem, no entanto, caráter vinculativo. Já em abril deste ano, o Governador defendia, na Assembleia da República, a introdução de um limite de zero na taxa final ('spread' mais indexante) para os contratos em curso e de um limite de zero apenas para o indexaste nos novos contratos. Ou seja, no limite, o cliente pagaria sempre o 'spread'.

Associação Portuguesa de Bancos - A associação que representa o setor nota que "constitui um contra-senso ter associado a um crédito - em que é a instituição bancária que presta um serviço ao cliente - uma taxa de juro negativa, pois tal significaria ser o banco a pagar ao cliente pelo empréstimo que lhe concedeu". A APB considera ainda existirem fortes argumentos jurídicos contra a aplicação de uma taxa de juro global negativa, desde logo o que se denomina por 'contrato de mútuo oneroso', o qual pressupõe o pagamento de juros pelo mutuário.

Deco Proteste Investe - Já a Deco Proteste defende que se trata de uma questão contratual. O economista João Fernandes considera que "se a taxa de juro resulta da soma de um indexante com o 'spread', então é essa a taxa que deve ser aplicada". Adiantando que: "Os bancos também não colocaram um limite na subida de forma a proteger os interesses dos consumidores". O mesmo responsável alerta ainda para a introdução de claúsulas nos novos contratos que permitem a alteração unilateral dos 'spreads' por parte dos bancos, "em função das condições de mercado". 

Fonte: Jornal Económico

0 comentários:

Enviar um comentário

Obrigado pelo seu comentário.