14 setembro 2016

Investimento imobiliário põe património em risco


No negócio imobiliário, desde a simples compra, venda e arrendamento de terrenos em meio rural para uso agrícola ou similar, até à reabilitação, renovação ou demolição e reconstrução de edifícios em ambiente urbano, todas as transformações da propriedade ou do contexto são potencialmente geradoras de uma valorização da primeira, quer para alienação quer para arrendamento. Juntamente com a construção, o imobiliário constitui, em Portugal e noutros países, um dos mais bem organizados grupos de interesse sectoriais, capaz de exercer grande influência sobre as políticas públicas.


Na medida em que visar a obtenção de lucros exagerados ou de duvidosa legitimidade, o imobiliário adquire frequentemente, um carácter especulativo. Sabe-se, também, que este negócio é um dos mais utilizados para o branqueamento de capitais e fraude fiscal. 

No entanto, a atividade do sector imobiliário pode contribuir para a realização das transformações do uso do solo e do stock edificado necessárias ao bem-estar das populações e ao crescimento da economia. É nesse sentido que urge reorientar o grande esforço que se tem feito para canalizar para o imobiliário português as aplicações financeiras da chamada "global investment comunity", uma designação tão vaga que, na prática, abarca qualquer dos objetivos que pode ter o negócio imobiliário. E, de facto, com os vistos gold novamente em alta, os incentivos aos residentes não habituais, os preços "de saldo" dos ativos imobiliários e, finalmente com o frenesim com que o Governo procura expandir o turismo, Portugal está nos radares dos investidores.

Depois do endividamento maciço dos anos loucos do virar do século, o Estado, os bancos e as empresas precisam urgentemente de reduzir a dívida, sobretudo a externa. O processo mais mão é a alienação de ativos, em particular imobiliário, proporcionando operações "com escala", diretamente ou por interposto fundo. Trata-se de transações que abrangem. frequentemente, quarteirões inteiros. 2016 está a ser fértil neste tipo de negócio. Por exemplo, o Fundo Sete Colinas foi integralmente vendido a um promotor alemão. A venda incluiu o Quarteirão da Portugália e o Palácio Almada-Carvalhais, entre outros edifícios notáveis de Lisboa. Mas as operações podem também ser de pequena escala, como o negócio imobiliário do Alojamento Local, que alastra pelos centros e bairros históricos do país.

As simplificações introduzidas há dois anos no Regime Jurídico da Reabilitação Urbana aliviaram muitos dos requisitos das intervenções. Este quadro facilitista foi recentemente ampliado com a última revisão do regime dos alvarás, que dispensa os empreiteiros de obras particulares da demonstração de capacidade técnica para executar qualquer tipo de trabalho, incluindo os de reabilitação! Tirando partido da permissividade da legislação, muitas das intervenções de reabilitação têm sido feitas sem preocupações com a durabilidade ou a segurança estrutural, esta particularmente importante em Lisboa e noutras zonas sísmicas do país.

Vive-se atualmente uma euforia com o turismo. No entanto, se não houver uma mudança de estratégia que privilegie a qualidade, é óbvio que o atual ritmo de expansão do sector fará esfumar-se a excelência do país como destino turístico. Nas grandes cidades e no Algarve, a massificação do turismo tem reforçado a ação descaracterizadora da pressão imobiliária, afastando dos centros históricos quer os moradores tradicionais quer os jovens que poderiam contribuir para uma genuína revitalização desses locais.

Em conclusão, o investimento no sector da construção e do imobiliário é bem-vindo se obedecer às boas práticas do ordenamento do território e do planeamento urbano. A conceção e execução das intervenções de reabilitação do tecido urbano e do edificado, em particular nos centros históricos, deve assegurar a salvaguarda do seu valor cultural, ter em conta os legítimos interesses dos moradores e incluir as medidas necessárias à segurança de pessoas e bens, nomeadamente nas áreas do país sujeitas ao risco sísmico. Estes desideratos têm sido contrariados pelas conhecidas fragilidades do ordenamento do território, que pelo facilitismo da regulação do sector e do licenciamento das intervenções, fruto, em grande parte, da prevalência de interesses de curto prazo e de uma influência desproporcionada do sector da construção e do imobiliário junto dos decisores políticos. 

Por Vitor Cóias, Presidente do GECoRPA - Grémio do Património 
Fonte: Expresso

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