O professor da Universidade Técnica de Lisboa diz que há muito património que paga IMI sem gerar rendimentos.
Sidónio Pardal, orador convidado pela Universidade Católica na conferência de ontem sobre avaliação geral e tributação do património, defende que esta última não pode ser desligada do rendimento do prédio, real ou presumido. E deve fundamentar-se no princípio do benefício verificável, em que se inclui a protecção à propriedade, que compete ao Estado assegurar.
Como é que o imposto sobre o património deve ser fixado?
O valor de base territorial é determinado pela dimensão do prédio, pela localização e pelos direitos de uso, de construção e de utilização constituídos, sendo neutro em relação ao comportamento do proprietário. O investimento, o bom gosto, a inteligência, a funcionalidade e a qualidade da construção devem ficar de fora.
É mais justo que o IMI?
O valor de base territorial tem uma particular correspondência com a procura de fundamentos e instrumentos para uma política de solos ordenadora do território e reguladora do mercado fundiário. É um conceito de valor lógico e pertinente para ser utilizado em sede de uma tributação fiscal moderna, em que se pretende incentivar a reabilitação e a qualificação arquitectónica do parque edificado.
Quando aparece esse conceito?
Julgo que em 1996, no estudo que de- senvolvi a convite do professor Sousa Franco, na altura ministro das Finanças. E depois noutro estudo que coordenei em 2009, “Tributação do Património e das Grandes Fortunas”, a convite do doutor Carlos Lobo, então secretário de Estado das Finanças. A este nível académico o conceito foi entendido, mas não teve ainda força para passar à prática.
Em que difere da fórmula de tributação do IMI?
No modelo em vigor o conceito de valor fiscal é designado valor patrimonial tributário e o seu cálculo pretende ter como referência o valor de mercado, o que comporta uma irracionalidade sistémica. O valor de mercado só pode ser atribuído aos prédios que efectivamente estão à venda, e portanto nenhum destes valores é apropriado para informar a base de incidência do imposto.
O valor de base territorial é também importante como referência para os agentes de mercado, contribuindo para regular o valor do solo e, nessa medida, também se legitima a sua presunção e adopção como valor fiscal. Se o valor de base territorial se apresenta como um objectivo político a perseguir, já o valor do mercado é determinado por uma relação livre entre a oferta e a procura sobre coisas que estão efectivamente à venda.
O que quer dizer com isso?
Só tem valor de mercado o conjunto de prédios que de boa-fé e sem pressa por parte de quem compra e de quem vende estão disponíveis para ser transaccionados. Aos prédios em utilização, onde habitam as famílias e laboram as empresas, e que não estão à venda, simplesmente não se deve atribuir um valor de mercado. Os próprios avaliadores estão deontologicamente vinculados a não o fazer. Não é correcto extrapolar o eventual valor de mercado de um conjunto parcial de prédios que estão à venda para a globalidade do parque imobiliário.
Mas é essa é a filosofia que está por detrás do IMI...
Claro que está, e é errado. Esse é um dos erros lógicos de todo o sistema. Mas não acontece só em Portugal. Há um claro atraso teórico e de capacidade crítica do direito fiscal e também do urbanismo, que tem desprezado as suas responsabilidades em matéria de economia do território e dos efeitos do planeamento sobre os direitos da propriedade.
Há saídas para a actual situação do IMI?
A configuração de um imposto sobre a tributação do património exige uma consciencialização actualizada das relações da sociedade com o território, e isso não é fácil de alcançar num domínio muito fechado sobre rotinas administrativas e burocráticas. Há resistências naturais à inovação e à racionalidade e um défice de capacidade crítica.
É mais fácil e mais rentável para o Estado funcionar assim?
Seguramente que não é mais rentável, de todos os pontos de vista: harmonia fiscal, coesão social e também o montante da receita. Note-se ainda que o montante da colecta não tem a ver com a base de incidência mas com a taxa fixada sobre ela. O valor fiscal deveria ser indiferente, neutro, em relação ao investimento e ao comportamento do proprietário, no sentido de não penalizar quem investe, qualifica e rentabiliza. Este objectivo seria alcançado com o valor de base territorial.
O valor de base territorial diz apenas respeito ao valor do solo?
Na avaliação imobiliária, um dos critérios a respeitar, seguido pelo modelo alemão, é separar sempre o valor do solo do valor do edificado e das demais benfeitorias realizadas. Isso permite, por exemplo, aplicar o índice de vetustez (a idade do prédio) apenas ao valor do edificado, porque o valor do solo não se desvaloriza com a idade. E, inversamente, permite que o factor de localização apenas se aplique ao valor do solo. O formulário actual do IMI não faz esta diferenciação e comete um erro de racionalidade.
A propriedade está a ser vítima de uma carga fiscal excessiva?
O sistema de planeamento do território fomenta desde 1965 um crescimento cego das urbanizações e construções, alimentado num processo especulativo que originou uma oferta excedentária de lotes e de fogos, que estão devolutos e sem procura. Não se vendem nem proporcionam rendimento e são tributados sem ter isso em conta. Centenas de milhares de pessoas caíram na armadilha da propriedade, vítimas da falta de informação económica, de imprudência urbanística e também, agora, de abuso fiscal.
Qual é a situação do parque imobiliário que não gera rendimento?
São centenas de milhares os lotes em urbanizações inviáveis, que nem sequer se irão iniciar, mas que estão registados na conservatória e nas Finanças e sujeitos a IMI. Nestes casos, o imposto incide sobre uma propriedade virtual. Mas há também lotes vazios em urbanizações acabadas com tipologias que não se vendem. Por fim, temos os edifícios já construídos que também não têm procura porque são excedentários. Os proprietários sentem-se agrilhoados a uma dependência fiscal sem solução à vista. Devia haver uma atenção específica a estas situações, considerando a escala do problema. Esses proprietários nem sequer sabem a quem se queixar, nem quem lhes pode valer. É também neste universo que se encontram os activos sobreavaliados em sede de crédito hipotecário, que se estimam em mais de 80 mil milhões de euros.
O IMI poderia ser um imposto razoável?
A tributação de um prédio é indissociável da sua função social, do seu sentido útil e do perfil de rendimento do seu utilizador. Não referi o proprietário porque este imposto não é analítico. Estes factores, observados ao nível das comunidades locais e da economia real das famílias e das empresas, são determinantes para a fundamentação do montante justo e razoável da colecta. A colecta não pode ser o resultado de uma equação abstracta e de uma aplicação fria de uma taxa ao valor fiscal. O território e o parque imobiliário não podem ser reduzidos a um negócio. Mesmo fiscalmente, tem de se compreender que se está a tratar de necessidades básicas de agregados familiares e de empresas. O imposto sobre o património nunca deve entrar na banda das rendas, sob pena de ferir de morte o direito da propriedade.
O IMI pesa de forma diferente sobre famílias e empresas?
Teoricamente o IMI é um imposto sobre a propriedade em si, ignorando quem a possui. Na prática acaba por não ser bem assim. Quando se introduzem critérios para atribuir isenções introduz-se um carácter analítico a um imposto que não o deve ser. No caso dos prédios que fazem parte dos meios de laboração e de produção de empresas é por demais evidente que não tem sentido estabelecer uma relação directa e proporcional entre o valor patrimonial do prédio e o imposto. Um hotel ou um hospital e outros edifícios que sustentam negócios e serviços são, no seu conjunto, factores de produção equiparáveis a máquinas na indústria e requerem um tratamento especial em sede de tributação fiscal. Sob pena de se estar a penalizar e a desmotivar o investimento produtivo.
É contra as isenções?
As isenções podem funcionar como manobra de distracção de quem está a comprar um imóvel recorrendo ao crédito. O comprador tende a olhar apenas para o encargo mensal e não conta com o IMI e outros encargos que de certo modo se ocultam no acto da compra. Há uma subestimação dos encargos efectivos que estão a ser assumidos.
Há outras situações de injustiça grave?
Veja-se o caso dos senhorios que só tiveram um prazo de três meses em 2003 para declarar as rendas congeladas. Os que não o fizeram podem estar a pagar de IMI mais do que recebem em rendas. Esta situação não é aceitável. A lei nunca deve impor prazos fechados para a declaração da verdade. Nem impedir a sua reposição.
E os processos de reavaliação?
A lei não deve impor custos que desmotivem ou penalizem o cidadão em aceder aos seus direitos. O IMI tem claramente uma vertente de negação do direito à reclamação, com os custos exorbitantes que impõe ao acto reclamatório.
Acha bem a actualização dos prédios urbanos, ignorando praticamente a propriedade rústica?
Creio que estamos perante uma flagrante violação do princípio da igualdade.
Vai haver muitas insolvências devido ao aumento de IMI?
Podíamos ter um IMI aplicado a toda a propriedade, aos cerca de 18 milhões de prédios rústicos e urbanos do país, e proporcionar aos municípios uma receita razoável, justa e estável. O IMT – a SISA que devia ter acabado – mais do que duplicou a receita, o que é um acto de irracionalidade porque afecta a mobilidade das famílias e das empresas e tira fluidez ao mercado imobiliário.
Fonte: iOnline
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