06 fevereiro 2013

A competitividade do licenciamento, bloqueio na economia portuguesa (III)


O caminho para a sustentabilidade distributiva necessita de economia dinâmica, necessita de sociedade pulsando a ritmo constante de iniciativa.

1. O País dispõe de variadíssimas estratégias nacionais: a Estratégia Nacional para a Conservação da Natureza e Biodiversidade, a Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável, a Estratégia Nacional para o Mar, a Estratégia Nacional para a Energia, a Estratégia Nacional para a Qualidade na Saúde, a Estratégia Nacional para a Proteção Social e a Inclusão, a Estratégia Nacional para as Alterações Climáticas, a Estratégia Nacional para a Cibersegurança, a Estratégia Nacional para a Educação e o Desenvolvimento, a Estratégia Nacional para os Efluentes Agropecuários e Agroindustriais, a Estratégia Nacional para a Segurança Rodoviária, a Estratégia Nacional para o Turismo, a Estratégia Nacional para a Gestão Integrada da Zona Costeira… a saber, muitas estratégias. Quando se diz (por aí) que o País não tem estratégias, é suposta a candidatura à elaboração de mais uma estratégia. Bonito.

2. Ocorre, no entanto, que, quando a iniciativa individual ou empresarial, convoca a exigência e oportunidade de um licenciamento (de um quiosque ou de uma marina, de um investimento agrícola ou nos serviços, na indústria ou na reabilitação urbana, na aquicultura ou no turismo) eis senão quando, confundida por tanta estratégia, a Administração Pública, embrulhada em 164 servidões administrativas e restrições de utilidade pública (datadas e fraudulentas), embrulhada em cerca de 50 entidades de tutelas jurídico-administrativas, embrulhada no universo caprichoso que percorre as atitudes e comportamentos de agentes e atores técnicos e políticos, responde à iniciativa de licenciamento com prazos liquidatários (da iniciativa), responde com constrangimentos injustificados, responde com sucessivas e diferenciadas interpretações da lei (que traduz a estratégia), responde com atraso e empobrecimento. E a iniciativa morre ou deslocaliza-se. Ganha a economia patrimonialista de Estado, perde a sociedade aberta, a economia competitiva, a democracia sustentável. Perde a criação de valor, a criação de riqueza, ganha, em dimensão, o universo dos desempregados. Ganha o horror.

3. Melhor seria que tanta estratégia (que só significa a obsessão de cada setor da Administração Pública, em exercício descoordenado e sem integração, por manter poderes injustificados) fosse substituída por uma única estratégia: a dos valores. Melhor seria que, na Administração Pública, onde está facilitismo fosse sublinhada a exigência, onde a vulgaridade fosse substituída por excelência, a moleza da liderança desse lugar à dureza, a golpada fosse substituída por seriedade, o videirismo se substituísse por honra, a ignorância processada pelo conhecimento, a mandriice substituída pelo trabalho, a aldrabice por honestidade, o juridismo obsessivo por rigor crítico e científico.
As estratégias (que não se encontram à mesa da coordenação útil e progressiva) só podem vir a ser úteis à sociedade, à economia, se assentes e fundadas na estratégia central dos valores. As estratégias múltiplas, diversas, podem vir a ser úteis, consequentes, se centradas na maturidade e consenso políticos fundadas em valores. Entretanto, aguarda-se prossecução de licenciamentos – atos que sustentam investimentos em economias e democracias adultas – e aguardam-se passos concretos na reforma deste estado de coisas, deste Estado, que quer sobretudo dizer reforma de procedimentos (no modo de proceder), reforma de atitudes e de comportamentos.

4. As democracias justificam-se porque amigas da reforma e abertas à reforma. Persistir em matrizes rígidas de atuação, persistir nas afirmações determinísticas de pensamentos dogmáticos (setor a setor, estratégia a estratégia) sem abertura à compreensão da realidade, sem abertura à dinâmica da vida, do conhecimento, da progressão em tentativas e erros, em falhas e progressos, é manter o trajeto do empobrecimento, da inimizade à iniciativa, o que quer dizer persistir na caminhada para o desconforto social e enegrecimento político. O País – isto é, o País formal onde se processam as decisões que sustentam o licenciamento das iniciativas – necessita de urgente reforma, mudança e abertura à inovação.
O caminho para a sustentabilidade distributiva necessita de economia dinâmica, necessita de sociedade pulsando a ritmo constante de iniciativa. Com este estado de coisas, com este Estado, tudo é mais penoso, complexo e pobre. Convenhamos que urge, é urgente, a assunção de uma consistente estratégia de valores. Firme e incontornável. Condição garante de desenvolvimento.

Por Carlos Lourenço Fernandes, PG Ciência Política, IEP/UCP, consultor SAER

Fonte: OJE

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