Que impacto tiveram as medidas legislativas para travar os elevados níveis de incumprimento, nomeadamente no crédito à habitação, na evolução registada desde o inicio do ano?
As medidas legislativas adoptadas para travar esses incumprimentos são posteriores ao movimento que a banca foi, preventivamente, adoptando para evitar o aumento dos activos imobiliários indesejáveis que vinham sendo acumulados por esta via. E é a esta atitude da banca que se deve grande parte da inversão que se verifica no movimento de dações de imóveis por parte de particulares. Mais do que à legislação entretanto produzida que, no entanto, é importante no plano da segurança jurídica.
A atitude das instituições financeiras perante as dificuldades das famílias em pagarem os créditos mudou, nos Últimos anos?
Mudou muito e positivamente. Penso que após a divulgação do número de imóveis entregues no primeiro trimestre do ano passado (2.300 imóveis, mais 74% que em igual período de 2011),e depois da mediatização da decisão do Tribunal de Portalegre, o sector financeiro passou a estar mais atento a este fenómeno preocupante. O aumento desses activos indesejados provocou, como se sabe, alguma desvalorização forçada do património construído, num mercado como o nosso onde não existiu unia bolha imobiliário de preços.
O que explica que, ao contrário dos particulares, as dações em pagamento continuem a aumentar para os promotores imobiliários?
Se, por um lado, a banca ficou mais aberta à renegociação de créditos com as famílias, por outro, esta flexibilidade tarda a estender-se a promotores e construtores, o que faz com que muitas propriedades e empreendimentos em sua posse estejam a ser transferidos para as instituições financeiras.
O que explica a atitude diferente por parte da banca?
Neste segmento, o problema reside no cenário de recessão, com perspectivas de crescimento económico débeis, e na falta de confiança existente. Sem uma recuperação séria e visível dos níveis de confiança na economia, sem agendas para o crescimento, sem estabilidade política, o sector financiem teme que clientes de peso, como quase sempre o são os promotores imobiliários, não consigam honrar totalmente os respetivos compromissos, preferindo em caso de indícios claros de incumprimento, garantir algum valor de retomo, antes que a empréstimo se perca na totalidade.
O que poderia ser feito para ajudar a uma inversão desta tendências?
A inversão desta tendência, que também interessa à banca, passa por outras soluções para a chamada crise financeira do euro. Ou seja, pela criação de condições para que as economias voltem a crescer, para que haja confiança nos mercados, para que os investidores voltem a confiar e a ter interesse em investir, mas isto não depende só do sector financeiro nem só dos promotores imobiliários.
PERGUNTAS E RESPOSTAS SOBRE A DAÇÃO
A DAÇÃO EM PAGAMENTO EXTINGUE TODAS AS RESPONSABILIDADES? A entrega da casa ao banco tem sido uma das soluções encontradas pelos portugueses para fazer face às dificuldades em pagar o crédito à habitação. Contudo, muitas vezes a dação em pagamento não representa o fim de todas as responsabilidades do devedor para com a instituição financeira. Isto porque a nova avaliação do imóvel, feita no momento da entrega, pode ser diferente da avaliação efectuada aquando do pedido do empréstimo. Deste modo, o cliente fica ainda com uma dívida remanescente para com o banco, mesmo depois de já não deter o imóvel.
O QUE DIZ A NOVA LEGISLAÇÃO SOBRE A DAÇÃO? O regime extraordinário para devedores do crédito à habitação em situação económica muito difícil. que vai vigorar até 2015, contempla a entrega da casa ao banco como uma das três medidas a seguir para evitar a execução da hipoteca (além da venda do imóvel a um Fundo de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional ou da troca por um imóvel de valor inferior). Mesmo neste caso, a entrega da casa ao banco apenas será suficiente para liquidar a dívida ao banco em duas situações: ou quando a avaliação actual do imóvel somada às prestações já pagas for igual ou superior ao valor do capital do empréstimo inicial, ou quando o valor da avaliação actual do imóvel for igual ou superior ao capital que esteja em dívida. Nos casos em que a entrega da casa não for suficiente, apenas se mantém a dívida relativamente ao capital remanescente, extinguindo-se a divida de juros e comissões. E. neste caso, são aplicadas as mesmas condições do crédito inicial, sendo que o banco não pode exigir garantias adicionais.
A DAÇÃO PODE SER ACORDADA ANTECIPADAMENTE? Também o regime geral do crédito à habitação contemplou alterações no que diz respeito à entrega da casa ao banco. Este novo regime, que entrou em vigor no final do ano passado, permite que em novos contratos de crédito à habitação, a instituição financeira possa acordar com o cliente que, no futuro, a dação em pagamento, ou a venda executiva, após a entrada em incumprimento, liquidem a dívida na totalidade.
O QUE PODE SER FEITO PARA EVITAR A ENTREGA DA CASA? Desde o início do ano, os bancos dispõem de mecanismos para detectar os riscos de entrada em incumprimento (Plano de Acção para o Risco de Incumprimento). E, neste sentido, podem apresentar soluções para que o cliente retome o pagamento do crédito (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento).
Fonte: Entrevista publicada no Negócios de 24 Julho 2013
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