Quem espera receber em herança um contrato de renda antigo, com valores mais baixos, desengane-se: a nova lei das rendas veio dificultar o processo, alerta a Deco.
As alterações à lei do Arrendamento Urbano, efetuadas em 2012, não se refletem apenas na atualização das rendas, que tanta polémica e agitação pública têm provocado. Focados na prioridade de saber que aumentos e o que fazer para os evitar, muitos inquilinos poderão não se ter ainda apercebido de que também há regras novas no que respeita à transmissão de rendas por herança. Ainda assim, durante 2013, o serviço de atendimento da Deco - Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor recebeu 155 pedidos de esclarecimentos sobre este assunto.
Segundo um artigo sobre este tema publicado na edição de janeiro/fevereiro da revista "Dinheiro & Direitos" (editada pela Deco Proteste), as mudanças nesta vertente específica da Lei das Rendas traduziram-se num reforço do poder das uniões de facto e do regime de economia em comum. Todavia, a distinção entre contratos celebrados antes ou depois de 2006 - quando entrou em vigor o Novo Regimento de Arrendamento Urbano (NRAU), considerado o diploma decisivo nesta matéria - é aprofundada em claro desfavor da primeira situação (as rendas mais antigas e de valor mais baixo).
Uma opção que não surpreendeu. "É óbvio que o que tem vindo a suceder, principalmente em relação aos contratos de rendas antigas. é um crescendo nas limitações ao direito de transmissão. Porque, antigamente, tínhamos, e ainda é muito comum existirem, aqueles contratos em que as rendas vão passando do pai para a mãe e desta para o filho, deste para o neto, e parece que aquela família nunca mais vai sair daquela casa", diz Sónia Covita, jurista da Deco Proteste, resumindo: "Embora a maior parte das transformações já estivesse consagrada no NRAU de 2006, com esta última alteração da lei, em 2012, estreitaram-se ainda mais as possibilidades de transmissão destas rendas herdadas".
Menos pessoas a herdar
Desde logo, quem já possuir uma habitação, própria ou arrendada, no mesmo concelho ou, nos casos de Lisboa e do Porto, igualmente nas áreas limítrofes, deixa de poder beneficiar de um direito de transmissão de contrato de arrendamento. Esta medida em particular aplica-se independentemente da data dos contratos.
O que não ilude, porém, o castigo sobre os contratos anteriores a 2006. Como? É que nos contratos anteriores a essa data e à luz da nova lei de arrendamento, a passagem do contrato de arrendamento da casa só pode ser feita uma vez. "Uma diferença de monta face à versão anterior da lei, que previa que a transmissão pudesse ser feita duas a três vezes", lembra a associação de consumidores. A exceção acontece apenas em caso de morte entre a ascendentes.
Por outro lado, foi reduzido o número de pessoas a quem o contrato de arrendamento pode ser deixado de herança. Só é válido para ascendentes em 1º grau (avós ficam excluídos, portanto), os netos ficam de fora, tal como sogros e enteados (para estes últimos há exceções).
O artigo da "Dinheiro & Direitos" realça, também, a limitação da duração dos contratos de arrendamento após a sua transmissão. E dá exemplos concretos: se o inquilino falecido vivia com um ascendente com menos de 65 anos, este pode continuar a habitar a casa, com o mesmo contrato, mas só por mais dois anos; no caso dos menores de idade ou dos estudantes com menos de 26 anos - filhos ou enteados nestas condições são exceções em termos de descendência e podem herdar - têm idêntico período para usufruírem do contrato em causa a partir do momento em que façam 18 anos ou atinjam os 26, respetivamente.
Em contraponto, e ainda no âmbito dos contratos anteriores a. 2006, regista-se "uma maior proteção às pessoas que vivam em união de facto", que atualmente são equiparadas a cônjuges, tendo prioridade sobre os descendentes do arrendatário falecido.
Já os contratos celebrados depois de 28 de junho de 2006 são claramente distintos. Desde logo, não há o período de dois anos de validade após a transmissão dos contratos de arrendamento, podendo prolongar-se no tempo. Por outro lado, o critério de ter vivido mais de um ano em economia comum com o inquilino - critério que não está previsto nos contratos anteriores a 2006 - permite enquadrar uma série de casos, desde descendentes do falecido até parentes afastados. Por exemplo, filhos que ficam em casa para tratarem de um dos progenitores "ou com outra justificação socialmente atendível", mas também aqueles que, desempregados e com dificuldades em manter residência própria (adquirida ou arrendada) por causa da conjuntura económica de crise, acabam por voltar a viver em casa dos pais. Nos contratos anteriores a 2006, só é possível transmissão a descendentes quando filhos e enteados estão nas poucas condições de exceção previstas.
A data posterior à entrada em vigor do NRAU também diminui a exigência de dois anos de vida em comum para apenas um a quem vivesse com o anterior arrendatário em união de facto. O mesmo se passa em relação a quem tenha vivido em economia comum (antes das alterações de 2012 eram precisos dois anos).
Em conclusão: o que conta não é a realidade familiar, mas sim uma data específica e divisora, o caso que leva a "Dinheiro & Direitos" a falar em "situação particularmente injusta". A jurista Sónia Covita lembra, ainda, que, hoje em dia, as rendas herdadas já não são assim tão aliciantes porque muitas já foram atualizadas, minimamente, pelo menos. "Já ninguém vai herdar aquelas rendas de €5 ou €6", considera.
O que fazer
Como herdar a renda
Com a nova lei das rendas, a Deco salienta a necessidade premente de o inquilino comunicar ao senhorio o direito à transmissão do contrato de arrendamento do anterior arrendatário. Este procedimento deve ser feito no prazo de três meses a contar do óbito, com cópia dos comprovativos (no caso do cônjuge, certidão de óbito e certidão de casamento ou, no caso de união de facto, certidão de óbito e, por exemplo, declaração fiscal conjunta). Recomenda-se o envio por carta registada com aviso de receção.
Renda antiga
Menos direitos
Quem tem uma renda antiga (anterior a 2006) ficou sujeito a algumas alterações previstas na nova lei do arrendamento em vigor desde novembro de 2012. Assim, e uma vez falecido o arrendatário, apenas o cônjuge pode continuar a arrendar o imóvel em causa ou ainda, entre outras situações, os filhos menores de idade ou enteados (que vivessem com o inquilino há mais de um ano), os filhos adultos com menos de 26 anos e estudantes ou que sejam portadores de deficiência com grau de incapacidade superior a 60%.
Fonte: Expresso
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