Atenta a importância da reabilitação urbana como factor de desenvolvimento das cidades e da economia em Portugal, o actual Governo Constitucional, através do Despacho n.º 14574/2012, de 5 de Novembro, incumbiu a comissão, por si criada, de elaborar um estudo sobre as «Exigências Técnicas Mínimas para a Reabilitação de Edifícios Antigos». Na esteira desta medida complementar está a intenção de dispensar as obras de reabilitação urbana da sujeição a determinadas normas técnicas aplicáveis à construção em geral.
Com a publicação do Decreto-Lei n.º 53/2014 de 8 de Abril, estabelece-se um regime excepcional aplicável à reabilitação de edifícios ou de fracções, cuja construção tenha sido concluída há, pelo menos, 30 anos ou localizados em áreas de reabilitação urbana.
O regime jurídico da reabilitação urbana consagrado no Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro, alterado pela Lei n.º 32/2012, de 14 de Agosto (doravante “RJRU”) integrou já um conjunto de reformas nos procedimentos administrativos, com vista a agilização, flexibilização e simplificação das operações urbanísticas, em áreas de reabilitação urbanas, assim como de edifícios ou fracções, ainda que localizados fora de áreas de reabilitação urbana, cuja construção tenha sido concluída há pelo menos 30 anos e em que se justifique uma intervenção de reabilitação destinada a conferir-lhes adequadas características de desempenho e de segurança.
No entanto, o regime aí estabelecido para a “protecção do existente”, no âmbito do qual se permite a não observância de determinadas normas legais ou regulamentares supervenientes à construção originária não passou apenas de uma transferência de responsabilidades para o técnico autor do projecto de reabilitação, sem que contemplasse todas as necessidades de intervenção no edificado, atento o tipo de construção em causa. Na verdade, através do termo de responsabilidade, aquele deveria assegurar, de forma fundamentada, que a acima referida não observância de determinados preceitos legais não originaria ou agravaria a desconformidade com essas normas, ou permitiria até a melhoria generalizada do estado do imóvel.
Ora, atenta a importância da reabilitação urbana como factor de desenvolvimento das cidades e da economia em Portugal, o actual Governo Constitucional, através do Despacho n.º 14574/2012, de 5 de Novembro, incumbiu a comissão, por si criada, de elaborar um estudo sobre as «Exigências Técnicas Mínimas para a Reabilitação de Edifícios Antigos». Na esteira desta medida complementar está a intenção de dispensar as obras de reabilitação urbana da sujeição a determinadas normas técnicas aplicáveis à construção em geral. Na verdade, a complexidade e exigências de ordem técnica do regime geral da edificação e urbanização sempre foram apontadas pelos técnicos e profissionais do sector como um entrave ao desenvolvimento da reabilitação urbana.
Assim, com a publicação do Decreto-Lei n.º 53/2014 de 8 de Abril, estabelece-se um regime excepcional aplicável à reabilitação de edifícios ou de fracções, cuja construção tenha sido concluída há, pelo menos, 30 anos ou localizados em áreas de reabilitação urbana.
Para este efeito, integram o conceito de operações de reabilitação (cfr. n.º 2, artigo 2º), as obras de (i) conservação, (ii) de alteração, (iii) de reconstrução e (iv) de construção e ampliação, quando condicionadas por determinadas circunstâncias preexistentes; e (v) alterações de utilização.
Neste contexto, o acima referido diploma prevê a dispensa do cumprimento de algumas normas previstas, quer no Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-lei n.º 38 382 de 7 de Agosto de 1951 (“RGEU”)(nota 1), bem como noutros regimes especiais aplicáveis à construção (acessibilidades (nota 2), requisitos acústicos (nota 3), eficiência energética e qualidade térmica, gás e telecomunicações), desde que a operação de reabilitação não origine desconformidades ou um agravamento das existentes ou que contribua para a melhoria das condições de segurança e salubridade existentes (cfr. n.º 1, artigo 2º).
Do exposto resulta naturalmente que o legislador pretende uma melhoria das condições dos edifícios, pelo que nos parece desprovido de conteúdo o disposto no art.º 9 do regime excepcional, ao estipular que: “As intervenções em edifícios existentes não podem diminuir as condições de segurança e de salubridade da edificação nem a segurança estrutural e sísmica do edifício.” De apontar, porém, que este regime tem um âmbito de aplicação restrito, assim como um período de vigência temporário, sem que se tenham apontado quais as razões que determinaram essas duas especificidades do regime.
Na verdade, o regime excepcional é apenas aplicável para edifícios ou fracções que se destinem a ser afectos, total ou predominantemente, ao uso habitacional, sendo que para este efeito, se considera afecto quando, pelo menos, 50% da sua área se destine a habitação e a usos complementares, designadamente estacionamento, arrecadação ou usos sociais.
Compreende-se que o principal objectivo da reabilitação urbana prende-se com o regresso das populações aos centros históricos das cidades e que se encontram maioritariamente votados ao abandono. No entanto, a promoção da reabilitação tem sido apregoada como sendo de implementar, de forma integrada, uma vez se impõe que a reabilitação do edificado seja orientada para o uso habitacional, sem descurar da oferta de serviços que tem que estar associada a essa reabilitação.
Assim, é de certa forma incompreensível que para um edifício, constituído em propriedade horizontal, para determinada fracção, destinada à habitação se aplique um regime e, por exemplo, para uma fracção, sita no mesmo prédio, destinada a comércio os requisitos sejam distintos. Aliás, esse tratamento distinto poderá gerar determinados entraves à reabilitação, na medida em que alguns dos requisitos de cumprimento dispensável, à luz do novo regime, dizem respeito a aspectos da construção transversais a todo um edifício e não individualizável por fracção.
Com vista a salvaguardar esses entraves, o regime excepcional prevê que, sem prejuízo da dispensa dos requisitos do RJUE, pode-se fazer a alteração de parte de edifício ou de fracção autónoma de uso habitacional para uso não habitacional, sem que se altere o uso predominantemente habitacional do edifício, mantendo-se o pé-direito preexistente.
Por outro lado não se compreende o preceito relativo à dispensa de aplicação dos requisitos acústicos, o qual refere que a dispensa do cumprimento destes não se aplica às operações urbanísticas que tenham por objecto partes de edifício ou fracções autónomas destinados a usos não habitacionais. Ora, se o âmbito de aplicação do regime excepcional é restrito às operações reabilitação de edifícios ou de fracções, cuja construção tenha sido concluída há pelo menos 30 anos ou localizados em áreas de reabilitação urbana, sempre que se destinem a ser afectos total ou predominantemente ao uso habitacional, não se vislumbra o alcance daquela excepção.
Outro paradoxo do regime instituído é o prazo de vigência do mesmo. Aparentemente, apenas poderão usufruir da não observância de determinados requisitos/regimes aplicáveis à construção, os agentes que se envolvam numa operação de reabilitação urbana aqui prevista, nos próximos sete anos (nota 4).
Prevê-se que o regime se aplique aos procedimentos de controlo prévio das operações urbanísticas de reabilitação de edifícios ou fracções à data da sua entrada em vigor, bem como aos pendentes à data da cessação da vigência do mesmo. Se estivermos perante uma operação urbanística de reabilitação urbana isenta de controlo prévio, o regime excepcional aplica-se ainda às obras pendentes à data da cessação de vigência do mesmo. Desta forma, alarga-se, de certa forma, o período de vigência acima referido.
O normativo que regula o período de vigência determina ainda que as operações realizadas ao abrigo do presente regime não são afectadas pela cessação da vigência do referido decreto-lei, enquanto os edifícios ou fracções mantiverem um uso predominantemente habitacional.
Ora, tal período de vigência apenas encontra respaldo numa medida de incentivo às operações de reabilitação urbana para os próximos anos, uma vez que outra justificação não se retira para a fixação de um período de vigência relativo a um regime que se reporta a exigências técnicas mínimas.
Resulta assim que o novo regime excepcional e temporário vem aprofundar o regime da protecção do existente, previsto no artigo 51º do RJRU, por um lado especificando quais os requisitos que passam a ser dispensáveis de observar, por outro, no entanto, restringindo apenas esse regime a edifícios e fracções para uso predominantemente habitacional.
De todo o modo, os técnicos autores dos projectos mantém-se como os maiores protagonistas de toda a teia, na medida em que é a estes que caberá sempre identificar quais os requisitos passíveis de serem dispensados, responsabilizando-se por essa interpretação e fundamentação com a entrega do termo de responsabilidade. Acaba apenas por tornar mais salvaguardada a identificação dos requisitos passíveis de dispensa, uma vez que estes passaram a estar especificamente elencados.
Notas:
1 Artigos 45º a 52º e 59º a 70º, 71º (sem prejuízo da existência de um vão em cada compartimento de habitação), 72º, 73º, 75º a 80º, 84º a 88º e 97º do RJEU.
2 Decreto-Lei n.º 163/2006, de 8 de Agosto.
3 Decreto-lei n.º 129/2002, de 11 de Maio, na sua versão actualizada pelo Decreto-Lei n.º 96/2008, de 9 de Junho.
4 Uma vez que o diploma foi publicado no dia 8 de Abril de 2014 e o mesmo prevê que a sua entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, o regime excepcional vigorará até ao dia 9 de Abril de 2021.
Por Mariana Guedes da Costa, advogada na Abreu Advogados
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