20 novembro 2014

Nem tudo o que luz é 'gold'



O retorno de programas como o português é dos mais difíceis de perceber, nota um reputado ‘think tank’. Já os riscos potenciais, de reputação e morais, são fáceis de ver.
O fenómeno dos vistos ‘gold'? Um clássico do nosso tempo. Os programas de venda de cidadania ou de residência existem há pelo menos três décadas, mas a expansão recente deste tipo de negócio oferece um retrato do mundo em 2014: países tipicamente desenvolvidos e estagnados tentam atrair a cada vez maior classe alta de países emergentes, que procura estabilidade política, vantagens fiscais e mobilidade no espaço Schengen. ‘Money talks'. 

Todos os programas desta natureza têm problemas mais ou menos fáceis de ver. O estudo "Selling Visas and Citizenship", do MPI - Migration Policy Institute, uma referência na área, nota um problema comum: o retorno económico é duvidoso ou muitas vezes difícil de avaliar. 

Entre os que têm retorno mais duvidoso, argumenta o MPI (e subscreve este colunista), estão aqueles em que a compra de imobiliário oferece o visto. Portugal (500 mil euros), Espanha (500 mil euros), Grécia (250 mil euros) e Letónia (250 mil euros) são exemplos deste tipo de programa, que têm em comum serem países periféricos da Europa e com crises profundas na construção e imobiliário. 

A ajuda ao mercado "premium" de imobiliário é uma vantagem de valor muito relativo. O impacto destes vistos em construção nova não parece significativo (nem a construção é um sector a privilegiar no "novo" Portugal pós-troika). Os residentes poderiam gerar uma maior base fiscal, mas muitos mal põem cá os pés. E os milhões que entram - e que "ficam na economia" (ficam?) - esbarram na falta de projectos para financiar pela banca (que não tem falta de crédito para conceder, mas falta de clientes solventes e viáveis).

Mesmo outros programas mais benignos têm outros problemas passíveis de gerar resultados decepcionantes. Países que exigem investimento que crie emprego (como Áustria, Estados Unidos ou Holanda) podem receber investimento em áreas que não privilegiam (um mal menor) ou ver o comprador ‘gold' recuar nos projectos pouco tempo depois (um mal maior), exemplifica o MPI. Países como Malta, em que o Estado vende a cidadania em "cash" - 500 mil euros canalizados para um fundo público - poderiam ter um benefício directo mais fácil de controlar, embora esteja dependente da boa gestão pública. 

Mas os problemas não ficam por aqui. Em primeiro lugar, há o risco potencial que estes programas acarretam para a reputação dos países. Não é preciso ser vidente para antever o risco de uma falha no processo de selecção, que leve à concessão de visto a um membro de uma máfia - ou descobrir, como em Portugal o trabalho do Ministério Público alega, que a burocracia local anda a extorquir estrangeiros (imobiliário e vistos de residência é uma mistura que tem muito para correr mal, tal como os vistos malteses pagos em dinheiro). O dano de reputação que o país sofre no exterior é difícil de calcular - e terá de ser deduzido aos já duvidosos resultados económicos.

Por fim, e não menos importante: a venda de cidadania - ou mesmo de um direito de residência que oferece outros direitos na Europa - é uma ideia questionável do ponto de vista moral. O caso de Malta - em que a venda não é disfarçada - levou o Parlamento Europeu a passar uma resolução definindo que estes direitos não são um "bem transaccionável", nem devem estar sujeitos a um preço. É um argumento fácil de compreender. 

Por tudo isto, discordo da defesa que o Governo faz do mal desenhado e mal executado programa de vistos ‘gold' - uma defesa que não se dá ao trabalho de detalhar o impacto económico de um programa que já causou danos graves (dizer "recebemos mil milhões" não chega). 

Na hipótese mais tolerante - que aceita o preço moral e demais riscos, reconhecendo que a atracção de investimento em Portugal é uma prioridade - devemos exigir alterações profundas nas condições de atribuição destes vistos, canalizando o dinheiro para investimento que crie mais valor e emprego. Tudo o resto é uma fonte potencial de problemas políticos, judiciais e morais - com pouco ou nada em troca no plano financeiro.

Fonte: Económico

0 comentários:

Enviar um comentário

Obrigado pelo seu comentário.