A maioria dos devedores tem pelo menos dois anos de rendas em atraso. Novas regras agravam a situação. São cada vez mais os finais do mês em que os agregados a residir em habitações de propriedade municipal em Lisboa ficam sem capacidade para pagar a renda da casa. Segundo o Relatório e Contas de 2014 da Gebalis (empresa municipal que gere cerca de 23 mil fogos da Câmara), o valor em dívida no ano passado ascendeu a 6,7 milhões de euros. Ou seja, 35,8% do que devia ter sido arrecadado, uns 18,8 milhões de euros.
Segundo o gabinete da vereadora Paula Marques, que tutela a Gebalis, “a maioria dos agregados com dívida de rendas deve pelo menos dois anos”. A autarquia não revela, contudo, o número de famílias devedoras.
O fenómeno já vem de trás, mas registou forte subida no ano passado. Se em 2013 as rendas por pagar foram um quarto do total (25,7%, correspondendo a €5,2 milhões), o que já era um acréscimo sensível face ao ano anterior (€4,2 milhões, ou 20,9%), em 2014 as falhas no pagamento dispararam, superando um terço do total.
Nem todo o valor em dívida fica por liquidar. Uma parte é recuperada mais tarde. Desde 2008 até ao final de 2014 foram resgatados €2,9 milhões de dívida. O valor absoluto parece expressivo, mas é apenas urna pequena parcela do cômputo das rendas em atraso nesse período, cifrado em €30,2 milhões.
Desde a criação da Gebalis, em 1995, o valor acumulado das dívidas é €36,8 milhões. As contas da empresa foram aprovadas pelo executivo autárquico no dia 30 de abril. Em 66 bairros sob administração da Gebalis, vivem cerca de 64 mil pessoas.
Ainda podia ser pior
Os números refletem a realidade social e económica do país e da cidade, mas poderiam ser piores se não tivessem sido adotadas medidas mitigadoras. Trata-se da redução da renda em agregados afetados por uma diminuição de rendimentos, em muitos casos pelo desemprego.
No documento que aprova as contas lê-se que "desde 2008 a 2014 as reduções de rendas situaram-se nos €12,6 milhões", tendo no ano passado esse valor sido de €3,2 milhões. Para enquadrar este "máximo histórico", como lhe chama, a Gebalis escreve: "A manutenção das medidas de austeridade que afetam o país, os salários baixos, os cortes salariais e das pensões, aliados à aplicação da nova tabela de IRS [tudo isto] traduziu-se numa diminuição do rendimento disponível das famílias. Acresce que se manteve a redução dos benefícios sociais e a taxa de desemprego não diminui".
Quem conhece bem a realidade no terreno não estranha a dimensão das coisas. Para Sérgio Aires, diretor do Observatório da Luta contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, "são números significativos, mas não é algo específico dos bairros sociais nem de Lisboa. Tudo resulta do endividamento das famílias". Para enfrentar o problema, o sociólogo defende "um melhor conhecimento das pessoas que vivem nos bairros. Depois, deve apostar-se no desenvolvimento de experiências associativas".
Sérgio Aires aponta, no entanto, para uma causa particular: "A Gebalis tem procedido à verificação da situação atual, o que fez aumentar certas rendas, pois algumas assentavam em cálculos dos anos 80". A autarquia esclarece que há um novo valor tanto nos casos de "rendimentos superiores como inferiores aos declarados anteriormente".
Elisete Andrade, presidente da associação de moradores do bairro do Padre Cruz, em Carnide, diz que as famílias em situação de incumprimento "estão a aumentar". Aquela professora, já reformada, conhece por dentro e por fora casos de quem se vê sem meios para pagar a renda e vive, por vezes, já com a água e a luz cortadas, no terror de ser alvo de um despejo. "Já tem havido alguns, o que deixa as pessoas assustadas. E não há mais porque a Gebalis tem sido compreensiva", diz.
Uma situação, descrita por Elisete Andrade, que é retrato do "desespero" que muitos vivem: "Há pessoas, em famílias mais desestruturadas, que pedem empréstimos à Cofidis e à Cetelem para pagar a dívida da renda da casa, e assim não irem para a rua".
"As características socioeconómicas da população residente nos bairros municipais refletem em muitos casos uma fragilidade agudizada nos últimos anos", afirma Paula Marques. Com base nos dados do primeiro trimestre de 2015, a autarquia informa que "o número de agregados devedores não sofreu oscilações em relação a 2014". No entanto, conclui a vereadora: "Os indicadores de desemprego em Portugal não refletem qualquer tendência de recuperação, pelo que encaramos a situação com natural preocupação".
Fonte: Expresso
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