É mais uma das propostas do PS que o Governo rejeita: usar verbas da Segurança Social para criar um mercado de habitação a preços acessíveis. Foi dos sectores mais devastados pela crise: os números oficiais apontam para que 260 mil postos de trabalho tenham sido destruídos nos últimos anos só na construção civil. E é uma das áreas que o PS considera fundamentais ressuscitar com vista à criação de emprego.
Nem são necessárias “grandes obras”, tranquiliza António Costa. Bastaria apostar na criação de um mercado de habitação acessível à classe média, através da reabilitação urbana. Com que dinheiro? Os economistas a quem o líder socialista encomendou a elaboração de um cenário macroeconómico respondem: com os 10% do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) que a lei prevê que possam ser usados para investir em ativos imobiliários.
O Governo desconfia: “A política de investimento do fundo foi sempre a de ser um instrumento de gestão da dívida pública. O princípio devia ser o de rentabilizar. É altamente questionável que se consiga obter retornos sem risco, ou com risco baixo, usando uma fatia tão grande para promover reabilitação urbana”, diz ao Expresso Jorge Bravo, um dos economistas que estão a colaborar na elaboração do programa eleitoral da coligação PSD/CDS. O economista interpreta a proposta socialista a outra luz: “Esta política beneficia construtores civis, proprietários, câmaras. Parece-me uma estratégia de tentar fazer obra pública mas com verbas do FEFSS”.
Um T3 no centro de Lisboa por 500 euros
Não é a justificação dos socialistas: “O paradigma do acesso à habitação mudou radicalmente, depois de décadas de congelamento das rendas e de crédito fácil. Isso não vai voltar a acontecer. Pelo que o acesso à habitação vai exigir políticas públicas”, explicou António Costa, na quarta-feira, numa sessão de esclarecimento em Lisboa sobre a sustentabilidade da segurança social. “É uma oportunidade três em um”, resumiu o secretário-geral socialista: “Em vez de aplicar o dinheiro do fundo na aquisição de dívida pública, apostamos em prédios de rendimento, criamos um mercado de habitação acessível e financiamos a Segurança Social (pela criação de emprego)”.
Convidado, na mesma sessão de esclarecimento, a detalhar a proposta socialista, o vereador com o pelouro do Urbanismo na Câmara de Lisboa, Manuel Salgado, argumentou que o facto de se poder recorrer ao FEFSS (que exige uma taxa de remuneração abaixo das praticadas no mercado, na ordem dos 3,5%) permitirá rendas “de valores surpreendentes”: para habitações no centro da cidade: “350 euros por um T1; 380 por um T2; 500 por um T3″. Com valores destes, “seria possível alargar o leque de habitações disponíveis, fixar gente na cidade, diminuir o peso do custo da habitação na despesa familiar”.
Mas a solução não agrada aos partidos do Governo: “Pergunto-me se o princípio da prudência na boa gestão do património aconselha a que se faça este tipo de aplicação”, contesta Jorge Bravo. “Eu tenho sérias dúvidas. O risco é demasiado elevado”.
São naturalmente pontos de vista e opções políticas opostos e, por natureza, neste momento de separação pré- -eleitoral das águas, inconciliáveis. Certo é que ambos falham em encarar um problema anterior ao do uso correto que deve ser dado ao FEFSS: é que 90% dos ativos do fundo são dívida pública (ou seja, o Estado deve a si próprio). O que é o mesmo que dizer que o fundo já quase não existe.
Fonte: Expresso
0 comentários:
Enviar um comentário
Obrigado pelo seu comentário.