28 novembro 2015

A moda das casas para turistas


Moscavide e Infantado. Ambas no concelho de Loures, estas localizações não aparecem nos guias de turismo. Mas foram as escolhidas por Adelaide Cruz, 41 anos, para disponibilizar alojamento local. Começou há uns meses na urbanização próxima da A8, às portas da capital, onde tem um apartamento para oito pessoas. Em outubro estreou-se na área próxima do Parque das Nações, ao lado da estação de comboios, onde comprou uma cave com um pequeno espaço exterior.


«Bati o mercado imobiliário de Moscavide durante meses. Quis mesmo vir para esta zona. Achava que tinha todas as potencialidades de conseguir alugar bem», conta ao SOL. Adepta de ceder o sofá de casa a estrangeiros (couchsurfing), Adelaide, licenciada em gestão hoteleira e a trabalhar numa empresa de vinhos, sabe que os seus apartamentos têm uma localização improvável para alojamento local. Cerca de 70% dos imóveis neste regime estão na praia - só o Algarve reúne 50% da oferta - e é nos centros históricos de Lisboa e do Porto que mais tem crescido. Mas acredita que esse é um motivo do sucesso. 

Acolhe viajantes em lazer e quem se desloca em negócios - sobretudo em Moscavide, dada a proximidade da Feira Internacional de Lisboa. Muitos são portugueses, que elegem a zona de Loures para ficarem mais perto de familiares e amigos que moram por ali. Não lhe têm faltado clientes. O apartamento do Infantado tem marcações até à véspera de Natal. E já há reservas para maio. 

Nova lei: 59 registos por dia

Como consegue atrair clientes? Se for preciso, disponibiliza-se para ir buscá-los ao aeroporto gratuitamente, e às vezes oferece-lhes um jantar em sua casa, com o resto da família, para mostrar como são os hábitos genuinamente portugueses. No check in oferece-lhes um espumante nacional e uma toalha de mãos com motivos típicos. «É uma recordação». A simpatia e o bem receber são a alma deste negócio, que vive de bons comentários nas plataformas de reservas. Para isso, há proprietários que oferecem produtos típicos, que têm parcerias com empresas de transportes ou que preparam roteiros turísticos com dicas. 

«Eu e o meu marido comprámos o apartamento em Moscavide porque ficámos surpreendidos com o desempenho do alojamento no Infantado». 

Há precisamente um ano entrou em vigor a nova lei do alojamento local - para tentar trazer para a legalidade as chamadas `camas paralelas'. E, desde 27 de novembro de 2014, foram registados mais de 11 mil imóveis, entre apartamentos (a maioria da oferta), moradias ou quartos. 

Desde 2008, quando surgiu a primeira legislação nesta área, até essa data contabilizavam-se 9.700 registos, segundo a Associação do Alojamento em Portugal (ALEP). Só no último ano, o Ministério da Economia aponta para uma «média de cerca de 59 registos de alojamentos locais por dia». Mas ressalva que o número atual, que ultrapassa os 21 mil, inclui os imóveis que migraram do sistema anterior para o que se iniciou em 2014, os que já operavam na clandestinidade e que entretanto se legalizaram e a nova oferta que entrou no mercado. O SOL questionou o Ministério das Finanças para saber quanto representou em impostos a maior legalização, mas não obteve resposta. 

Proprietários que querem rentabilizar segundas habitações, portugueses que emigraram para o estrangeiro e pretendem tirar dividendos dos imóveis que deixaram vazios, estrangeiros que investiram em casas de férias em Portugal e que só usam periodicamente e até investidores do visto gold estão entre os novos intervenientes desta área. «Ouve-se muito falar em alojamento local, mas não é a árvore das patacas. Ganha-se dinheiro, mas também dá muito trabalho. Fica-se sem vida pessoal porque estamos dependentes das horários que temos de receber os hóspedes. E há que coordenar limpezas, lavagens de roupas, além de ter muitas despesas associadas», resume Adelaide. Ainda assim, acredita que, a manter-se o ritmo, «daqui a uns tempos» talvez seja possível ganhar o equivalente a um salário.

Sebastião e Ana Rafael - Equilibrar o orçamento familiar 

Ana Rafael deixa o mesmo alerta. Em janeiro, a designer de moda, que dirige uma empresa em Castelo Branco, decidiu deixar de arrendar a moradia de família que tem em Alvalade, Lisboa. Aderiu ao alojamento local. 

Divorciada, acredita que conseguirá mais rendimentos do que com o normal arrendamento urbano, angariando mais verbas para a educação dos dois filhos. Mas só fará as contas no final deste ano.

Cálculos de somar e subtrair 

Ao que ganhar terá de tirar custos com a limpeza da casa, as comissões dos sites onde se promove, os impostos e o tempo gasto a tratar das reservas, a responder a pedidos de informação e a comentários dos hóspedes, a cumprir as exigências burocráticas deste ramo ou a fazer o check in dos hóspedes. Mesmo que esta tarefa seja assegurada pelo filho mais velho, Sebastião, 22 anos e estudante universitário, que mora no piso inferior da moradia arrendada. 

«Quando arrendava a casa, sabia que no final do mês recebia 900 euros seguros e sem ter mais despesa nenhuma», já que cabia aos inquilinos pagar as contas. «No alojamento local, num mês posso receber 2.000 euros, como aconteceu em julho e agosto, mas ninguém me garante que vou faturar», analisa. Além das variações de preços consoante a época baixa e alta, 

Na sua opinião, este é um negócio como outro qualquer. «Como abrir um restaurante». Representa uma oportunidade, mas exige dedicação. Horas de almoço e sábados são passados ao computador. Está sempre atenta ao telemóvel, para responder na hora a qualquer contacto. «Na época alta gasto pelo menos duas horas por dia a tratar do alojamento local. Não é um hobby. É um segundo trabalho». 

Na sua moradia, tem recebido sobretudo famílias - destacam-se as francesas -, pequenos grupos e turistas holandeses, alemães, russos ou chineses. Mas também homens de negócios, investigadores e professores que querem estar perto do Técnico e da Gulbenkian. 

«Na época alta, fiquei com a sensação que se tivesse mais dez casas para arrendar, conseguia. Na época baixa não. Em novembro tive uma quebra de 90% na ocupação», indica Ana, que também tem um bacharelato em gestão hoteleira, justificando a descida com a sazonalidade e não com excesso de oferta que possa estar a surgir em Lisboa.

Luís Dinis - Gerir imóveis a tempo inteiro 

Luís Dinis, 50 anos, explora nove apartamentos em Lisboa, entre a Bica e o Rato. Um é seu e os outros arrenda para depois ceder a turistas. Aos 45 anos, perdeu o emprego que tinha no ramo automóvel. Depois passou algum tempo corno consultor imobiliário, mas acabaria por dedicar-se a tempo inteiro ao alojamento local. 

Em 2011, começou com uma casa que comprou com poupanças, dinheiro da indemnização e empréstimo bancário. Depois adquiriu outra, que já vendeu. Hoje vive desta atividade. Mas faz avisos. «No inverno, mesmo em Lisboa, não ganho dinheiro. A minha aflição é ver se não perco», realça. O seu principal público são famílias e pequenos grupos de várias nacionalidades. Mas nesta época só tem reservas para os fins de semana. Más experiências? Tirando um ou outro barulho queixas dos vizinhos por fora de horas, nunca teve problemas com os hóspedes. 

Também há quem desista 
«Não sei se já há excesso de oferta ou não. Mas se não há, está quase a haver. Este ano, na época baixa, sinto uma quebra enorme nas estadias. Está a ser o pior inverno de todos até agora. Tem a ver com a quantidade de oferta, quer no alojamento local, quer na hotelaria, até porque continua a haver imenso turismo». E atira que os arrendamentos ilegais - que são alvo de queixas frequentes dos hoteleiros - também são concorrência desleal para os alojamentos locais que já estão registados. 

Ainda assim, Luís Dinis não faz parte do perfil mais comum de quem explora este negócio. São maioritariamente particulares, que gerem pessoalmente o seu imóvel. Cerca de 92 % têm uma ou duas propriedades. Mas há quem tenha mais de dez (0,8%) e até mais de 20 (0,2 %). É por isso que, apesar de haver mais de 21 mil alojamentos registados, a ALEP indica que há apenas 12 mil proprietários dedicados a esta atividade. Com uma visão mais empresarial, também estão a aumentar os gestores que tratam dos imóveis de terceiros e as empresas especializadas nesta operação, que trabalham sobretudo para quem está fora, representando 16% do total de proprietários. 

Segundo a ALEP, também já houve quem desistisse do alojamento local. No último ano foram cancelados 2.000 registos.

Fonte: SOL

0 comentários:

Enviar um comentário

Obrigado pelo seu comentário.