23 novembro 2015

Porto: Baixa atrai gente nova mas é lenta a mudança


Quem se movimenta na Baixa do Porto fica com a perceção de que esta zona da cidade tem mais residentes. Há, de facto, novos moradores, o que não há é números oficiais e sistematizados que permitam confirmar aquilo que é, sem dúvida, tendência. A procura por casa no coração da cidade aumentou e, ao que tudo indica, continuará a aumentar, mas acontece a um ritmo mais lento do que aquele que se poderia imaginar.


Os números que o Instituto Nacional de Estatística divulga nesta altura são estimativas provisórias relativas à cidade no seu todo e até apontam no sentido contrário ao do crescimento - de 233.061 habitantes em 2011, o Porto passou a ter 218.231 residentes em 2014. Soma-se o facto de a União de Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória, ter perdido quase meio milhar de alunos em quatro anos.

O JN inquiriu a Câmara do Porto sobre o licenciamento de obras para habitação, avenças de estacionamento para moradores e novos clientes da Águas do Porto desde 2011. A autarquia não disponibilizou ainda a informação pelo facto de os dados requeridos serem, diz fonte oficial, sistematizados e processados "anualmente", sublinhando que "o fornecimento, em novembro, de números do presente ano" podia "provocar desvios importantes".

Há ainda a questão de haver não uma, mas várias baixas na cidade, como apontam Diogo e Andreia, o jovem casal que fugiu da Rua de Trás para a Rua de Gonçalo Cristóvão à procura de sossego e de identidade.

Fugiram aos turistas

Diogo Aguiar e Andreia Garcia, 32 e 30 anos, arquitetos. Vivem na Baixa há quatro anos. Ele é portuense e estava de regresso de um hiato de dois anos em Lisboa, ela é de Guimarães, não lhe faltava mundo mas nunca tinha vivido no Porto. A Baixa foi a sua primeira escolha. Um apartamento com 50 metros quadrados, num prédio recém-renovado, na Rua de Trás. Há um ano mudaram-se para um T3 num 16.º andar da Rua de Gonçalo Cristóvão. Ambas as moradas arrendadas.

"Saímos de casa e tínhamos logo ali os autocarros turísticos. No café do costume, começámos a ouvir falar inglês. Houve uma mudança bruta", conta Andreia. Diogo acrescenta: "Inicialmente, se víssemos um autocarro por dia era muito, depois o número foi aumentando até vermos aquela barreira sempre ali. Quem diz isso diz a fila para a Lello". "Eu ia lá buscar livros que tinha encomendado até que um dia nos avisaram que não podíamos fotografar, como se fossemos turistas. Deixou de ser a nossa livraria", recorda Andreia.

Diogo ia a pé para o trabalho, mas Andreia, cuja vida profissional se faz entre Braga e Lisboa, precisava de sair de carro. Era uma dor de cabeça encontrar estacionamento quando regressava. "Ir ao cinema à sexta ou ao sábado à noite era um programa proibido" e ir ao hipermercado uma aventura. Pela mesma razão. "E quando deixas de te deitar às 8 horas de sábado para sair às 9 horas de casa encontras uma cidade de ressaca", relata o arquiteto, admitindo que a "tendência é falar do que era mau" mas que também havia coisas boas, como "o jardim das Virtudes" ou "as feirinhas".

Diogo sublinha, no entanto, que os apartamentos que vão surgindo "naquela" Baixa "são direcionados para estudantes e jovens casais, mas não para jovens famílias" e que esse é um problema com o qual a cidade vai ser confrontada um dia.

Hoje, a planear casório, moram num apartamento com o dobro da área, garagem, vistas desafogadas e luz, muita luz, como não tinham na Rua de Trás, e estão perto da cobertura ajardinada da estação de metro da Trindade, onde passeiam a cadela Panda.

Está tudo ali à mão

Ele é veterinário, ela é enfermeira. Miguel Morais e Tânia Leiras, 31 e 32 anos, namoram há 11. Têm mais do que um emprego. Viver perto de tudo e ter transportes públicos à porta são prós que pesaram na decisão de comprar um T2 "de sonho" na Praça da República há quatro anos e meio. "Estamos perto de todos os serviços. A Tânia vai de metro para o hospital e eu desloco-me de bicicleta para todo o lado. Não tenho carta", conta Miguel, que antes da mudança vivia nas Antas, com os pais.

Pagaram um bocadinho mais do que pagariam por uma casa "nos arredores da cidade", mas a aquisição está a revelar-se um bom investimento. "Hoje oferecem-nos mais do que aquilo que nós demos", conta o veterinário, que trabalha com cães e gatos mas está a montar uma clínica só de aves exóticas.

Miguel reconhece que a zona, hoje de passagem para quem vai para a movida, mudou um bocadinho, mas isso não o incomoda. "É ótimo estarmos aqui perto da noite. Toda a gente vem aqui ter. Estacionam aqui perto e vão a pé".

Já Tânia, que várias vezes se insurgiu contra o ruído numa zona residencial, é mais crítica. "É muito prático viver aqui e a cidade é linda, mas é de turista. Quando saio à rua tenho a sensação de que estou de férias numa qualquer cidade europeia". A Invicta está a perder "sentido de bairro", diz a enfermeira que viveu sempre na "periferia" e agora na Baixa faz questão de saber o nome da senhora da peixaria ou do senhor da mercearia.

O casal já equacionou vender, mas a "paixão pela casa", com vista para as copas das tílias na Praça da República, fê-los ficar. De vez em quando, é abatida uma árvore no jardim e Tânia chora "dois ou três dias".

Oferta cultural influenciou

Inês Faria, 32 anos, e José Teixeira, 34, viviam em Braga antes de se mudarem, há dois meses, para a Baixa do Porto. Ela é designer gráfica, ele administrativo. Arranjaram emprego na Invicta e a mudança deveu-se a essa circunstância. Com eles veio o filho de três anos. "Sempre quis morar aqui, mas tinha algum receio, por termos o Nicolau", conta Inês. A "Baixa Baixa", que é como quem diz a zona da movida, nunca esteve, por isso, em cima da mesa. "Aqui [um T3 na Rua Fonseca Cardoso, a caminho da VCI], estávamos perto, se quiséssemos sair à noite ou ir ao supermercado, mas sem o barulho. E por norma temos estacionamento na rua", justifica.

Inês é da Maia e "Zé" do Marco de Canaveses, embora estivesse há 15 anos em Braga. Quando viviam na "Cidade dos Arcebispos", os fins de semana eram para visitar a família dela na Maia. "Agora aproveitamos o que o Porto tem para oferecer. Já fomos ver [as exposições] "O Mundo dos Dinossauros" e "Mitos & Monstros"", conta a designer gráfica, que também frequenta o Parque do Covelo com a família.

"Quando foram os concertos nos Aliados também fomos", acrescenta, para contar que a oferta cultural também pesou na decisão. Inês só pega no carro para chegar mais rápido ao infantário do filho e aproveita segue para o trabalho. "Zé" vai para o emprego, na Maia, de comboio. "São 20 minutinhos".

Fonte: JN

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