07 fevereiro 2016

Casas voltam a ser negócio


Para milhões de portugueses, a casa é o maior investimento das suas vidas, um compromisso para décadas cujo valor oscila ao sabor da oferta, da procura e do crédito. Os bancos reabriram as torneiras do crédito, os preços dispararam em vários bairros de Lisboa e do Porto, e até o Algarve e algumas cidades históricas do País também sentem uma forte procura, sobretudo por causa dos estrangeiros. Nalguns casos, o dinamismo já está a atingir níveis especulativos e pequenas bolhas começam a surgir nalgumas zonas do País.


A procura de habitações de charme, com história e em locais turísticos, trouxe uma nova dinâmica a alguns bairros históricos das grandes cidades, deixando-as a fervilhar com o frenesim das obras de reabilitação. Noutros casos, são as construções novas, com grandes áreas e localizações privilegiadas, que dispararam a pensar na procura por parte de estrangeiros e das famílias abastadas, que ali procuram as suas residências. O País recupera o fôlego de uma longa crise e a tendência positiva dos últimos dois anos tem vindo a acentuar-se nos últimos meses e deverá manter-se. De tal forma que, entre os agentes imobiliários, há quem aposte na valorização de novas localizações ao longo deste ano. 

Em 2015, as previsões apontam para um crescimento global de 25% nas vendas em todo o País e, para os próximos 12 meses, os agentes imobiliários antecipam uma subida de preços na ordem dos 2,5% para Lisboa e Algarve e de 1% no Porto. Mas esta viragem não é homogénea e, fora destas bolsas de crescimento, mantêm-se os sinais laranja. "O perigo está em cima da mesa. Mas o pior pode não acontecer, caso os bancos comecem a libertar os milhares de casas que têm em mãos", diz Luís Lima, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP). 

Depois de uma tímida recuperação em 2014, o ano que agora terminou trouxe ao negócio da compra e venda de casas uma nova dinâmica. Nas cidades como Lisboa e Porto transacionam-se imóveis que atingem com facilidade os sete dígitos. 

O turismo e os estrangeiros que aqui procuram residência são os grandes impulsionadores de um mercado que, nalguns casos, começa a entrar na fronteira da bolha especulativa e que, dentro de pouco tempo pode vir a rebentar. Enquanto isso, fora destas zonas, o mercado continua quase estagnado e, mesmo com o regresso dos empréstimos para habitação e as taxas de juro em terreno negativo, a compra de casa continua a ser uma miragem para muitas famílias portuguesas. 

Com tantas limitações, o setor não consegue recuperar do enorme travão dos últimos anos e, por isso mesmo, os preços continuam muito baixos. "Os portugueses não estão a acompanhar o ritmo do crescimento do mercado internacional. Fora das bolsas de crescimento em Lisboa e no Porto, o mercado doméstico vive do crédito para habitação. Em 2015, sentiu-se um forte crescimento destes valores, mas estão ainda longe dos níveis de outros tempos. Assistimos a um regresso do mercado de compra e venda, aumentaram os números de transações mas os preços não variaram, pelo que o valor médio por transação baixou", explica Ricardo Sousa, diretor-geral da Century 21.

O FATOR BANCÁRIO

As vendas deverão continuar a subir ao longo deste ano, ainda que de forma menos intensa. "O grande desafio para 2016 é saber qual será a política da banca em relação ao crédito para habitação. É uma incógnita saber quem serão os portugueses elegíveis para estes empréstimos, como vai evoluir a procura internacional. Estou otimista, embora prudente", acrescenta. 

A banca já anunciou que vai reformular a fórmula de cálculo das taxas Euribor a partir de julho, de forma a amenizar os efeitos das taxas de juro negativas. As prestações estão hoje, em média, 20% mais baixas do que há quatro anos, mas nem assim o mercado da classe média recupera em força. 

"2016 pode ser um ano muito bom, sobretudo para o imobiliário associado ao turismo. Nalgumas zonas do País, a procura por parte de investidores estrangeiros é tão forte que os preços têm vindo a disparar. Sobretudo em zonas históricas e do centro de Lisboa e do Porto. São muito valorizados pelos estrangeiros e são difíceis de encontrar de forma tão acessível noutros países", defende Luís Lima. 

A refletir esta tendência, os indicadores de construção e reabilitação voltaram a subir já em 2015. Só no primeiro trimestre do ano passado, por exemplo, o número de construções licenciadas tinha crescido 7,1% em termos homólogos, urna situação que não se verificava há sete anos. 

A par do aumento nestes segmentos, o líder da associação que representa os mediadores imobiliários acredita que a banca irá colocar este ano no mercado os milhares de imóveis que tem em seu poder, em resultado do crédito malparado. A acontecer, esse fenómeno deverá aliviar a pressão inflacionista sobre algumas zonas da cidade e, ao mesmo tempo, provocar maior dinamismo e um equilíbrio neste segmento. Nas periferias, pode trazer novas baixas de preço, adiando uma vez mais quaisquer sinais de recuperação. "O investimento estrangeiro no imobiliário cria muita riqueza, quer através dos novos residentes quer através dos novos negócios de aluguer de casas para turistas. Será sempre bom para o País", acredita Luís Lima. 

Menos sorte continuam a ter os proprietários das casas construídas nas periferias das grandes cidades. Aqui, a tendência deverá ser para uma valorização, mas sempre de forma mais ténue. "Atingimos naquelas zonas o ponto de equilíbrio. Falta apenas resolver o problema de excesso de construção nalguns locais, onde, derivado da crise, existem centenas de casas vazias, muitas delas fechadas há muito tempo e que não chegaram a ser habitadas", diz o responsável da APEMIP. 

No entanto, o presidente desta associação defende uma solução mais radical para estas situações: "Algumas destas casas foram construídas em zonas sem procura. Não haverá outra solução senão implodi-las. E as zonas voltarão a ser locais rurais, o que poderá acontecer ao longo da próxima década".
RISCO MUNDIAL

Mas o risco de uma sobrevalorização nas grandes cidades não é exclusiva de Portugal. Numa recente análise, o departamento de estudos do banco de investimento UBS alerta para o risco iminente de um novo colapso no mercado imobiliário mundial. A cidade de Lisboa está incluída.

Oito anos depois da crise do crédito hipotecário, os bancos estão a alertar para os riscos do rápido crescimento do setor imobiliário, que se sente um pouco por todo o mundo. O relatório da UBS, que inclui o índice de especulação imobiliária, refere que as propriedades nas cidades europeias estão acima do seu valor real, com destaque para Londres, que surge no topo da lista das cidades do mundo com maior risco de colapso desta nova bolha imobiliária. A compra de um apartamento com apenas 60 metros quadrados ultrapassa o orçamento da maior parte das pessoas em todo o mundo. Em cidades corno Londres, Paris, Singapura Nova Iorque ou Tóquio, os preços multiplicaram por dez nos últimos anos. Em Londres, a especulação ganhou uma dimensão que, em diversas análises, se conclui que chega a ser mais barato viver num hotel do que alugar um apartamento. Em termos reais, os preços das casas em Londres estão agora 6% acima dos valores de 2007, no pico da última bolha imobiliária. Na origem desta sobrevalorização incluem-se a enorme procura por parte de estrangeiros e investidores.

No início de dezembro, também o Deutsche Bank alertou para o forte crescimento dos preços no imobiliário, provocados pelas baixas taxas de juro e com as autoridades europeias e japonesas a procurar novas medidas de estímulo ao investimento.

E, tal como em Portugal, o negócio está altamente dependente das compras realizadas pelos estrangeiros. Apesar de Lisboa não surgir na lista das dez cidades com maior risco, a capital tem vindo a registar movimentos de sobrevalorização em determinados pontos, deixando-a exposta aos efeitos de uma nova correção no preço das casas.
ESTRANGEIROS EM FORÇA 

"Existem algumas zonas da cidade onde as casas desaparecem num instante. Do Príncipe Real à Lapa, Chiado, passando pela Estrela, os locais pitorescos estão a ser muito procurados por estrangeiros, sobretudo nórdicos, que apreciam a nossa história e cultura e ainda rentabilizam os investimentos com o aluguer para turistas", explica Nuno Gomes, o maior vendedor da Remax. A par desta "paixão", este profissional do setor explica o fenómeno com os incentivos fiscais que são dados aos investidores estrangeiros. Muitos franceses vieram para cá atrás da redução fiscal sobre as grandes fortunas. Em vez de pagarem 30% como no país de origem, pagam apenas 10 por cento.

No negócio da venda de casas para obtenção dos vistos gold, Portugal começa a ser ultrapassado por Espanha, que apresenta benefícios mais competitivos e não está debaixo do escândalo que abalou este segmento em Portugal, o que fez muitas imobiliárias perderem clientes para o país vizinho ao longo dos últimos meses. No entanto, com a procura em alta e superior à oferta disponível, os tempos são de otimismo nas cidades históricas. Há quem defenda até que cidades como Coimbra, Braga e Guimarães sejam as próximas a beneficiar desta procura pelo património e turismo. Enquanto o mercado de segmento médio continua à espera da recuperação, nos segmentos superiores as vendas fazem-se em alta. Até que o ciclo volte a mudar.

INQUILINOS, MAS DE CURTA DURAÇÃO 
O regresso dos empréstimos para habitação, ainda que em pequenas dimensões, trouxeram, ao longo do último semestre de 2015, uma ligeira inversão do perfil dos imóveis disponíveis. Mesmo sem grande aumento de compradores, muitos proprietários decidiram voltar a colocar os seus imóveis no mercado da compra e venda, retirando-os do arrendamento. Por outro lado, com o aumento do número de turistas em Lisboa e no Porto, muitas destas casas deixaram também de estar no mercado do arrendamento tradicional para integrarem as redes de aluguer de curta duração para turistas. O resultado fez-se sentir de imediato e hoje as casas para arrendar voltam a estar mais caras. "Os bancos já não emprestam dinheiro como antes, mas algumas pessoas voltaram a conseguir comprar casas. E a prestação do banco é muitas vezes mais baixa do que a renda, levando as pessoas a optarem pelo compra", assegura o presidente da APEMIP. Hoje, por exemplo, um apartamento de três assoalhadas no Parque das Nações é alugado por um valor médio de 2 mil euros. A compra da casa pode ficar com uma prestação mensal mais baixa. Nas zonas turísticas é mais vantajoso para os proprietários arrendarem por curtas estadas para turistas. "Mas não dá estabilidade aos donos, é uma opção que pode não ter futuro", alerta Luís Lima. 

Fonte: revista Visão, de 07/01/2016

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