A documentação para a escritura de compra e venda parecia estar em ordem. Os compradores estavam presentes. Os vendedores também. Dentro de poucos minutos a venda de um cobiçado terreno na zona do Estoril seria formalizada num cartório notarial de Lisboa. Avaliada em mais de 1 milhão de euros, a propriedade ia ser vendida por cerca de 800 mil euros. Mas pouco antes de o contrato ser assinado, os inspectores da Polícia Judiciária (PJ) impediram o negócio: para espanto do comprador, o homem que se apresentava como dono do terreno não era o seu verdadeiro proprietário. Era um dos elementos de um grupo desmantelado na semana passada pela secção de burlas da PJ de Lisboa e que se dedicava a vender propriedades, prédios e apartamentos que não lhe pertenciam. Ao todo terão conseguido mais de 1 milhão de euros em vendas indevidas.
Um dos oito detidos é um velho conhecido da Judiciária. Em 2008, Sérgio Silva foi preso e mais tarde acusado de burla qualificada e falsificação de documentos, depois de se ter apresentado como investidor no Boavista FC, numa altura em que o clube enfrentava graves dificuldades financeiras. O seu processo acabou por ser arquivado. Agora, é provável que seja confrontado com acusações semelhantes: apanhado em flagrante a tentar vender o terreno do Estoril, ficou em prisão preventiva com outro cúmplice.
Esta não foi a primeira vez que o grupo tentou vender este terreno. Na primeira ocasião recorreram a um escritório de advogados, mas os juristas desconfiaram e o negócio não se concretizou. Agora optaram por outra abordagem. Num cartório do Norte do País, fizeram uma escritura pública em que o terreno foi vendido por um falso proprietário – com identificação forjada – a uma sociedade comercial por eles criada e controlada. A propriedade foi registada em nome dessa firma e colocada à venda em algumas imobiliárias a um preço abaixo do seu real valor. O comprador apareceu rapidamente e o negócio só foi abortado graças à intervenção da PJ. O verdadeiro dono nem estava no País.
As burlas relacionadas com negócios imobiliários têm vindo a aumentar. É por isso que a PJ alerta para a necessidade de desconfiar de negócios extremamente vantajosos. “Antes de assinar um contrato convém recolher alguma informação: confirmar em nome de quem a propriedade está registada ou se tem ou não hipoteca”, diz à SÁBADO o coordenador da Judiciária, Artur Vaz. “No fundo, deve certificar-se o melhor possível da idoneidade dos envolvidos.”
O grupo agora desmantelado pela PJ e pelo Departamento de Investigação e Acção Penal actuava sobretudo nas zonas de Lisboa, Cascais, Porto e Viana do Castelo. “Além de conhecerem bem os procedimentos de compra e venda, tinham contactos em imobiliárias que lhes davam informações sobre potenciais propriedades e também sobre os verdadeiros donos”, explica à SÁBADO fonte judicial. “Falsificavam também documentos de identidade e procurações que usavam para os negócios.”
Um dos negócios mais rentáveis do grupo envolveu um terreno na zona de Carcavelos que pertence a uma herança ainda indivisa e que está semiabandonado. Os burlões conseguiram os dados identificativos dos reais proprietários, forjaram um bilhete de identidade da cabeça de casal e falsificaram procurações dos restantes herdeiros. O terreno foi colocado no mercado e vendido por escritura pública por 600 mil euros. “Os compradores, que estavam de boa-fé chegaram a registá-lo em nome deles. Só souberam que tinham sido burlados quando os chamámos”, diz a mesma fonte. O dinheiro desapareceu.
Desde o início de 2011, o grupo fez vários negócios. Graças aos contactos nas imobiliárias, os suspeitos chegaram mesmo a mostrar casas vazias que se encontram no mercado. As investigações começaram quando um dos proprietários de um prédio numa zona histórica de Lisboa descobriu que já não era dono do imóvel. A PJ descobriu que um dos elementos do grupo se fez passar por um dos proprietários e utilizou uma procuração falsa em representação do segundo para celebrar um contrato de mútuo com hipoteca de várias centenas de milhares de euros.
Fonte: Sábado
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