03 outubro 2012

Luís Rocha Antunes: "Reabilitação está na ordem do dia mas são precisos programas viáveis"


Os promotores precisam de saber qual a renda sustentável para terem o valor do ativo acabado. Esta é a nova equação que é preciso colocar nos projetos de reabilitação, afirma Luís Rocha Antunes, partner e diretor de Investimentos na consultora Cushman & Wakefield.

A reabilitação urbana é o futuro imediato do imobiliário para Lisboa e Porto?
Claramente. A reabilitação urbana é um tema que está na ordem do dia de qualquer país e, em Portugal, é um caso gritante de valor acrescentado adiado. Num artigo recente, dei o exemplo de um cliente que levei a um espaço próximo da Av. da Liberdade, zona prime de Lisboa, para ver um prédio recente, remodelado e com bom aspeto. No entanto, quando chegámos ao pátio, muito bonito, deparámo-nos com seis fachadas de prédios a cair e o cliente apenas comentou a semelhança com Havana... A verdade é que a reabilitação urbana está na ordem do dia há 30 anos. Não é à toa que a Troika colocou no seu programa, e depois de ter ouvido as forças vivas da nação, a reabilitação e a lei do arrendamento na ordem do dia. Objetivamente, acho que todos estamos conscientes do enorme valor das nossas poupanças que está enterrado nestes ativos a render zero. A reabilitação urbana faz sentido, mas significa (o fazer sentido) que temos de ter equações novas.

E quais são essas equações?
Temos de saber qual a renda sustentável para cada ativo, e isto é mais relevante do que saber a prestação. E a partir do momento em que sabemos qual a renda sustentável, teremos o valor do ativo acabado. Isto significa, por outro lado, saber quanto podemos gastar a construir e a pagar pelo terreno. Temos, demasiadas vezes, projetos que estão vocacionados para uma reabilitação urbana que não é mais do que obra nova. Por outro lado, temos uma estratégia de preço baseada na compra e venda, e não no arrendamento, por um preço que está implicitamente ligado a um financiamento muito generoso, entre 80 e 90% do valor do imóvel (por vezes mais) e com um spread muito baixo. Esses tempos mudaram. Essa alteração da equação significa que o primeiro desafio da reabilitação urbana hoje é construir programas viáveis. Precisamos de financiamento e de forte consciência dos poderes públicos, quer centrais quer locais, para tirar os mil obstáculos que a máquina municipal é capaz de colocar diante desta reabilitação, independentemente de hoje haver maior consciência e conhecimento, mas, mesmo assim, continuam a surgir excessivos problemas. Considero que tem de existir mais sentido de urgência na resposta, terá de haver regras mais explícitas e mais claras e terão de existir programas viáveis em termos do valor do terreno e do investimento.

Os promotores atuais não estão a cumprir minimamente estas regras...
Direi que, estando todos nós a passar por uma crise de tesouraria, uma crise financeira e uma crise de confiança muito forte, estaremos todos a voltar ao núcleo do que é uma viabilidade financeira de um projeto. Sinto que hoje há muito mais vontade de ouvir e construir equações do que antes. No entanto, continua a existir um volume muito grande de pessoas que continuam a funcionar com base nos números que tinham no balanço há dois ou três anos, ou com base nos projetos que foram construídos há dois ou três anos. Em muitos casos, é preciso ter coragem para olhar para um projeto de forma crítica e afirmar que esta parte do projeto faz sentido e esta outra não faz. E haverá que abandonar ou alterar o projeto ou reorçamentar. É um trabalho de humildade intelectual e que terá de ser feito.

O trabalho feito em Lisboa e no Porto em termos de reabilitação não tem em conta estas equações?
Diria que o que é difícil, perante uma crise como esta, é o ponto de partida. O primeiro passo é construir uma nova equação, o que pode significar perder dinheiro no curto prazo.

Esse facto justifica os muitos espaços devolutos depois de reabilitados?
Penso que a reabilitação que hoje está devoluta tem as mais diversas raízes, desde logo pelo facto de, muitas vezes, os prédios continuarem reféns dos inquilinos que os ocupam. A lei das rendas, aprovada a 14 de agosto, pode vir a ser o elemento que faltava para o mercado começar a funcionar de uma forma mais racional. Na verdade, não é racional ter um investidor com capitais que faz o caminho do licenciamento, mas quando chega à fase de execução continua refém dos inquilinos. Todos pensam na idosa que está num prédio a cair e que deverá ir para um edifício que tenha todas as condições de segurança e salubridade. Ora, alguém terá de fazer isso. O mais natural é que seja a Segurança Social ou entidade com essa missão, mas não o senhorio. As receitas que estes irão gerar em termos de empregos, impostos e valor acrescentado bruto para a economia deverão ser mais que suficientes para fazer esses realojamentos. Mas, muitas vezes, quem lá está é uma sociedade comercial, um gabinete de advogados ou de arquitetos ou de outras atividades e que afirmam só sair por meio milhão de euros de indemnização, quando, do outro lado da rua, há um escritório para onde poderia ir. Este tipo de inquilinos são um micronegócio à face da lei e estamos a proteger alguém que a única coisa que está a fazer naquele espaço é tirar vantagem de uma proteção que lhe foi criada num sentido completamente diferente. Vamos ver como essa lei funciona, mas o verdadeiro primeiro grande obstáculo à reabilitação urbana nos centros das cidades é a lei das rendas. Vamos ver como é que o novo enquadramento funciona na prática. Como sabemos, entre a teoria e a prática há uma grande diferença. A partir daí é que começam as equações, desde logo, na definição dos programas. Se olhar para a matriz dos prédios antigos, todos eles tinham áreas pequenas, bem compactas, e isto tem que ver com o poder de compra. Logo, temos de pensar qual a renda que o agregado familiar português pode pagar em média: 500 euros, mil euros ou 1500 euros? Depois de sabermos o que pode pagar o agregado português, temos de aferir o valor médio. Depois, existem os agregados acima ou abaixo, mas esta é a equação de base. Terá ainda de ser uma equação muito mais baseada no mercado de investimento institucional ou particular.

Quando falamos de reabilitação, tanto serve para o arrendamento como para a compra e venda.
Sim, mas também considero que 90% da compra e venda que existiu até agora foi fundada não na poupança, ou seja, em pessoas que tinham poupança e iam comprar, mas no crédito. E o que é racional no mercado de compra e venda é que esta seja feita com 30 a 40% de capitais próprios e o restante em crédito. É aqui que está o foco. Tem de haver mais disciplina na criação de programas.

Há diferenças na conceção daquilo que é reabilitação entre Lisboa e o Porto, já que as duas cidades absorvem a quase totalidade dos programas?
A primeira grande diferença é a demografia económica. O Porto não tem os mesmos parâmetros económicos. É uma cidade em que as rendas subjacentes são mais comprimidas. À parte disso, são bastantes comparáveis. O centro do Porto tem hoje uma "movida" que é fantástica, com as pessoas a redescobrirem o centro da cidade, tem muito boas histórias para se contar. O Porto tem de se vender melhor internacionalmente. Lisboa é uma cidade sobre a qual se consegue contar uma boa história, tanto a nacionais como a estrangeiros, enquanto o Porto não aparece tanto quanto devia nos roteiros dos investidores internacionais. É mesmo desconhecido. Falta encontrar boas histórias que o Porto terá, certamente, para vender.

Falando de demografia, a população geral está em regressão e é neste contexto que se aposta na reabilitação dos cascos históricos das principais cidades. Isto significa que Lisboa e Porto vão concorrer por mais população com os dormitórios-satélites à sua volta? Faz sentido atrair da periferia para o centro?
Esse movimento já aconteceu em mercados mais evoluídos, como o norte-americano. O que faz sentido é que as pessoas vivam de acordo com as suas possibilidades, o máximo de qualidade de vida. As pessoas procuram maximizar a qualidade de vida e, por isso, entre morar fora ou no centro da cidade, quando vou para fora quero ter, pelo mesmo preço, mais área, mais espaços e mais qualidade. Dentro do princípio do jogo da oferta e da procura, o que é crível é que, quando estou no centro de Lisboa, consigo "x" m2; quando estou fora do centro, posso conseguir 150 ou 200 m2. O fora da cidade tem muitas histórias diferentes para contar. O fora da cidade em cima de um eixo de transportes públicos, junto a uma estação de metro ou de estação de comboio e perto da linha de costa, por exemplo, na linha de Cascais, é totalmente diferente da linha de Sintra - caso do Casal de S. Marcos, uma commoditie low cost de Sintra. O normal é o mercado, em vez de ter o mesmo padrão de custo para todos os setores, comece a diferenciar estes valores.

Como está a evoluir a reabilitação ligada à hotelaria e aos apartamentos turísticos?
Na zona histórica de Lisboa está a crescer. Este é um negócio totalmente diferente do anterior e que quer uma tremenda disciplina nos números, em que metade dos operadores diz que vê valores de ativos que já foram construídos e dos quais não irá conseguir tirar rentabilidade porque se gastou dinheiro a mais. É a evidência de, quando se chega a estes produtos com uma métrica disciplinada de qual o rendimento subjacente face ao tipo de ativo, tem de se concluir que para este tipo de ativo posso gastar "x" euros por m2. Quando se gasta mais que isso a equação não funciona.

Grande parte dos hotéis no centro de Lisboa está ligada à reabilitação. Qual o interesse da C&W neste segmento?
Temos muito interesse nessa área e, por outro lado, consideramos que se está perante boas notícias para Lisboa. A cidade, cada vez mais, tem de vender a sua autenticidade e especificidade e menos um mercado commodity. Mas o verdadeiro desafio para hoteleiros e para a cidade é saber vender um produto com um pouco mais de qualidade do que apenas o low cost. Aí há belíssimos exemplos. Temos algumas unidades hoteleiras, como o Bairro Alto Hotel e outros, que são casos de sucesso, tanto em termos de taxas de ocupação como de serviços, logo, em termos de tarifas que conseguem cobrar. Temos de vender a boa história e a boa energia que Lisboa e o Porto têm.

Que papel quer a C&W ter a nível da reabilitação?
Estamos a repensar a nossa abordagem. Mais do que focar numa transação, estamos a focar em olhar para cada ativo e, mesmo que o proprietário não queira vender, encontrar os parceiros ou os ocupantes que maximizam o valor do imóvel. O desafio é, claramente, colocar hoje, e não daqui a dez anos, os ativos a render. Se ficam agarrados à ideia de que um imóvel dentro de dez anos irá valer mais, durante esse período, perderam rendimento. É preciso, repito, criar equações de curto prazo, exequíveis que gerem cash flow. O país precisa hoje, cada vez mais, de rendimento. Os impostos estão a aumentar, o Estado precisa de cobrar e, se não aparecerem esses impostos, coloca uma carga ainda mais pesada. O que temos de fazer para nos reinventarmos é gerar hoje esse cash flow. As rendas de hoje que não se cobrem estarão perdidas para sempre. Se pensarmos nos milhares de imóveis parados há dezenas de anos a render zero, vê-se a quantidade de riqueza que o país perdeu.

Fonte: OJE

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