13 fevereiro 2013

C&W: Na reabilitação urbana "queremos cruzar bom senso comercial com conhecimento operacional"


Repensar a viabilidade dos projetos imobiliários nos centros de cidade passa por "colocar tudo o que está planeado em causa", independentemente de já haver custos envolvidos, afirmam Luís Rocha Antunes, partner e responsável pela área de investimento da Cushman & Wakefield (C&W), e Paulo Sá Viana Rebelo, da área de urban development da consultora.


Como funciona a vertente da reabilitação urbana na C&W e a que departamento está ligada?
Luís Rocha Antunes (LRA) - A reabilitação urbana está dentro do departamento de investimento porque pensamos que a base negocial da reabilitação urbana tem, em primeiro lugar, um plano económico-financeiro. Estamos na reabilitação urbana há cerca de dez anos, sendo que a nossa postura sempre foi acompanhar transações, num mercado relativamente simples de compra e venda, em que a procura largamente suplantava a oferta de espaços. Tudo se vendia, com maior ou menor critério, com maior ou menor racionalidade. Nos últimos quatro anos, tudo se alterou: passámos para o mercado oposto, em que a procura por parte de promotores e investidores retraiu consideravelmente, e a oferta de espaços disponíveis para venda de prédios ou de terrenos nos centros da cidade aumentou. Hoje, promotores, investidores e outros agentes têm muito menor liquidez, menor acesso ao crédito, e uma crise de confiança, que leva a uma maior reflexão sobre a viabilidade económica desses projetos. A nossa intervenção passa, em primeiro lugar, por repensar essa viabilidade, sendo que a ambição é trabalhar em áreas prioritárias no centro de Lisboa.

E de que forma atuam? Mandato de quem?
LRA - A nossa maior dificuldade é profissionalizar o setor. Isto pode parecer redundante porque este é um mercado muito exigente (ou que deveria ser muito exigente). A verdade é que por vezes deparamos com projetos que, à luz do momento em que foram concebidos, há cinco ou seis anos, tinham viabilidade económica e, entretanto, nos últimos quatro anos mudaram radicalmente, quer em termos de custos de financiamento, quer de ocupação final e mesmo no nível de procura que existia. Por conseguinte, é preciso tomar uma decisão dolorosa, que é colocar tudo em causa, inclusive quando se consumiram dezenas de milhar de euros em trabalho de arquitetos ou quando já se fizeram brochuras.

Isso significa levar o projeto até "ao osso" para ser repensado nas atuais condições de mercado?
LRA - Sim, falamos de recomeçar projetos de raiz. Aliás, fizemos recentemente uma análise muito interessante em que confrontávamos o caso de um edifício que seria reabilitado, sem ser demolido versus a obra nova, e concluía que a reabilitação tem custos substancialmente menores. 

O que é hoje diferente em relação há um ou dois anos na reabilitação versus obra nova?
Paulo Rebelo (PR) - É sobretudo o custo. O financiamento está assumidamente mais escasso e há que olhar para um edifício de forma diferente de como se fazia há um par de anos. Nessa altura o projeto ideal era destruí-lo e recriá-lo de raiz, aliás, em boa parte dos projetos de centro de cidade e por imposição camarária, teria de se manter a fachada e isso significa custos acrescidos. Neste momento encontramos no mercado muita gente interessada em pegar num imóvel que não esteja totalmente destruído e que, através de uma reabilitação, que tem certamente custos mais reduzidos que uma construção de raiz, conseguir criar cenários de habitação e de comércio com muitos menos custos.

Esse tipo de reabilitação corresponde ao que é minimamente exigido, caso de parqueamento, condições sanitárias e outros equipamentos?
PR - É aí que entra o projeto que internamente temos vindo a desenvolver e que passa por aproveitar os vários departamentos, juntar a equipa e olhar para um edifício e perceber que, com as valências dos departamentos de arquitetura, de gestão de projeto e de agência, conseguimos ver se determinadas zonas têm mais capacidade para terem mais habitação, mais comércio ou atividade mista. Fazemos uma análise crítica, e há situações, nomeadamente o estacionamento, que pode, ou não, ser importante. O centro de cidade pode captar um tipo de ocupante que pode não ter tanta preocupação com a questão do estacionamento, e falo da Baixa de Lisboa. O objetivo principal é podermos ter uma análise crítica sobre determinado imóvel, juntarmos a equipa com toda a sua experiência e conhecimento que gerou ao longo dos últimos anos e perceber - tanto em nome do proprietário ou em nome do potencial comprador - o que vamos fazer de determinado imóvel, como iremos acrescentar valor de modo a que se possa construir.
LRA - Queremos cruzar bom senso comercial com conhecimento operacional. Neste caso específico chamámos os colegas de gestão de projeto, que nos deram uma visão crítica de quais eram os custos implícitos em estar a reposicionar um prédio antigo dos anos 20, com uma intervenção pontual, versus a obra nova, jogando com os ganhos e perdas de áreas, por causa das empenas e das distâncias e questões de segurança.

As questões culturais e de história são importantes na reabilitação?
LRA - Cerca de 90% dos utilizadores consideram muito mais importante a arquitetura que a história implícita do edifício, embora se possa contar pelos dedos das mãos os edifícios que têm uma história que vai para além da sua arquitetura. Considero salutar que exista, atualmente, por parte de muitos consumidores e promotores, um cuidado muito maior na reabilitação, incorporando aquilo que a reabilitação tem de bom. Difícil é muitas vezes conciliar o que as pessoas querem fazer, que é uma reabilitação com o bom gosto, respeitando a traça e o original, com a funcionalidade que o utilizador comum quer e com os regulamentos e as interpretações dos regulamentos que depois são feitas pelas autoridades.

Já testaram os serviços da edilidade de Lisboa? Eles receberam bem a ideia?
LRA - Estamos envolvidos em vários projetos com maior ou menor visibilidade. É nítido por parte das diferentes Câmaras - aquela com que lidamos mais é a de Lisboa - uma maior apetência e apoio em relação à reabilitação. Não se desceu a fasquia, temos é um diálogo muito mais frutífero. Se nos cingirmos a determinadas situações internas e operacionais, elas "matam" o projeto. É preciso ter um equilíbrio entre o valor estético e o património da cidade que todos nós respeitamos e queremos elevado, porque é claramente uma das vantagens competitivas de Lisboa, com a operacionalidade e funcionalidade.

Daquilo que são os pedidos dos proprietários/investidores, o que se pode inferir sobre as tendências de habitação em Lisboa? A cidade tem inquilinos estudantes, inquilinos gestores, famílias regressadas dos dormitórios, turismo sazonal? O que está a cidade a atrair?
LRA - O que é mais interessante de Lisboa é o facto de ser uma cidade muito diversificada, eclética e distinta. O turismo é um dos grandes impulsionadores e onde temos uma procura mais forte, e muito do que hoje existe no retalho está ligado ao turismo.

Falamos de apartamentos turísticos?
LRA - Sim, mas não só porque nas avenidas novas temos trabalhado ativamente para um consumidor final que quer a qualidade de vida que o centro da cidade pode e deve dar. Os atuais vendedores - e são muitos - procuram uma nova racionalidade na venda. É um processo onde sentimos que o que é mais doloroso para os nossos interlocutores é afirmarem na primeira abordagem: "Quero vender o prédio!". Mas querem fazê-lo com base no programa e valores de há quatro anos. E o que montamos hoje é algo diferente. As pessoas podem querer vender o prédio, ou não, e nós queremos ajudá-las a reabilitá-lo. Temos algumas situações em que estamos a ajudar a criar o Programa de Viabilidade e Reabilitação e sabemos que o dono não vai querer vender no final, vai querer ficar proprietário. E, claro, queremos programas comerciais exequíveis e que façam sentido face à procura que é conhecida ou antecipável que venha a existir. Falamos de prédios na Baixa, nas avenidas novas ou na Avenida da Liberdade em que o que fazemos é estudar e propor uma estruturação viável. Dou um exemplo de respostas que damos aos clientes: "Tinha previsto fazer escritórios e comércio em determinada proporção, mas deverá mudar essa proporção em mais "x" ou menos "y", que vai resultar nestas rendas. O plano de viabilidade é este e em termos de orçamento irá consumir metade, analisando o custo-benefício de fazer mais um ou menos um piso, fazer caves ou evitar construí-las". Toda esta métrica é feita de uma sensibilidade muito específica em relação a cada projeto, que não é universal. Aliás, este é um dos maiores erros com que deparamos, pois as pessoas estão sempre habituadas a valorizar projetos onde, por exemplo, três prédios na mesma rua têm de ter o mesmo valor por metro quadrado. Isto é errado porque cada um tem a sua história e cada um tem custos implícitos.
PR - A ideia que temos para a nossa área, para a nossa atuação na reabilitação urbana, passa por acrescentar valor, seja para o imóvel continuar nas mãos do mesmo proprietário, mas obviamente tirar daí uma mais-valia, ou pegar nessas mesmas ideias e ir para o mercado com uma solução mais inteligente e apetecível para um potencial investidor. Temos na nossa equipa alguns elementos pertencentes à área de agência, tanto de retalho como de escritórios, que têm um conhecimento nacional e internacional do que são as necessidades de ocupação. Por outro lado, de cada edifício que analisamos podemos criar soluções muito diferentes das que existem. Isso acrescenta valor tanto para o proprietário como para o potencial comprador.

A questão da sustentabilidade energética está presente nos projetos? Os clientes são sensíveis a esse tipo de argumentação?
LRA - Está presente e teremos uma área que irá trabalhar exclusivamente sobre as questões da sustentabilidade. Consideramos que aí é preciso adquirir alguma curva de experiência. É preciso fazer alguma investigação e desenvolvimento para manter a traça e os materiais originais, não adulterando os conteúdos dos edifícios.
PR- Também é preciso perceber o seguinte: não somos nem construtores nem promotores, apesar de termos um departamento que pode apresentar soluções de projetos e pode, inclusive, fazer a gestão e a fiscalização de imóveis. A questão da sustentabilidade terá de passar também pelo interesse do promotor, do investidor e definir que tipo de projeto quer fazer, quanto está disposto a gastar, sendo todo ele um trabalho em conjunto. Por isso temos os departamentos que vão da agência até à gestão do imóvel depois de acabado. Isto significa que a nossa relação com o mesmo pode prolongar-se no tempo.

Que peso terá este departamento nos negócios da C&W?
PR - Este será um dos departamentos mais transversais dentro da Cushman & Wakefield porque vai beber um pouco de todas as valências dos vários departamentos e ao mesmo tempo ter clientes desses próprios departamentos. O nosso objetivo é pensar em conjunto o que cada área pode aportar.
LRA - Esta é claramente uma das nossas prioridades e onde queremos fazer acontecer, queremos ajudar a transformar a cidade, temos uma tarefa exequível, mas muito difícil porque há uma enorme escassez de dinheiro, há um ponto de partida muito complicado quando o preço dos terrenos ainda precisa de ser corrigido e quando há muitos programas sem viabilidade económico-financeira. O nosso trabalho é - humildemente - ouvir o mercado e criar uma nova equação, e muitas vezes significa ser um pouco mais disciplinados na forma como olhamos para o resultado final alcançável e, a partir daí, fazer uma reengenharia inversa para chegar ao verdadeiro valor do projeto e à verdadeira equação. Hoje o ponto de partida para a reabilitação é um mercado em que há uma considerável oferta concorrente com tudo o que vamos desenvolver. O stock que está por escoar de obra nova ou reabilitada é muito grande, porque o financiamento é escasso e está concentrado nos imóveis que a própria banca tem para escoar. O que fez com que os preços do produto final descessem e, como é óbvio, a viabilidade de todos os projetos tem de ser reequacionada. Curiosamente, uma abordagem estruturada como esta, que é a mais honesta e mais clara, dá-nos pelo menos o conforto das respostas de alguns clientes: "Está a dar-nos más notícias, mas pelo menos conseguimos perceber o caminho a percorrer para rentabilizarmos os projetos". Hoje é muito fácil ser portador de más notícias. Não temos receitas mágicas, mas o nosso ponto de partida é construir as soluções que funcionem para ajudar a transformar a cidade.

Estes modelos já foram testados pela C&W noutros países?
LRA - Não é aplicável, porque não conhecemos nenhum país com uma situação tão gritante sobre um parque tão grande a necessitar de reabilitação, ninguém tem um parque urbano tão degradado. É muito difícil explicar a um estrangeiro que este país virou as costas às questões da cidade nos últimos 30 anos, que deixou cair e que só agora está verdadeiramente a pegar nele (parque urbano), porque temos uma nova lei de arrendamento e de reabilitação urbana, que não é a ideal mas é um passo na direção certa e que é a melhor forma de criar riqueza. Sublinho que, perante todos aqueles que hoje estão em dificuldades porque estão a ser alvo de atualização de rendas e de despejos, e que é uma situação social muito complexa, terá de se responder com ações sociais específicas sustentadas com a riqueza criada, que irá gerar emprego e melhorar as condições sociais.
PR - Acrescento ainda que temos alguns exemplos de proprietários que nos abordam, com interesse em vender o seu imóvel, que resultam em boa parte de heranças familiares. Têm-nos surgido casos de avaliações feitas há três, quatro ou cinco anos, que refletiam os valores pelos quais os imóveis estavam a ser transacionados, mas que hoje estão fora da realidade. Somos, por vezes, portadores de más notícias, mas más notícias sustentadas. Apresentamos no fundo a opinião de valor e a valorização do imóvel com uma pergunta por detrás: "Se o imóvel fosse meu, comprava pelo valor que está a pedir?". Conseguimos demonstrar que as equações mudaram e que o valor do produto acabado não é o mesmo de há três, quatro ou cinco anos. A oferta é muito maior, existe muita concorrência por parte dos imóveis dos bancos e para os quais o financiamento está garantido. Sabemos que quando se procura financiamento para imóveis fora da carteira do banco, tudo é mais difícil. Connosco saem "vergados" mas não derrotados porque saem com uma solução.

Qual a filosofia de fundo do departamento?
PR - O nosso departamento de reabilitação urbana não se preocupa exclusivamente em transacionar imóveis, o que queremos mesmo é acrescentar valor, é olhar um imóvel, perceber que diferença se pode fazer para o transformar. 
LRA - É fantástico pegar em alguns destes prédios tão degradados e ser parte ativa da solução que os põe a gerar riqueza e embelezar a nossa cidade. Neste momento já estamos envolvidos em alguns projetos de reabilitação, e o que estas soluções fazem pela cidade é fantástico. Concordamos plenamente com a Câmara Municipal quando diz que o alvo da intervenção é o parque consolidado da cidade. Se andarmos por todas as ruas haverá sempre um prédio para ser reabilitado. Transformar as cidades, conciliando a sua alma e identidade com um tecido económico renovado e saudável é a melhor forma de trazer crescimento, emprego e qualidade de vida para o benefício de todos.

Fonte: OJE

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