11 novembro 2013

Impactos para o sistema financeiro da evolução recente do setor imobiliário em Portugal


Existem sinais crescentes de que podemos estar num início de um processo de recuperação do setor imobiliário em Portugal. No entanto, e no quadro das incertezas macroeconómicas prevalecentes e das distintas dinâmicas dos sub-mercados do setor imobiliário, deverão as instituições financeiras manter um acompanhamento muito próximo desta realidade
Nos últimos tempos têm sido publicados na imprensa artigos sobre a exposição de crédito do setor financeiro nacional ao setor imobiliário refletindo preocupações, ao nível do sistema financeiro como um todo e sobre cada Instituição Financeira em particular, quanto à adequação da cobertura por provisões das imparidades dos ativos imobiliários "adquiridos" em reembolso de crédito próprio. 

Na minha opinião, uma abordagem fundamentada sobre esta temática não se compadece com análises unidimensionais e de caráter estático, devendo levar em consideração um conjunto alargado de factores. Entre estes destacaria:
  • As atuais regras contabilísticas a que as Instituições Financeiras estão obrigadas a aplicar a este tipo de ativos devendo o seu registo inicial ser feito pelo seu "justo valor";
  • As metodologias e o grau de rigor das avaliações imobiliárias que suportam a determinação do" justo valor" destes ativos que são feitas por peritos especializados, devidamente credenciados e independentes;
  • As diferentes práticas de recuperação de crédito e de gestão/alienação dos imóveis de cada instituição;
  • O mix específico de ativos imobiliários que cada instituição recebeu em reembolso de crédito próprio e que ainda não alienou.
Com este artigo, espera-se contribuir para um esclarecimento mais cabal e rigoroso sobre o tema em análise, tendo para o efeito desenvolvido três tópicos:
  1. A evolução do Setor Imobiliário em Portugal nos últimos 10 anos, refletindo sobre a dimensão do ajustamento já ocorrido e sobre as diferenças substanciais face a algumas economias europeias na qual se verificou inquestionavelmente "uma bolha especulativa";
  2. As estratégias de recuperação de créditos em situação de "distress", mas com garantias reais e a constituição de provisões prosseguidas pelas instituições financeiras;
  3. A abordagem prosseguida pelo Banco Espírito Santo no que diz respeito ao processo de recuperação do crédito, à avaliação dos ativos imobiliários e reconhecimento das imparidades.

Breve análise sobre a evolução do Setor Imobiliário em Portugal

Em contraste com outras economias europeias, os preços dos imóveis residenciais em Portugal registaram uma evolução, em termos reais, bastante moderada nos anos que precederam o início da crise. De facto entre 1998 e 2011, os preços da habitação subiram em termos reais apenas 7% em Portugal, o que compara com 76% na Irlanda, 96% em Espanha e 46% no total da área do Euro. Deste modo, não é de estranhar que a correção verificada nos últimos 3 anos em Portugal tenha sido inferior à que se verificou noutros mercados e que a duração da mesma venha a ser menor pois os mecanismos automáticos de regulação da oferta começaram logo a produzir efeitos em 2009. Dentro desta evolução há, no entanto, de destacar uma forte heterogeneidade de evolução de preços, tendo como fatores mais discriminantes a localização dos imóveis bem como as suas finalidades.

Em linha com os recentes indicadores macroeconómicos sobre a economia portuguesa, os dados do 1º semestre de 2013 do "Inquérito à Avaliação Bancária na Habitação" divulgados pelo INE revelaram 3 meses consecutivos (Março, Abril e Maio) de inversão na descida dos preços iniciada 34 meses antes (em Maio de 2010). No mesmo sentido, os dados divulgados esta semana pela APEMIP revelaram que no terceiro trimestre de 2012 verificou-se já um crescimento de 8,7% na venda de casas face ao trimestre anterior, interrompendo uma série de 4 anos de queda consecutiva.

No segmento do imobiliário comercial (Escritórios, Comércio, Armazéns e Logística) estamos igualmente a assistir a uma inversão na tendência de subida/estagnação das yields dos ativos imobiliários (quedas entre 25 a 50 pontos base) com a demonstração, desde o início de 2013, de maior interesse por este tipo de ativos em Portugal pelos investidores internacionais. 

Não obstante o risco em assumir tendências num mercado muito heterogéneo e num enquadramento macroeconómico ainda com elevado nível de incerteza, pensamos que 2013 possa ser o ano de inversão do ciclo imobiliário. Confirmando-se em 2014 a retoma da economia nacional, acreditamos que se assistirá à redução do prémio de risco exigido a Portugal por parte dos investidores internacionais, aumentando as oportunidades de venda rentável dos atuais ativos imobiliários, em particular dos ativos com rendimento. 

Práticas na recuperação de créditos em situação de "distress" e constituição de provisões 

Apesar da correção de valor dos ativos do setor imobiliário ter sido bastante inferior em Portugal quando comparado com o ocorrido noutras economias europeias, as Instituições Financeiras a operar no mercado têm-se confrontado com créditos cujo mutuário revela inequívocas dificuldades em cumprir com o plano de obrigações estabelecido. Na análise das várias opções disponíveis para a resolução deste tipo de situações, os bancos tem muitas vezes decidido pela retoma dos colaterais reais, mediante dações e adjudicações, procurando assim evitar o avolumar das dificuldades financeiras dos clientes e o aumentar do potencial de perdas (ver quadro abaixo). Este curso de ação não reflete necessariamente um julgamento por parte dos bancos de que os ativos imobiliários financiados sejam de "má qualidade". De facto, deve-se evitar confundir mutuários em "distress" com "ativos imobiliários em distress".
A abordagem prosseguida pelo Banco Espírito Santo

Ao decidir por uma política de mitigação de risco assente na "aquisição de imóveis em reembolso de crédito próprio", o Banco Espírito Santo preparou-se atempadamente para responder a este enquadramento adverso, reforçando os recursos afectos à área de recuperação de crédito, criando uma estrutura interna dedicada ao processo de gestão e alienação dos ativos imobiliários e reforçando as equipas técnicas dedicadas ao estudo do mercado imobiliário.

O Banco Espírito Santo definiu ainda a aplicação de critérios especialmente prudentes na valorização dos Imóveis no momento inicial da sua "aquisição" e ao longo da sua permanência em balanço e que a seguir se enunciam:

a) No momento da "aquisição" de um imóvel em reembolso de crédito próprio, é solicitada uma avaliação atualizada do imóvel a avaliadores independentes registados na CMVM e externos ao GBES;

b) Ao valor comercial do imóvel no seu estado atual é aplicado um fator de desconto (em média 17%) em função da atribuição de um "rating" ao imóvel por um avaliador independente. Este "rating" pondera um conjunto de fatores com impacto no seu tempo de venda e liquidez de forma a obter-se uma estimativa mais precisa do valor do imóvel do que se obteria pela aplicação de "descontos" genéricos;

c) O Valor da Imparidade nos momentos subsequentes corresponde à diferença, se positiva, entre o valor de "aquisição" e o valor referido na alínea anterior; aumentos de valor não são reconhecidos nos termos do IFRS 5 que o BES adota na contabilização destes ativos;

d) Como regra, todos os imóveis são reavaliados de 2 em 2 anos. Os imóveis de maior valor são reavaliados com uma frequência anual ou sempre que se verifique um evento com impacto material no valor do imóvel atualizando-se o valor da imparidade seguindo a lógica expressa na alínea c). 

Do anteriormente exposto resulta o seguinte: Instituições Financeiras que no momento da "aquisição" do imóvel relevem de forma prudente o seu "justo valor", assumindo muitas vezes uma perda imediata pela diferença entre o Valor do Crédito em Dívida e o "justo valor", não terão seguramente a mesma necessidade de constituir provisões para imparidades ao longo do período de manutenção do imóvel até à sua alienação. 

Ainda a este propósito refira-se que o teste definitivo à adequação da cobertura por provisões assenta na verificação dos resultados obtidos na experiência de vendas dos mesmos. A título de exemplo, o Banco Espírito Santo vendeu até Agosto 1.997 imóveis com um valor bruto de 231M€ (+47% do que no período homólogo) tendo obtido uma mais-valia de 0,9M€.

Conclusões

Em face do atrás exposto, afigura-se perfeitamente compreensível a existência de diferenças nos rácios de cobertura de imparidades, as quais advêm nomeadamente de:

a) Diferentes critérios de prudência no apuramento do "justo valor", em particular no momento inicial da aquisição do imóvel;

b) no caso do BES, na data de resolução dos créditos, é solicitada uma avaliação do justo valor do imóvel por perito independente devidamente credenciado; este valor representa em média um desconto de 17% face ao valor comercial do imóvel;

c) Diferente antiguidade média da carteira de imóveis entre instituições, como resultado de diferentes ritmos de entrada de imóveis e da capacidade de alienação de ativos; 

d) Diferente mix na composição do portfólio de imóveis recebidos em dação ou adjudicação (ex. finalidades, localizações, estados de conservação) que ainda não foram alienados e que apresentam desvalorizações diferenciadas entre si.

Em síntese

Pensamos que existem sinais crescentes de que podemos estar num início de um processo de recuperação do setor imobiliário em Portugal. No entanto, e no quadro das incertezas macroeconómicas prevalecentes e das distintas dinâmicas dos sub-mercados do setor imobiliário, deverão as instituições financeiras manter um acompanhamento muito próximo desta realidade, no sentido de continuarem a assegurar uma correta e prudente avaliação dos ativos imobiliários e de promover todas as iniciativas que permitam a redução das suas carteiras num curto espaço de tempo.

Por Joaquim Goes, Administrador executivo do BES

Artigo publicado no Negócios a 14 de Outubro 2013

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