Aproveitamento. Há ofertas explícitas na internet e outras que escondem exploração que se serve da pobreza. Segundo juristas, a atividade não é ilegal.
"Ofereço quarto a mulher necessitada. Casa com boas condições e localizada perto do Colombo."Quais são as condições? "A oferta é muito simples, disponibilizo o quarto com a serventia da casa, claro, e em troca quero encontros íntimos regulares." Este é um dos anúncios colocado na internet que expressa uma tendência que tem vindo a aumentar nos últimos anos, potenciada pela crise: a oferta de habitação a troco de sexo.
O fenómeno começou nos EUA e alastrou-se, sendo já uma realidade no nosso país. Há anúncios em que a intenção do senhorio é expressa claramente e há outros em que aparece dissimulada."Pequenos serviços" é uma expressão usada com frequência. Há casos de mulheres da classe média, sem trabalho e que vêem esgotadas todas as ajudas, que aceitam essas ofertas a troco de serviços domésticos. No entanto, os mesmos vêm a revelar-se exploração sexual", adianta Inês Fontinha, diretora da associação O Ninho.
Realçando que desconhecia a existência destas práticas, Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas, afirma que "este tempo de crise é favorável para os que não têm escrúpulos se aproveitarem da vulnerabilidade das pessoas." Este responsável considera que "quem aceita é porque está no limite das suas necessidades e elas se sobrepõem ao respeito que tem sobre si". Para Eugénia Fonseca, "isto merece a intervenção do Estado, porque é um atentado aos direitos das pessoas."
Fonte da Polícia Judiciária diz "não existir enquadramento legal para esta questão", contudo, "pode existir na via fiscal, no mercado de arrendamento e aluguer." Contactada pelo DN, a PSP informou que "não possui qualquer denúncia sobre este fenómeno em Portugal.
Segundo os juristas contactados pelo DN, a troca de sexo por alojamento não é uma prática ilícita. O advogado Rogério Alves afirma que "pode ser repugnante, imoral, pouco ético e reprovável, mas pode, no limite, não violar nenhuma lei, a não ser que existam menores envolvidos, coação ou violência." O que poderá existir é, de acordo com o especialista, "uma violação das normas fiscais e de alojamento". Também Artur Marques reforça que "se não houver carácter comercial não há nenhum crime". O jurista explica que "o lenocínio pressupõe exploração e neste caso falamos de relações sexuais livremente consentidas, entre pessoas adultas, sem qualquer dependência psíquica."
Além de relações íntimas, há quem peça limpezas, cuidado de idosos e outro tipo de serviços em troca de um teto. Ana Cristina Santos,do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, salienta que "se estamos a falar de propostas em que os termos da transação são claros, negociados, entre pessoas adultas e com consentimento informado, trata-se então de uma prestação de serviços". Destacando que todo o trabalho que efetuamos "é feito com recurso ao corpo", a socióloga considera que "o elemento que parece complicar a leitura deste fenómeno é justamente o contexto de vulnerabilidade socioeconómica em que nos encontramos e que coincide com uma maior incidência deste tipo de oferta".
Cristina Santos indica que "não se trata de um contrato laboral entre iguais, mas sim de uma atividade não regulada, muito permeável a riscos de exploração". A privação "amplifica situações de potencial abuso" e "tem um impacto considerável sobre a capacidade individual de decidir sobre o seu próprio corpo e os usos que dele se entende fazer". A socióloga sublinha que "na ausência de um salário regular que permita viver com dignidade e segurança, o recurso a este tipo de expediente ou outro pode acontecer menos por escolha e mais por necessidade".
Para Júlio Machado Vaz, "vivemos numa sociedade que tem vindo a banalizar o sexo e esta é mais uma vertente em que o sexo é colocado ao nível de outro mecanismo de troca". Além da banalização, o sexólogo diz que se "estabelece uma relação completamente assimétrica nestas situações: há uma relação de poder extraordinária,porque se a pessoa que aceita a oferta recusar sexualmente o que quer que seja, é posta na rua."
3 PERGUNTAS A... INÊS FONTINHA Diretora da associação O Ninho
"Algumas mulheres são violadas"
Que análise faz desta prática de oferta de alojamento a troco de sexo?
Há muitas ofertas desta natureza. Vivemos num país empobrecido em que as pssoas se aproveitam da vulnerabilidade em que muitas se encontram. De um modo geral, as mulheres estão numa situação de maior vulnerabilidade e nestes momentos há uma maior incidência deste tipo de pedidos. O fenómeno é relativamente recente, mas os anúncios aparecem cada vez com mais frequência.
O Ninho recebe pedidos de ajuda nesta área?
Sim, essencialmente para ajudarmos a mulher a perceber que tipo de anúncio é, porque muitas vezes a oferta é ambígua e não se sabe o que está por trás. Conhecemos mulheres que foram e que tiveram dificuldade em se libertar. Por vezes os anúncios não são claros, dão a entender que há possibilidade de pagamento e as mulheres vão iludidas. Algumas são violadas, obrigadas a estar em situações que nunca pensariam.
Acredita que há muitas mulheres, a aceitar este tipo de ofertas?
De modo geral, acredito que quando é explícita muito poucas mulheres aceitem estar nessa situação. As que nos pedem apoio para perceber o que querem com o anúncio dizem de imediato que não. A não ser que estejam no limite de ficar sem abrigo, a maioria tenta não aceitar.
Fonte: DN
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