21 maio 2015

O valor da avaliação imobiliária


A queda dos valores de transação de imóveis em Portugal, sobretudo no período 2008/2013, para níveis que, em grande parte do território nacional, se encontravam abaixo dos custos de produção, arrastaram para a falência grande parte das empresas ligadas à promoção imobiliária ou à produção, com natural propagação a todos os setores de fornecimento e serviços, a montante e jusante da construção e criando naturalmente grandes perdas nas Instituições Financeiras.


Simultaneamente verifica-se, em todos os setores de atividade ligados ao imobiliário, um excedente de capacidade produtiva instalada e naturalmente envolvendo também os técnicos que se dedicam à avaliação imobiliária, cujo número continua a exceder muito, as necessidades atuais.

Nesse mesmo período o Estado procedeu a uma “Avaliação Geral do Património Imobiliário” de forma a atualizar e uniformizar a base de incidência para aplicação da tributação do Imobiliário.

A convergência temporal deste esforço de uniformização e atualização de valores Patrimoniais, com a crise profunda que afetou o país, criou um grande número de situações em que os valores Patrimoniais atribuídos, no âmbito da referida avaliação geral do património, excederam imenso os valores de venda, no reduzido número de transações que se verificavam, com especial incidência nos terrenos urbanos.

Naturalmente que, como em todas as situações de crise, emergem em primeiro lugar, os setores com maior apetência na criação de valor. Assim, o relançamento recente da atividade imobiliária ligada ao turismo, com destaque para o centro das principais cidades do país levou à reabilitação de inúmeros imóveis.

Efetivamente, Portugal apresenta claríssimas vantagens competitivas, neste setor, no quadro dos Países Europeus e não só, no que respeita à atividade turística em geral e ao Turismo Residencial em particular, pelo que este setor tomou a dianteira na retoma do setor imobiliário e no regresso da indústria da construção a um nível de atividade significativa, em Portugal.

Também outros “nichos de mercado” se abriram, ligados à habitação de qualidade, tendo como alvo a venda a cidadãos estrangeiros (maioritariamente oriundos da China).

Como consequência deste processo existem já zonas, das nossas principais cidades, com empreendimentos de qualidade, em que o mercado voltou a funcionar de forma equilibrada e em que a deflação deixou de se registar.

Tendo estes equilíbrios resultado também, de uma significativa componente da procura externa, registaram-se algumas situações em que as transações verificadas, não têm sustentabilidade fora deste enquadramento, pois uma parte excessiva do valor de transação, corresponde ao pagamento do “processo” de intermediação, com recurso a intervenientes exteriores, não “regulados”.

Naturalmente que se espera que a atuação conjugada das entidades de regulação, com a diversidade das localizações que vão emergindo, reduzam a incidência de valores artificialmente elevados, que a curto prazo se revelariam um fator negativo para a imagem do país.

De uma forma não exaustiva, refere-se seguidamente a influência da avaliação imobiliária nos principais setores que a ela recorrem e indicam-se quais os problemas que esta enfrenta, a curto prazo, em cada um dos casos analisados:

1. Na interação com os novos produtos imobiliários e novos conceitos resultantes, quer pela Atividade Industrial, quer da Atividade Promocional.
Partindo de um enquadramento, em que uma grande parte do mercado imobiliário ainda se encontra em forte desequilíbrio, há que valorizar novos produtos e novos conceitos em que o principal fator explicativo da criação de valor e do sucesso, é a capacidade de inovação e de condução de empreendimentos de forma diferenciada.

Efetivamente, numa fase de relançamento da atividade imobiliária, são as empresas e os empresários que fazem a diferença, e portanto os principais fatores que explicam a Criação de Valor e o sucesso dos empreendimentos e a avaliação imobiliária deve refletir essa nova perspetiva (na medida do possível).

2. No sistema financeiro.
A generalidade das nossas Instituições Financeiras debatem-se com inúmeros problemas entre os quais, um número ainda muito significativo de imóveis construídos que terão de ser colocados no mercado, com perdas significativas em alguns casos, mas que entretanto têm de se tentar preservar.
Por outro lado e com uma gravidade provavelmente muito maior, uma enorme quantidade de terrenos, que não tendo qualquer possibilidade de colocação no mercado no curto/médio prazo, carecem de uma valorização adequada, equitativa e justa.
Ora o excesso de áreas urbanizáveis, a diminuição demográfica e a sobrevalorização vinda do passado, face a critérios que a situação da crise generalizada obriga a corrigir, conduz a uma difícil valorização enquadrada no destino que estava previsto para essa enorme quantidade de terrenos, para os quais se torna necessário ter uma política que tenha em conta quer a recente “Lei de bases gerais da política pública de solos”, quer as regras a que as Instituições Financeiras estão obrigadas.
Ora a política de valorização deste imenso número de ativos não pode (ou não deve) ser deixada ao arbítrio casuístico da análise de cada caso.
Naturalmente que se torna necessário analisar as diferenças, mas a valorização desta quantidade enorme de terrenos, necessitaria de um enquadramento global, assente numa política nacional de desenvolvimento e atracão para o país de novas atividades e novos cidadãos, que permitam utilizar estes ativos de forma criativa e geradora de valor para o país.
A avaliação imobiliária, em ambas as situações referidas anteriormente, em que a oferta excede largamente a procura, encontra problemas dificilmente resolúveis no curto prazo.

3. Na tributação do Imobiliário
A criação, por iniciativa do Estado de um sistema de convergência dos valores dos imóveis, partiu da premissa de que um modelo com um número reduzido de variáveis, aplicado a todo o país, tornava este objeto possível.
Não questionando agora a razoabilidade dessa opção, importa corrigir as situações de clara incorreção entre o resultado da avaliação de iniciativa do Estado e a realidade atual (o que vem sendo atenuado pelo adiamento, no caso dos particulares, da tributação, na totalidade com, base nos novos valores patrimoniais).
Ora não parece razoável que sejam os particulares a assumir o ónus de promover a alteração das situações de clara incorreção e em que, da revisão a efetuar, resulte uma redução dos valores patrimoniais antes atribuídos.
Não sendo questionáveis os objetivos de justiça e equidade dos valores de base da tributação, torna-se imperativo corrigir as incorreções graves.

4. No apoio às decisões judiciais
Tem-se verificado recentemente uma melhoria decorrente da qualificação dos peritos judiciais, mediante formação interna, no âmbito do Ministério da Justiça e com o apoio da Ordem dos Engenheiros e da Ordem dos Arquitetos.
Este processo tem forçosamente que continuar pois ainda não estão extintas as consequências da forma como no passado se inferia sobre transações de valor insignificante para universos de dimensão incomparavelmente maior. Assim, em processos de excecional complexidade e onde estejam em causa valores ou responsabilidades muito elevadas, a graduação dos peritos em vários níveis seria desejável.

Os problemas anteriormente identificados justificariam a existência de uma entidade de coordenação de todos os setores que recorrem a avaliações imobiliárias e à hierarquização das empresas e dos técnicos que atuam num ou em mais setores.

Naturalmente haverá que respeitar as particularidades de cada setor, mas terá de existir uma entidade de coordenação que articule as diferentes medidas que venham a ser tomadas.

Efetivamente se assim não for, como explicar que diferentes critérios sobrevalorizam imóveis para determinação da carga fiscal, mas que não encontram qualquer suporte nas transações efetuadas, nomeadamente pelas instituições financeiras?

Por outro lado, como aceitar que o grau de preparação, experiência profissional e conhecimento do mercado, sejam idênticos quer para arbitragens em que estão em causa valores muito reduzidos, quer em processos que envolvam valores muito elevados?

A certificação da Qualidade das empresas, quer através da Norma ISO 9001, quer através dos requisitos dos organismos nacionais (CMVM) e internacionais (RICS, TEGoVA…) constituem um quadro que permite identificar as melhores empresas e os melhores profissionais.

Entretanto, a intenção da Entidade de Supervisão do Sistema financeiro (Banco de Portugal, CMVM e Instituo de Seguros de Portugal) de regular a avaliação imobiliária foi tornada pública, num documento, que embora não isento de reparos, constitui um excelente trabalho, do qual infelizmente não se conhecem posteriores desenvolvimentos.

Por essa ou outra via, as melhores empresas e os melhores técnicos, que se preocupam em melhorar a sua formação e desempenho, poderiam ter garantia que, existirão condições mínimas de acesso e manutenção na atividade e se premiará o mérito de forma não aleatória ou casuística.

Por Fernando Neto, Administração da Neoconsul, SA

artigo publicado na revista "PONTOS DE VISTA" a 21 de Março de 2015

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