20 agosto 2016

Alterações no regime do IMI vão resultar num novo aumento de impostos


O mecanismo de progressividade no IMI, com referência ao património imobiliário globalmente detido pelo contribuinte, faz com que a taxa aplicável seja maior (mais do que proporcional) em função do aumento da base tributável em causa. Pode-se estar perante o fim do Imposto Municipal sobre Imóveis, tal como hoje é conhecido, e perante novo aumento de impostos, a pretexto de uma maior justiça fiscal, que a mesma não requereu, defendem os fiscalistas do gabinete de advogados RFF.


A alteração ao IMI propõe a progressividade nas taxas aplicáveis, o que implica que sejam mais elevadas à medida que aumenta o valor patrimonial tributário do imóvel em causa. Contudo, caso o contribuinte seja proprietário de mais do que um imóvel, serão somados os respetivos valores patrimoniais tributários e ao resultado aplica-se a respetiva taxa. “Esta medida espelha uma segunda alteração estrutural do imposto, tendo em conta que se passa a contemplar o património imobiliário no seu todo para efeitos de aplicação de taxa. A opção pela progressividade e pela tributação do património imobiliário, globalmente considerado, se é certo que colide com o princípio do benefício, conflitua também com o princípio da capacidade contributiva.”

Consideram os fiscalistas da RFF que a realidade imobiliária é de tal forma díspar que inúmeras situações são admissíveis, nomeadamente em que dois sujeitos passivos, com igual património imobiliário, detenham “capacidade contributiva” totalmente diferente, sendo que o pagamento do imposto depende mais do rendimento do que do património detido. “As alterações em curso terão, certamente, também de ser acompanhadas de cláusulas antiabuso, pelas possibilidades de planeamento que se anteveem. No caso de um contribuinte proprietário de vários imóveis, por exemplo, os distribuir pelos membros da família ou constituir sociedades a que aloque os imóveis, assim reduzindo a fatura do imposto a pagar.”

“Revolução” na estrutura atual do imposto

A concretização de uma tributação global do património imobiliário com taxas progressivas, em sede de IMI, configura “verdadeira revolução na estrutura atual do imposto e do sistema fiscal português, que terá também reflexos ao nível do Imposto do Selo, antevendo-se o fim da Verba 28 da respetiva tabela geral”. Caso tal aconteça, em face da introdução da tributação global do património imobiliário com progressividade, será necessário definir como se vai proceder em relação à perda de receita estadual que lhe estará associada e quanto à harmonização com o novo regime de IMI a implementar, uma vez que, em termos do Imposto do Selo, estamos perante um imposto de receita estadual, ao contrário do que sucede na receita municipal do IMI.

Adianta a RFF que, na estrutura atual, a escolha da taxa aplicável por parte dos municípios choca com a previsão de taxas progressivas a aplicar ao património imobiliário, globalmente considerado, bastando para tal imaginar-se a dificuldade prática de determinação da taxa, no caso de um contribuinte ser proprietário de imóveis localizados em vários municípios. Mais ainda relativamente à receita, que terá também de ser distribuída pelos vários municípios. No global será bem maior, o que soma ao aumento recente, decorrente da atualização dos valores patrimoniais e que, também algo incongruentemente, pretendeu plafonar através do recurso à reposição da cláusula de salvaguarda.

A solução prática seria verificar o peso do valor patrimonial tributário de um imóvel localizado em determinado município no património imobiliário global, distribuindo o imposto arrecadado em função dessa percentagem. No entanto, admitem aqueles fiscalistas: “Uma solução desta natureza obstaria à manutenção da liberdade de conformação da taxa concreta a aplicar por cada município. Uma vez que – existindo dois municípios a aplicarem taxas diferentes – a situação de múltiplos imóveis em diferentes municípios com taxas distintas aplicáveis implicaria a verificação do valor patrimonial tributário total para a descoberta da escala correspondente, a verificação da taxa aplicável em cada município, a liquidação do imposto devido com base no património imobiliário total à luz da taxa aplicável em determinado município e o cálculo do montante do imposto liquidado correspondente da cada município, aferindo-se a percentagem correspondente aos imóveis existentes em cada um deles.”

Proibição de execução fiscal da habitação própria e permanente

Os fiscalistas da RFF, ainda no âmbito do setor da habitação, analisaram também a nova legislação referente ao impedimento de execução fiscal da habitação própria e permanente, concluindo que se pretende proteger a casa de moradia no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel. “Pretende-se assim proteger um direito essencial dos cidadãos, com maior relevância social no caso do direito à habitação, posto em causa quando, num processo de execução fiscal, a habitação é objeto de venda judicial por iniciativa do Estado, por vezes em razão de quantias irrisórias, face ao valor do imóvel.”

Mas há uma outra perspetiva que deve ser tida em conta com esta alteração legislativa. Afinal, trata-se do reconhecimento por parte do Estado que existe pouca eficácia prática na venda de bens hipotecados, “uma vez que a grande maioria dos imóveis objeto de cobrança coerciva se encontra hipotecada em favor de entidades bancárias, gozando, como tal, de preferências de pagamento, à exceção das dívidas provenientes do IMI e do IMT”. O que significa que, na prática, o produto obtido com a venda se destinava ao pagamento do crédito garantido pela hipoteca, até ao seu limite, e só depois é que o Estado era pago quanto ao remanescente, que, na maioria das vezes, se revelava inexistente. De notar que se excluem desta salvaguarda as habitações de elevado valor tributário para evitar que contribuintes com avultado património recorram intencionalmente a este regime.

Os efeitos desta nova legislação são claros. Pretende-se evitar os despejos ordenados no âmbito de execuções fiscais, mas não é travada a venda da habitação, no âmbito de execuções hipotecárias, por iniciativa de instituições bancárias. “O diploma permite ao fisco penhorar a habitação própria e permanente do devedor, mas com reduzidos efeitos práticos em relação ao contribuinte executado, uma vez que o Estado fica impedido de proceder à sua venda. Todavia, a penhora garante o direito de crédito do Estado perante terceiros credores posteriores. Os devedores podem ficar na habitação enquanto a dívida permanecer.

Convém referir que, se a habitação tiver sido comprada com recurso a empréstimo bancário a morada de família já não fica inteiramente protegida pela atual lei, caso a iniciativa do processo parta de uma instituição financeira. Adianta a RFF a este propósito: “Havendo pagamentos de empréstimos em falta, as novas regras das penhoras não travam a possibilidade de os bancos avançarem com a execução da hipoteca e procederem à venda do imóvel, uma vez que a nova lei apenas se aplica a processos de execução fiscal instaurados por iniciativa da Autoridade Tributária.”

Executado constituído depositário do bem

A lei prevê que numa penhora ou execução de hipoteca, “o executado é constituído depositário do bem, não havendo obrigação de entrega do imóvel até que seja concretizada a venda do imóvel”. Nas vendas desencadeadas pela banca é reduzida ou mesmo nula a possibilidade de recuperação dos montantes em dívida por parte do fisco. Apenas as dívidas de IMI e IMT se sobrepõem, por força dos privilégios creditórios, às dívidas das instituições bancárias garantidas por hipoteca.

No entanto, a RFF chama a atenção para o facto de a AT não perder ou ficar diminuída no seu direito de cobrar dívidas fiscais, “uma vez que o prazo de prescrição da dívida tributária fica suspenso durante o período de tempo em que a Autoridade Tributária se vê impedida de realizar as diligências necessárias para a realização da venda do imóvel, retomando-se após a cessação deste”. Assim, o prazo prescricional mantém-se, sustando-se apenas a sua contagem enquanto durar o período de impedimento legal à realização da venda executiva (ou qualquer outro facto suspensivo).

Aliás, o regime vai até mais longe nesta matéria. É que, não podendo vender o imóvel, existindo outros bens do executado, a Autoridade Tributária poderá tentar cobrar o montante em dívida através da penhora daqueles, mantendo-se, no entanto, a penhora do referido imóvel.

Fonte: Vida Económica

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