11 junho 2012

Opinião: Reestruturação do crédito à habitação. Qual a Solução?


 Por Sofia Gomes da Costa*

O sobreendividamento das famílias – aliado à crise económica, ao aumento de custos dos serviços públicos em resultado do esforço de consolidação orçamental e ao desemprego – tem dificultado o cumprimento dos contratos de crédito, situação que reveste especial gravidade dado que o número de famílias com crédito hipotecário é muito elevado e, na maioria dos casos, trata-se da habitação permanente e única da família.

À imagem do que já aconteceu em Espanha, urge adoptar medidas que protejam as famílias em situação económica difícil e evite uma degradação social radical difícil de reverter. Por essa razão, está hoje em discussão um Projecto de Lei (PL) que, embora baseado na legislação espanhola, contém inovações positivas, desde logo o seu carácter imperativo para os bancos nos casos dramáticos (em Espanha depende da adesão dos bancos).

No âmbito das medidas de reestruturação, o PL prevê a apresentação pelo banco ao mutuário de plano de reestruturação da dívida que pode incluir: (i) carência de amortização de capital por período de entre 18 meses e 4 anos ou carência de amortização de capital e juros por período de entre 6 e 18 meses; (ii) alargamento do prazo de amortização do empréstimo, o qual deve permitir que o financiamento se encontre liquidado antes de o mutuário atingir 75 anos e (iii) a redução dos juros para Euribor + 0,25% durante a carência. Neste aspecto, a lei espanhola é mais favorável aos bancos, na medida em que apenas prevê carência na amortização do capital e limita o alargamento do prazo até um total de 40 anos desde a concessão do empréstimo.

Quanto aos requisitos de aplicabilidade, em particular a definição de "situação económica muito difícil" o PL é mais abrangente que a lei espanhola, já que esta última exige que nenhum dos membros do agregado familiar receba rendimentos do trabalho ou de actividades económicas, enquanto o PL requer que apenas um dos membros se encontre em situação de desemprego e/ou o agregado tenha sofrido uma significativa redução do RABC.

Quanto a medidas complementares (facultativas para os bancos), tanto o PL como a lei espanhola prevêem que o mutuário possa solicitar ao banco a aceitação de um perdão parcial do capital.

Por ultimo, o PL prevê medidas substitutivas, as quais têm por efeito extinguir as obrigações do mutuário no âmbito do contrato e são aplicáveis caso o mutuário renuncie à aplicação de medidas de reestruturação e complementares ou o banco não pretenda aplicar medidas complementares ou, ainda, se o mutuário incumprir qualquer das medidas estabelecidas ou das suas obrigações ao abrigo do contrato.

As medidas podem revestir as modalidades de: (i) dação em cumprimento do imóvel hipotecado, com ou sem arrendamento ao mutuário, da mesma ou outra habitação (esta última apenas em determinadas condições); (ii) alienação do imóvel a FIIAH, com arrendamento e opção de compra a favor do mutuário e entrega a título de dação em pagamento ao banco das correspondentes UPs; ou (iii) permuta por habitação de valor inferior, com revisão do contrato de crédito e redução do capital em dívida no montante da diferença de valor entre as habitações.

Mais uma vez, o PL foi além do previsto na lei espanhola, que limita a aplicação destas medidas apenas ao caso de inviabilidade das medidas de reestruturação e complementares e apenas prevê uma das modalidades - dação em cumprimento.

Assim, não obstante Espanha ter sido pioneira nesta matéria, o PL cria um regime com um âmbito de aplicabilidade mais alargado (protegendo famílias que a lei espanhola deixa de fora) e prevê medidas de substituição mais extensas e aplicáveis mesmo em caso de incumprimento pelo mutuário.

*Sócia da área de Prática de Direito Imobiliário da PLMJ

Fonte: Económico

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