05 julho 2012

Moradores de habitação social podem vir a perder a quase totalidade do RSI


Bairro de Contumil, no Porto, que pertence ao Instituto de Habitação
Valor da renda técnica dos apartamentos, que é comparticipada pelas entidades públicas, passa a ser considerado como receita das famílias para cálculo do Rendimento Social de Inserção.

A mudança está a passar despercebida mas deverá afectar milhares de beneficiários de Rendimento Social de Inserção (RSI) que vivem em habitação social: agora, morar numa casa municipal, por exemplo, é uma forma de rendimento, que se calcula fazendo a diferença entre a renda técnica (o preço real da habitação) e a renda apoiada (o valor pago à câmara). 



O alerta foi lançado pelo presidente da Câmara de Matosinhos, Guilherme Pinto, com recurso a exemplos concretos como este: um indivíduo, desempregado, sozinho, recebe no máximo 189,52 euros de RSI; como paga 5,92 euros para morar num apartamento com um preço técnico de 176,58 euros, receberá 17, 94 euros de RSI assim que o Instituto de Segurança Social rever o seu processo e notar a comparticipação da autarquia de 170, 66. "Achamos que a lei é intolerável e que não se pode aplicar sob pena das pessoas não receberem nada", diz.

Ao ler o decreto-lei, Sérgio Aires, director do Observatório de Luta Contra a Pobreza na Cidade de Lisboa, nem queria acreditar: "As pessoas não vão ao supermercado com esses valores". "Já se multiplicam puxadas de água e luz, agora as pessoas vão deixar de pagar a renda", prevê Eduardo Vítor Rodrigues, investigador da Universidade o Porto.

A lei, em vigor desde o dia 1, parece clara. Considera rendimento qualquer subsídio de residência, subsídio de renda de casa ou apoio público "no âmbito da habitação social, com carácter de regularidade, incluindo os relativos à renda social e à renda apoiada".

Ontem, o PÚBLICO contactou perto de uma dezena de técnicos de serviço social que gerem processos de RSI e sobravam dúvidas. A maior parte estava a chamar as famílias para as ajudar a perceber quanto irão receber tendo em conta apenas outras alterações, como a diminuição do valor do segundo adulto (de 70 para 50 %) e de cada criança (de 50 para 30%).

Apenas os requerimentos tratados desde o dia 2 respondem às novas regras. Todos os outros beneficiários só sentirão a mudança quando forem chamados, de forma gradual, a fazer prova das suas condições económicas para aceder à medida, o que implicará agora a entrega de recibos da renda.

"No anterior regime os valores das rendas sociais e apoiadas já eram considerados para efeitos de cálculo da prestação RSI", esclarece o assessor do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social, por e-mail. Só que as contas eram diferentes: descontava-se 15,45 euros a quem tinha habitação social há menos de um ano; 30,91 euros há dois e 46,36 há mais de três.

Remetendo para uma "portaria a publicar dentro de dias", não quis entrar em detalhes. Lembrou que a medida vem "na linha do Programa de Governo", que defende um "cálculo conjunto de todos os apoios públicos atribuídos às famílias". Com a alteração, pretende evitar "duplicações de financiamentos públicos".

O assessor escusou-se a comentar casos concretos, como este: uma mãe com uma filha menor, desempregada, pode aspirar a um RSI máximo de 246,40 euros; como esta paga cinco euros para viver num apartamento com um preço técnico de 176,58 euros, receberá 74,82 euros de RSI. Preferiu dar este exemplo: "Quando o valor do preço técnico coincide com o valor da renda paga pelo beneficiário, não há qualquer comparticipação do Estado, anteriormente era sempre considerado um valor que podia ir até 46,36 euros".

O preço técnico dos apartamentos varia de bairro para bairro. No Ilhéu, No Porto, um T3 vale 277,75. E basta isso para reduzir uma família com dois adultos e duas crianças a um RSI de 146 euros. Para Sérgio Aires, isto é "meio caminho andado para acabar com a medida". Enquanto cai a prestação, exige-se mais contrapartidas ao beneficiário, que até pode ser chamado a prestar serviço à comunidade. "Por cinco euros, vai apagar fogos?", ironiza. Parece-lhe que todo o país perde: "Não combate a pobreza."

Eduardo Rodrigues não podia estar mais de acordo: "Transformam-se as prestações sociais em favores. As políticas sociais são também actos de dignificação das pessoas." A ideologia comanda, acusa Fernando Diogo, da Universidade dos Açores. "O RSI é um ódio de estimação do PP. Só não acabam com ele porque não podem", diz, indicando uma contradição que, em seu entender, deve fazer pensar: as medidas de acesso apertaram em 2010 e tornaram a apertar agora e o número de beneficiários cresceu.

Fonte: Público

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