17 outubro 2012

Miguel Palmeiro: "O negócio imobiliário no Brasil continua com pouca alavancagem, o que afasta o medo da bolha"


Os negócios no imobiliário comercial no Brasil continuam a ser feitos com capitais próprios e com o sistema de permuta, o que permite construir com pouca alavancagem. Miguel Palmeiro, responsável do Brazilian Desk da consultora CBRE, justifica o momento forte do setor no país, onde não há espaço de escritórios disponíveis nem terrenos para novas construções.


Qual o papel da CBRE Portugal e da CBRE Espanha no Brasil? Como estruturam o negócio no país?
A plataforma Brazilian Desk foi criada há quase dois anos, dentro de uma iniciativa ibérica, a qual nasceu de uma necessidade de dar um serviço mais acompanhado às empresas portuguesas e espanholas que estão presentes no Brasil. Visa também trazer investidores, nomeadamente fundos institucionais brasileiros para a Europa, e em particular para a Ibéria. A ideia inicial era promover o mercado brasileiro nestes dois países no sentido de captar investimento e, simultaneamente, dar acompanhamento às empresas que já operam ou que têm interesses existentes no Brasil. Nesse sentido, a estratégia foi dar o foco ao cliente e atuar de acordo com a sua natureza. Os casos que temos são empresários com presença ibérica e que procuram ter uma presença no Brasil. Além do mais, foi feito um trabalho de mercado no sentido de estabelecer um relacionamento com as empresas ibéricas que estão a trabalhar no Brasil, com o objetivo de desenvolver negócio.

Funcionam com essas empresas dentro de um modelo próximo de uma parceria estratégica?
É, na verdade, uma parceria estratégica que assenta na utilização das plataformas existentes do lado dos escritórios da CBRE de Portugal e Espanha, com as equipas locais, sabendo da necessidade de interesses em entrarem no Brasil ou de, muitas vezes, como essas decisões são tomadas na sede de cada país - caso de uma mudança de escritórios ou de arrendamento de uma nova área de logística, ou de uma loja que pretende entrar no mercado brasileiro -, ou seja, são decisões tomadas em Portugal e em Espanha. Contamos com essas equipas nos dois países ibéricos para manter esse relacionamento com as empresas em causa. Na prática, essas empresas são recebidas por mim nos escritórios de São Paulo ou no Rio de Janeiro. Faço o acompanhamento em coordenação com os escritórios na Ibéria e em coordenação com o escritório local, e isto porque são as equipas locais, a nível de agência, que respondem. E, ou temos o produto pretendido para oferecer dentro do que estamos a comercializar, ou pode dar-se o caso de um pedido específico para ir buscar determinado ativo que vá ao encontro das necessidades imobiliárias dessa empresa. Por outro lado, na área de capital markets, sabemos que há interesses de fundos imobiliários ibéricos, mas essencialmente portugueses, de entrar no mercado, e, para isso, precisam de o entender e encontrar ativos. É nesse sentido que damos o apoio à equipa residente no Brasil, enquanto, na Ibéria, mantemos a relação.

A EDP e a PT são clientes no Brasil?
Essas empresas são o típico cliente com o qual trabalhamos.

Têm operações com estas companhias?
De momento não.

Dentro da área de investimento, que tipo de ativos procuram os fundos imobiliários portugueses? Com que yields?
Procuram essencialmente edifícios já construídos, em funcionamento, arrendados e com retorno. Procuram yields entre os 9 e os 10% nos escritórios. São valores superiores aos que procuram em Lisboa porque o Brasil ainda tem uma perceção de algum risco e oportunidades. Mas os fundos também procuram ativos core, mas têm uma dificuldade circunstancial de mercado. Os edifícios no Brasil, por força da falta de financiamento, foram tradicionalmente construídos em club deals ou em formato de permuta. O proprietário do terreno entra com o ativo, há uma construtora para a edificação, e o restante é completado com investidores que tenham alguma liquidez, que entram com dinheiro para a construção. A forma tradicional de realização de projetos passa pelo pré-arrendamento de 70% dos espaços e só depois se levanta o edifício. As taxas de juro para a construção estão atualmente num mínimo histórico de 7,5%, mas ainda são das taxas de juro mais elevadas do mundo, e a forma de conseguirem construir foi juntar várias entidades. Quando um fundo chega tem de negociar com dez, 20 ou 50 proprietários. Lembro-me de uma firma espanhola em concreto que queria, no contrato de arrendamento, ter direito de preferência sobre o andar de cima ou de baixo, e a resposta veio com a indicação de que o senhorio era apenas proprietário daquele andar e, se quisesse avançar com essa garantia, teria de falar com o proprietário de cima e/ou com o de baixo. Para os fundos é algo que é operacionalmente difícil porque, eventualmente, conseguem comprar duas frações e o terceiro senhorio não quer vender, tornando complicado, ou inviabilizando, essa entrada. A tendência é que isso mude. Assistimos a players brasileiros com grande capacidade financeira, sendo que são os principais investidores no país, que envolve fundos, bancos e as incorporadoras. Estas têm muita liquidez depois das IPO.

Qual a realidade dos shoppings em termos de yields?
Temos um grande player português no mercado, que está muito ativo e que se encontra entre os principais intervenientes no Brasil, onde é muito difícil de entrar. Temos tido contacto - até por força da relação europeia e da ligação entre escritórios - com algumas empresas de grande porte, que querem entrar e, até ao momento, não conseguiram. Este mercado está fechado a sete ou oito players, sendo que as empresas brasileiras são muito fortes. Há a figura do direito de preferência, com alguém dos presentes no grupo que, desde que tenha 25% do capital, preenche o espaço, evitando que os concorrentes diretos tenham uma percentagem maior. Há um forte protecionismo de quem tem mais market share nos centros comerciais. Onde vemos alternativa às grandes urbes é nas cidades satélites de São Paulo, com 600 mil a 700 mil habitantes e que têm um background industrial e agroindustrial - nomeadamente, via a cana do açúcar, muito forte. Nestas zonas, há espaço para novos centros comerciais. Julgo também que haverá espaço, num retrato mais global, no nordeste, uma área do país em franco desenvolvimento. Haverá ainda espaço para novos formatos, caso de outlets. São conceitos que estão a começar a entrar no Brasil. Por outro lado, a perspetiva do investidor raramente é esperar quatro ou cinco anos para ter um espaço construído de raiz. Prefere implantar a bandeira de imediato e depois desenvolver. Em São Paulo, ainda há uma questão ligada com licenças, que levam bastante tempo. Ainda recentemente, tivemos o caso do JK Iguatemi, que deveria abrir em abril e foi inaugurado em julho, devido a contrapartida de ruas, realização de um viaduto e outros items. Logo, é preciso ter em conta a parte de licenças no momento do investimento. Relativamente às yields, dependerá de cada projeto, mas estaremos a falar de uma média de cerca de 10%.

A área da hotelaria é procurada por investidores portugueses?
É de grande procura por parte de investidores ibéricos, sobretudo no plano urbano, onde, no caso de São Paulo, não está a ser construído nenhum hotel e onde temos uma média de ocupação hoteleira que chega aos 65 a 70%. E não está a ser construído qualquer hotel porque os terrenos disponíveis atingiram um valor de mercado em que o retorno é muito maior se for feito no residencial ou num edifício de escritórios. Estamos a ver, em alternativa, alguns empreendedores a procurarem projetos mistos, onde já existe um centro comercial e, se tiver potencial construtivo, a opção é desenvolver um hotel, ou em terrenos de maior escala e que ficam mais afastados do centro da cidade, em que se faz projetos mistos de escritórios e hotelaria. Há uma forte presença espanhola, sobretudo via o grupo Meliã, em hotéis urbanos, principalmente em São Paulo. O português Tivoli também está consolidado nesta cidade. Mas também há uma boa presença portuguesa, sobretudo no Rio de Janeiro, com o Porto Bay e o grupo Pestana, que estão consolidados. Temo, num segundo plano, a área de desenvolvimento dos resorts no nordeste. Há grupos como o Tivoli, a Iberostar, o Vila Galé e algumas empresas espanholas, que compraram terrenos nos anos de 1990. No plano dos resorts, haverá casos, pela proximidade das cidades, e falo em médias de 30 Km, que começam a ter uma visibilidade de primeira residência, e isto porque as cidades estão bastante mais caras, a par de mobilidade e segurança. Por outro lado, assistimos a áreas como o complexo portuário de Suape, no Recife, que será um porto logístico vocacionado para o petróleo, e zona franca, bem como o porto de Pecém, em Fortaleza, que está a crescer muito como uma das principais infraestruturas de saída para setores como o calçado, mas que também será a região onde se fará uma fábrica de transformação de aço. Esta unidade resulta de uma parceria entre a brasileira Vale do Rio Doce e duas sul-coreanas, a Don Kuk e a Posco, e trará para a região cerca de 23 mil postos de trabalho. Estas áreas de resorts terão uma nova valia com estes empreendimentos, passando a ter uma visão de primeira residência. É uma alternativa aos puros resorts, que muitas vezes são produtos parqueados, e isto porque aquele pressuposto inicial dos empreendedores que teriam 80% de ocupação por clientes europeus e o restante por brasileiros foi algo que acabou por nunca se concretizar.

O Brasil continua a receber poucos turistas...
O país recebe cerca de 5 a 6 milhões de turistas anualmente. Sendo que o primeiro óbice que impede um crescimento acelerado estará na forma como é vendido o turismo brasileiro no exterior. Talvez valesse a pena focar numa região a venda do produto Brasil e não espalhar por milhares de quilómteros de costa, considerando só o nordeste. No entanto, os dois grandes eventos que ainda aí vêm (Mundial de Futebol de 2014 e Jogos Olímpicos em 2016) irão colocar o país na agenda dos operadores e alterar-se-á o Brasil como destino para os europeus. Isto leva-nos à questão das infraestruturas. O país precisa de mais obras e o campeonato de futebol e as olimpíadas vão atuar como catalisador na realização dessas infraestruturas que há muito fazem falta.

O Brasil está ou não próximo da "bolha" imobiliária?
Temos de ver a questão da "bolha" em dois níveis. Do ponto de vista empresarial, o Brasil não está próximo de uma "bolha" imobiliária porque os negócios são realizados com muito pouca alavancagem financeira. São feitos via capitais próprios ou através do sistema de permuta, o que ajuda na sustentabilidade dos empreendedores. Sabemos que começa a haver alguma construção especulativa, mas normalmente os edifícios são levantados depois de grande parte já estar vendido, o que significa que a construção se autofinancia com as compras dos futuros ocupantes dos imóveis, quer sejam projetos residenciais ou comerciais com pré-arrendamentos. Estes mecanismos acabam por permitir efetuar a securitização das operações como mecanismo alternativo de financiamento. Um dado relevante é que nada é feito 100% financiado por um banco. Essa sustentabilidade existe. Por outro lado, o Brasil tem uma dívida total sobre o PIB de 42,5%, sendo que apenas 5% é dívida imobiliária. Ora, se compararmos com países ou regiões onde a "bolha" imobiliária aconteceu, vemos que havia casos acima dos 60% de dívida sobre o PIB e alguns ultrapassaram mesmo os 100%. Com estes números não vemos, de momento, sinais de "bolha". Acresce o facto de que, por força da dificuldade de acesso ao financiamento, com taxas de 7,5%, não há uma procura mais forte. No entanto, esta tendência está a alterar-se, e isto porque a baixa da taxa de juro, que tem vindo a acontecer, estimula o consumo e, caso o país consiga controlar a inflação, que é sempre o receio do Brasil, a procura irá manter-se. No caso dos escritórios em São Paulo, que têm cerca de 12 milhões de m2 de espaços, constata-se que é exatamente igual ao volume da oferta de Madrid. Se pensarmos que São Paulo tem 12 milhões de habitantes, o que compara com os 4 milhões de Madrid, e a Grande São Paulo terá 20 milhões, contra 6 milhões de habitantes da Grande Madrid, concluímos que a proporção de metro quadrado por habitante é de 1 para 1. Por outro lado, de acordo com a identificação da CBRE, os escritórios com ar condicionado central são 50% desse valor. De facto, estamos a falar de cerca de 6 milhões de m2 de escritórios com qualidade mínima em São Paulo. Nos edifícios "triple A", que têm sido construídos e são muito influenciados pelos norte-americanos, há uma forte preocupação em as certificações energéticas, caso da Leed (leadership in energy and enviromental design for commercial interiors) e da Aqua (alta qualidade ambiental).

Como está a evoluir a logística?
Está a começar com uma dinâmica de construção e de entrada de players internacionais. Estão a ser criados parques industriais com as medidas standards internacionais, com 11 metros de pé direito, seis toneladas de piso e todo um conjunto de serviços que anteriormente não existiam. Estes parques não existiam porque a proporção de empresas que são donas do próprio armazém logístico para as que o terceirizaram é de 80% para 20%, enquanto na Europa é de 50%/50% e nos EUA é de 20%/80%. Estamos a olhar para um mercado que tem um parque industrial que é também relativamente baixo em termos de qualidade, mas que está a começar e crescer no sentido de virem a ser criadas infraestruturas que dão resposta às ocupações internacionais, começam a entrar também os operadores logísticos internacionais de uma forma mais forte e porque as exigências de logística são cada vez maiores. O consumo doméstico continua a sustentar a economia e isso leva a que a eficiência logística seja cada vez maior. Também vemos que há claramente uma linha de crescimento sustentado, mais visível, nesta fase, em São Paulo. Começamos, por outro lado, a ver focos de desenvolvimento no Rio de Janeiro. As zonas francas que foram criadas, caso do Suape ou Porto do Pecém, virão naturalmente a ter este desenvolvimento em termos naturais.

E sobre a "bolha" imobiliária?
Relativamente à "bolha imobiliária", direi que o mercado ainda tem sustentação, ainda tem argumento, ainda tem uma procura e uma dimensão, em que partimos de uma base muito baixa que nos dá a sensação de aquecimento muito forte, mas o potencial de crescimento ainda existe. São Paulo está esgotado, mas não totalmente, porque as empresas ainda têm uma ocupação relativamente pequena, começando agora a ter uma ocupação maior. E com a existência do novo stock de metros quadrados que serão construídos ao longo dos próximos anos, a tendência será de estabilização. Hoje temos uma taxa de disponibilidade de 5 a 6%, que é muito baixa, já que normalmente estaríamos a falar de uma taxa de equilíbrio entre os 10 e os 12%.

O projeto público "Minha casa, minha vida!" não tem influência, já que se trata de puro mercado residencial de nível médio baixo?
Trata-se de um projeto habitacional de âmbito social e que arrancou durante o período do presidente de Lula. Foram identificados 12 milhões de casas em défice e terão sido entregues, até hoje, cerca de 1 milhão de habitações. É um programa que vai permitir que famílias que viviam em estruturas de favela passem para uma casa dentro de um projeto estruturado, para além de passarem a ser os donos, com financiamento concedido pela Caixa Económica Federal. Essencialmente, são imóveis com técnicas e construção alicerçadas na pré-fabricação. A margem do negócio está na construção e no volume, já que o preço final por mestro quadrado está definido. Na situação atual de quase pleno emprego no Brasil, os residentes passaram a ter capacidade para pagar a hipoteca.

Fonte: OJE

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