28 janeiro 2013

Finanças discriminam casais na tributação de mais-valias de imóveis


Provedor de Justiça considera que as Finanças estão a ir além do que a lei prevê sempre que está em causa a venda de um imóvel propriedade de apenas um dos membros do casal. Nesse caso só isentam de IRS metade das mais-valias.

Imagine-se o seguinte exemplo: um casal de contribuintes, marido e mulher, vive desde que casou numa casa que havia sido adquirida, antes do matrimónio, apenas pela mulher. Decidem vender essa casa e utilizar os 45 mil euros de mais-valias conseguidas no negócio para investir num novo imóvel No momento de apresentar o IRS inscrevem essa informação na respectiva declaração, convencidos de que o valor das mais-valias, por ter sido reinvestido, não será sujeito a IRS, tal como prevê a lei, uma vez que a nova casa se destinava também a habitação própria. A surpresa chegou com a nota de liquidação: as Finanças apenas consideraram isento de impostos metade do valorem causa - 22.500 euros -, sendo o restante sujeito a IRS. E não se tratava de um engano. O Fisco decidira assim, porque a casa vendida era propriedade de apenas um dos membros do casal.

O caso, verídico,chegou ao Provedor de Justiça, depois de várias insistências, sem sucesso, junto das Finanças, para que a isenção fosse considerada pela totalidade do valor. Alfredo José de Sousa deu razão aos contribuintes em causa, considerando que o Fisco está a levar em conta um requisito que na verdade não consta na Lei, ou seja, a exigência de que a casa vendida fosse propriedade de ambos os elementos do casal. Na sua opinião, é mesmo possível que estejamos perante uma inconstitucionalidade.

O código do IRS prevê que ficam isentos de imposto os ganhos conseguidos com a venda da casa de habitação do contribuinte ou do seu agregado desde que esses valores sejam reinvestidos "na aquisição da propriedade de outro imóvel". Perante isto, o contribuinte do nosso exemplo apresentou um recurso nas Finanças, mas a resposta foi negativa e o recurso indeferido. O passo seguinte foi um recurso hierárquico, para o director-geral da AT, e um "mail" à direcção de serviços do IRS de onde veio a explicação: a justificação é que o imóvel alienado "era propriedade só de um dos sujeitos passivos e que o novo imóvel é propriedade dos dois", pelo que "só se pode aceitar como reinvestida metade da diferença entre o valor de aquisição do novo imóvel e do crédito bancário para o efeito", ou seja, 22.500 euros.

"Bens levados pelo casal não se comunicam"
Seguiu-se a apresentação de queixa junto do Provedor de Justiça que também pediu explicações ao Fisco. O argumento base é o de que no regime de comunhão de adquiridos os "bens levados pelo casal não se comunicam" e, sendo este o caso, só poderá mesmo "como que ficionar-se um reinvestimento na aquisição da propriedade do novo imóvel com uma percentagem de 50%".

Os argumentos do Fisco não convenceram Alfredo José de Sousa. Em sua opinião, assentam, desde logo, "numa premissa errónea", a de que para estar isento, o valor das mais-valias terá de ser aplicado "numa habitação própria e permanente de que o sujeito passivo venha a ser único e exclusivo proprietário". Um requisito que, diz o provedor, não está na Lei nem dela se pode inferir. Nem faria sentido uma "discriminação negativa entre famílias, prejudicando com uma carga fiscal adicional um agregado familiar cuja anterior habitação fosse propriedade de apenas um dos elementos do casa". Daí, conclui o Provedor, a Lei nem sequer fazer referência sobre a titularidade do imóvel que constitui habitação própria.

"Nada autoriza" o Fisco a fazer a interpretação que faz, escreve Alfredo Sousa a José Azevedo Pereira. O Provedor sublinha que podemos estar perante uma "possível inconstitucionalidade da aplicação da norma" e pede que essa aplicação seja alterada e que nesse sentido sejam dadas instruções internas aos serviços.
Confrontado, o Ministério das Finanças não comentou o assunto.

0 QUE DIZ A LEI
De acordo com o artigo 10°, n.°s do Código do IRS, ficam excluídos da tributação os ganhos resultantes da venda da habitação própria ou permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que, num prazo de 36 meses, "o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino". Admite-se até que o novo imóvel seja fora do país, desde que num estado da União Europeia.

O QUE RESPONDE O FISCO
As Finanças entendem que, quando há um casamento - em regra no regime de comunhão de adquiridos - os bens levados pelo casal não se comunicam. Assim, se o imóvel vendido for propriedade apenas de um dos cônjuges - por ter sido adquirido antes do casamento - apenas 50% das mais valias podem ficar excluídas da tributação, ou seja, isentas de IRS. Neste caso, só poderá "como que ficionar-se um reinvestimento na aquisição da propriedade do novo imóvel com uma percentagem correspondente a 50%", responderam os serviços do IRS ao Provedor de Justiça.

O QUE DIZ O PROVEDOR DE JUSTIÇA
Alfredo José de Sousa cita fiscalistas como Rui Morais ou Casalta Nabais para contrapor que o Fisco, está a ir mais além do que prevê a própria Lei, que em nenhum sítio se refere sequer à titularidade do imóvel vendido, ou seja, não valorizando o caso de ser de apenas de um dos membros do casal. Até porque, alega o Provedor de Justiça, não faria sentido a lei prever "uma discriminação negativa entre famílias, prejudicando com uma carga fiscal adicional um agregado familiar cuja anterior habitação fosse propriedade apenas de um dos elementos do casal, relativamente àqueles agregados familiares cuja anterior habitação tivesse sido propriedade de ambos".
O Provedor admite uma "possível inconstitucionalidade" na aplicação da norma e pede que o Fisco reveja a sua interpretação.

Fonte: Negócios

0 comentários:

Enviar um comentário

Obrigado pelo seu comentário.