16 janeiro 2013

Gentrification ou a renovação dos centros urbanos



Recém-chegado a Lisboa, fiz uma visita ao LX Factory. Fiquei surpreendido. A dinâmica e o fervor estão no ar, a sensação de negócio eficaz e descomprometido é fortalecida pelas múltiplas atividades que ali têm lugar: restaurantes, bares e esplanadas, livrarias e quiosques, escritórios, ateliês, lojas... Só falta mesmo habitação... Mas, sendo uma operação a prazo, não se justificará. A oportunidade de dedicar um artigo à gentrification justificava-se.

Mas antes é oportuno aclarar este conceito - do inglês gentry (pequena-aristocracia), um processo habitual nas cidades que têm um rápido crescimento ou mudança. Prende-se com a incorporação de populações com mais recursos (gentry) em bairros ou áreas da cidade até à data ocupados por habitantes de outras classes económicas, sociais ou culturais (mais desfavorecidas).

Há inúmeros exemplos que podíamos dar em Lisboa, o mais clássico talvez seja a modificação do Bairro Alto, que começou com a movida noturna, depois adotou um determinado estilo de vida trendy, cultural e comercial, e evoluiu até à grande operação de habitação do Convento do Inglesinhos.

Estas operações de implosão urbana (ver Espaço Impudico de 16 de janeiro de 2011) procuram oportunidades de negócio imobiliário em determinadas morfologias históricas das cidades que tendencialmente se processam em mancha de óleo (Bairro Alto, Bica, Santa Catarina, Chiado, Príncipe Real, Cais-do-Sodré, Baixa, Castelo...).

Por outro lado, é conveniente alertar que a revitalização e reocupação de zonas centrais das cidades por novas populações com novos hábitos leva, frequentemente, a movimentos de raiz contrária. As populações primitivas, com a chegada dos primeiros gentries, não se rebelam. Já quando se altera significativamente o modus vivendi do bairro, começam as frequentes reivindicações. Ou porque as mercearias se transformam em bares, restaurantes ou galerias, ou porque sobem os preços. Mas o espanto vem quando, posteriormente, se passa outro fenómeno curioso... Os gentries insurgem-se contra o sentido que o bairro entretanto tomou: já não é o mesmo. É a nostalgia dum passado que já não existe; surgem movimentos replicados em franchising por várias cidades históricas (europeias) como Aqui viu gens/Aqui vive Gente; Volem un Barri digne; Berlim doesn't love you/Barcelona doesn't love you; entre outros.

A Barcelona pós-olímpica, por exemplo, soube renovar bairros obsoletos e com usos perversos como Gràcia, Eixample, Born e, mais recentemente, o Raval (este com a ajuda de planos públicos, nomeadamente com o esventramento duma vasta área para a construção de uma rambla), ou o Poble Nou (antiga zona industrial que se está a transformar paulatinamente num distrito do conhecimento/smart city).

Não podemos pedir à cidade a velocidade do objeto (arquitetónico). A evolução é lenta, rompe sem pressa entropias, adequa normas e legislações serôdias, fabrica administrações cultas e sofisticadas. E, apesar de tudo, cria emprego, riqueza e vida social e cultural em condições ambientalmente favoráveis. 

Por Guilherme Godinho, Arquiteto

Fonte: OJE

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