17 maio 2014

“Portugal foi rápido a lançar os vistos gold e é muito bom a publicitá-los”


Joachim Wrang-Widén, regional director para a Europa, Médio Oriente e África da Christie’s, considera que Portugal fez o trabalho de casa quando precisou de reestruturar as finanças públicas. Criou confiança e percebeu o impacto dos vistos gold, afirma o executivo, que aponta Itália como um exemplo negativo.

Tendo em conta a sua perspetiva global do setor, como considera que o segmento de residencial premium em Portugal se está a comportar face a anos anteriores?
Trabalho com 31 mercados, pelo que não sei com detalhe o que se passa em cada um deles, mas posso dizer que de momento está a acontecer uma mudança, com mais investimento do exterior no país, em parte devido ao programa dos vistos gold e em parte porque as pessoas estão a descobrir e a experienciar Portugal e têm mais confiança em comprar agora porque a crise está a acabar. Em termos de números, a Porta da Frente|Christie’s vendeu no último ano cerca de 50 milhões de euros a compradores do exterior – valor que há cerca de dois anos era impossível de concretizar.

Voltou a haver confiança no mercado português...
Sim, as pessoas aperceberam-se de que o mercado está a crescer de novo e que é tempo de regressar. E penso que também estão a descobrir que Portugal é diferente do que pensavam.

Os vistos gold são incontornáveis e têm desempenhado um papel importante nesta mudança...
Desempenham um papel importante, mas penso que não vão mudar o mercado por si só. Porque pode oferecer-se quantos vistos quiser, mas se o fundamental não estiver certo, as pessoas não vêm para o país. Por exemplo, se oferecer vistos gold para a Gronelândia, penso que não haverá muita adesão. Portugal tem muitos fatores a seu favor: a cultura; o clima, claro; ser facilmente acessível; tem a ligação com os países de língua portuguesa, que é um grande benefício. Mas o principal benefício para o país foi, quando se deu a crise, ter percebido rapidamente que tinha de atuar, e iniciou a reestruturação. Penso que Portugal foi mais rápido que outros países na União Europeia a lançar o programa dos vistos gold e tem sido muito bom a publicitá-los. A Itália, por exemplo, não está a ter tanto sucesso na promoção. Além de que Portugal foi muito transparente e facilitou o processo – a Inglaterra tem o programa há muitos anos, mas tem de se investir 10 milhões de libras (12 milhões de euros) em ações do Governo, quando se pode gastar muito menos dinheiro a comprar uma casa, permanente até. Ou seja, estão a atrair pessoas que de outra forma poderiam não visitar o país – maioritariamente chineses ou russos, que aproveitam a oportunidade de poderem passar a viajar dentro do espaço Schengen sem terem de estar a mostrar constantemente o passaporte. E, depois de fazerem a compra, descobrem que Portugal é muito melhor do que pensavam, e de uma a duas semanas por ano passam a estar no país um a dois ou três meses por ano. A experiência que temos na Porta da Frente|Christie’s é a de que as pessoas começam por alugar, depois compram algo intermédio, para em seguida adquirirem uma casa maior e estão mais tempo em Portugal.

Quem compra em Portugal não está então só de passagem...
Sim, não estão no país apenas porque têm dinheiro, mas porque são empreendedores, gerem empresas, criam oportunidades de emprego – é a entrada de sangue novo que de outra forma não existiria. Não é apenas a questão de vender apartamentos a estrangeiros que têm dinheiro para gastar, é os compradores ficarem no país e contribuírem para a sociedade com a criação de empresas. E não se deve descartar o interesse que as pessoas têm de ficar perto dos seus conterrâneos. Basta haver uma nacionalidade que compra uma casa, por exemplo, em Cascais, e em conversa com amigos ou vizinhos na terra natal comentar que gosta do local, os preços... É um fenómeno interessante – muitas vezes compra-se casa num local porque as pessoas à sua volta estão a comprar nessa localização. Como as pessoas começam a comprar num mesmo local e a passar lá mais tempo ou em período de férias, quem é do seu círculo e com as quais faz negócios começa a ter necessidade de também estar lá, num ambiente mais descontraído, sem seguranças, sem secretárias, e acaba por se encontrar no campo de golfe, no clube de ténis, nos eventos sociais, nas festas... com uma postura mais descontraída. Podem não fechar negócios, mas acabam por combinar reuniões para quando estiverem no país de origem.

É o networking a funcionar...
Exatamente! É o que se passa com muitos milionários russos – basta que um oligarca esteja num local, para que os restantes oligarcas, e o nível mais abaixo, comecem a frequentar esse mesmo local. É algo que temos visto em algumas partes das Caraíbas, em que, a seguir aos oligarcas, outros russos fizeram aquisições na zona, e muitos nem sequer têm possibilidades, mas é uma forma de ficarem com acesso ao topo e de poderem comentar que estiveram com este ou aquele. Nem é tanto a questão de se vangloriarem, mas de criarem oportunidades de negócio.

Há alguma nacionalidade a comprar mais em Portugal?
Há uma tendência natural de quem já tem uma ligação com o país, linguística ou culturalmente. Uma é óbvia, o Brasil, depois também há partes de África a comprar no país. Depois há alguns russos e chineses, o que é interessante. Sempre houve britânicos em Portugal, mais no Algarve que em Lisboa, e também no Porto devido ao setor vitivinícola. E também há a questão das pessoas que escolhem Portugal para desfrutarem a sua reforma, que têm bastantes benefícios em termos de impostos – para os suecos, por exemplo, é bastante atrativo. 

E estas pessoas acabam por investir dinheiro no país...
Sim. Muitas vezes até compram casas e depois querem adquirir espaços maiores – o que cria oportunidades de emprego, e acabam por trazer amigos, o que gera uma dinâmica comercial diferente. Por tudo isto, penso que o programa dos vistos gold foi uma estratégia muito inteligente. Mas as pessoas também ajudam – se não forem simpáticas, se for a um restaurante e o serviço for péssimo, não funciona. Pelo que o que o país também tem de bom é a população.

Quais são os vossos best sellers em Portugal?
Um produto com grande procura são as novas casas. E uma tendência que vemos em Portugal, e não só, são os apartamentos com serviços. Há uma aposta nos blocos de apartamentos com hotéis ao lado – em que, se não gosta de cozinhar, tem um evento ou está à espera de visitas, o hotel trata de tudo. Ou se está lá pouco tempo e quer fazer dinheiro com o apartamento, o arrenda. As pessoas querem capitalizar o investimento, e os novos empreendimentos tendem a aumentar o valor mais que os antigos, além de que têm características técnicas melhores, e com um hotel a prestar serviços torna-se mais conveniente. Com um novo empreendimento têm tecnologia que permite monitorizar o ativo no seu país de origem, em casa, no escritório, e tratar de tudo de forma remota, ou fazer uma coisa tão simples como ligar o ar condicionado antes de chegar.

Os apartamentos com serviços acabam por ser também um dos serviços mais solicitados à empresa?
Os compradores pedem cada vez mais serviços complementares – não basta ter uma casa com quatro quartos, uma cozinha bem equipada ou três casas de banho em mármore – qualquer um pode fazer isso. O que tem mais? – Tecnologia, a possibilidade de subalugar, lugares de estacionamento suficientes? Ficaria surpreendida com a importância do estacionamento. No centro de Londres, não conseguimos vender um apartamento de 15 milhões de libras (18 milhões de euros) porque não há espaços de estacionamento suficientes – porque as pessoas que podem pagar este valor têm três ou quatro carros que querem ter acessíveis sem ter de estar à espera. Muitas vezes são muito ricas e jovens, porque fizeram fortuna de forma rápida, e não querem esperar, querem tudo na hora. Daí que os serviços de concierge estejam em crescimento. E o setor imobiliário tem de operar de forma diferente. Quem está na cidade quatro vezes por ano não tem o conhecimento para saber o que se está a passar na altura, quais os sítios onde ir e afins – o concierge faz esse trabalho. Muitas pessoas pensaram, com a internet, que ia deixar de haver intermediários – que iam encontrar tudo o que queriam online. É verdade, encontra-se tudo, mas também muitos disparates, muita desinformação e muita informação – como avaliar que é de qualidade? É necessário um profissional para a interpretar. Penso que quem aconselha, em vez de só vender, é que terá sucesso no mercado imobiliário. Compra-se pela experiência, cada vez mais, sobretudo entre os mais jovens e muito ricos.

Em Portugal já se presta este tipo de serviços, com concierge incluído?
Está a chegar. Já se encontram apartamentos com hotel ao lado. É uma tendência que as pessoas ainda estão a descobrir.

Por comparação com os restantes mercados, como caracteriza Portugal, no que diz respeito ao segmento residencial premium?
O comprador recebe o valor pelo dinheiro investido. Os processos são descomplicados. Portugal nunca teve a bolha especulativa na construção como aconteceu em Espanha, o que penso que tem a ver com a forma como o imobiliário é financiado no mercado português. A pessoa sabe que o que comprou é dela, porque o consumidor está protegido. Nas construções de prestígio, o trabalho realizado e os acabamentos são muito bons – estão concebidos para os compradores internacionais de topo, o que faz com que o consumidor interno também espere mais, porque está exposto a este tipo de projetos, o que aumenta o padrão do mercado como um todo. Em termos de serviços de brokerage, há uma forma melhor e diferente de vender imobiliário, e espero que o consumidor português seja exposto a esta forma.

Há uma forma diferente de vender imobiliário?
Não interessa ter quatro ou cinco empresas a vender um empreendimento – pode pensar que tem cinco vezes mais os potenciais compradores, mas não é o que acontece. Se pedimos a uma empresa para vender um empreendimento nosso, temos de a tornar responsável, com relatórios mensais – quantas pessoas visitaram, quais foram os comentários? Há algo a melhorar no preço, no jardim, nos quartos? Não se trata tanto de profissionalizar o setor do imobiliário, mas sim de profissionalizar o consumidor, que deve esperar e exigir mais dos brokers de imobiliário. Quando lido com clientes de topo e me dizem que vão ter cinco empresas a tratar da comercialização do seu projeto, respondo: “Bem, não precisa de mim”. Trabalho em exclusivo ou quando há só mais uma agência envolvida e aí tem de haver um acordo em que se divide o resultado a meias ou quem traz o comprador recebe 60% – em que todos são pagos. Ou seja, duas imobiliárias no máximo. Todos podem fazer mais dinheiro, mas não podemos fazer mais tempo. 

O que passa cada vez mais pela questão de aconselhar o cliente...
Sim, os clientes querem ser aconselhados. Mais que ter a venda, tem de haver uma parceria. Ter cinco imobiliárias com uma propriedade já são três a mais. Recomendo o máximo de duas. E se quer ter qualidade tem de pagar por ela. As pessoas têm de respeitar os profissionais do setor. Se bem que há muitas agências que não são profissionais, só estão no negócio pelo dinheiro rápido. Pelo que considero que há aqui uma grande oportunidade – não só em Portugal, mas noutros países – de profissionalizar os serviços para um nível superior, de mostrar ao mercado que há uma forma diferente de comprar e de vender imobiliário, e que pode ser feita de forma séria. O consumidor tem de pedir maior profissionalismo – e pagar. Porque ter maior qualidade custa.

Christie’s a mudar o panorama do imobiliário português

Joachim Wrang-Widén, regional director da Christie’s na Europa, Médio Oriente e África, esteve em Portugal na semana passada para a inauguração do escritório da parceira portuguesa Porta da Frente em Lisboa (na Avenida da Liberdade, n.º 204). Sediada em Cascais, esta empresa que presta serviços no segmento residencial alto e médio-alto (e conta com cerca de 45 colaboradores) teve necessidade de um espaço “com maior dimensão e centralidade, face à crescente procura de mercado”. Rafael Ascenso, sócio-gerente da Porta da Frente|Christie’s, acredita que a capital portuguesa “tem um potencial de crescimento muito grande no segmento premium, a que nos destinamos”. O responsável adianta que “os empreendimentos recentemente lançados, como o FocusLX [com 26 apartamentos], o Ópera Lx e Tomás Ribeiro, bem como os novos empreendimentos que irão ser comercializados na Baixa/Chiado, são prova disso mesmo. Estes produtos estão a mudar o panorama do mercado imobiliário português”.

A Porta da Frente|Christie’s tem de momento 32 empreendimentos em carteira, “cuja percentagem é incomparavelmente maior em Lisboa. A linha de Cascais não tem mais por onde crescer, condicionada pelo Plano Diretor Municipal”. Na capital, a empresa denota maior procura no eixo da Avenida da Liberdade, Chiado, Baixa Pombalina, e “ultimamente nota-se um ressurgimento da área das Avenidas Novas”. Na linha de Cascais, a zona mais procurada tem sido o Estoril e Cascais, “onde já não há muita oferta de produto. As zonas prime junto ao mar são as mais solicitadas”. Rafael Ascenso adianta que, na capital e na área de Cascais, “a maior procura ainda é representada por estrangeiros, cerca de 70%”.

A Porta da Frente|Christie’s também está presente no Alentejo, onde a procura é “muito grande no Pestana Tróia, por parte de portugueses”. A companhia afirma que duplicou a faturação anual em 2013, passando dos 928,4 mil euros no ano anterior para 2281 milhões de euros, com 80% proveniente de clientes estrangeiros. Acrescenta que “o grande crescimento do produto em carteira, vistos gold e parcerias internacionais promovidas sobretudo pela rede Christie’s foram outros grandes impulsionadores deste resultado”. Em 2014 “começa a notar-se um maior contributo de clientes portugueses, que já começam a investir”, sendo que estima um aumento de 30 a 40% no volume de negócios total.

Fonte: OJE

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