23 novembro 2014

Como a PJ saiu do labirinto dos vistos gold


A carta anónima chegou à Polícia Judiciária no final do ano passado. Nela eram descritas ao pormenor as operações suspeitas de um grupo liderado por António Figueiredo, presidente do Instituto de Registos e Notariado que, segundo a carta, se dedicava a recolher informação - valor e localização - sobre imóveis que pudessem interessar a imigrantes dispostos a gastar 500 mil euros numa casa para poderem beneficiar de um visto gold. Os preços reais das casas seriam inflacionados e o dinheiro que restava distribuído pelos elementos do grupo, de acordo com a importância que tinham na estrutura.


O grupo denunciado incluía altos funcionários do Estado e chegava mesmo ao topo da hierarquia: Manuel Jarmela Palos, diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que assinava os vistos dourados, era um dos suspeitos referenciados na denúncia anónima. Alegadamente, aceitaria agilizar o processo de atribuição de vistos a amigos ou clientes da rede. "E não foi certamente a troco de duas garrafas de vinho", precisa uma fonte judicial que não quer ser identificada. O diretor do SEF, o primeiro chefe de uma polícia a ser preso em Portugal, está indiciado por dois crimes de corrupção. De acordo com várias notícias publicadas na última semana, terá recebido duas garrafas de vinho da vinha de António Figueiredo e é referenciado numa escuta como um "facilitados". "Se for coautor de um crime de corrupção que beneficiou uma terceira pessoa não pode deixar de ser considerado suspeito", explica a mesma fonte. João Medeiros, advogado de Manuel Palos, alegou o segredo de justiça para não fazer qualquer comentário ao caso. 

Uma fonte do SEF explica que os inspetores do serviço estão "perplexos" com a detenção "de um homem "acima de qualquer suspeita". Segundo a mesma fonte, Manuel Paios assinava os vistos, mas os dossiês eram preparados por um departamento próprio do SEF. "E mais ninguém dos SEF foi constituído arguido. Agia sozinho? Como?" Os vistos gold são atribuídos a quem formar uma empresa que crie mais de dez empregos ou a quem pague 500 mil euros por um imóvel. "A transferência tem de ser feita por um banco internacional e tem de estar documentada no processo", explica a mesma fonte.

Maria Antónia Anes, secretária-geral da Justiça, e elemento de confiança da ministra Paula Teixeira da Cruz, é a terceira funcionária de relevo envolvida no processo. Foi funcionária da PJ e adjunta de José Pedro Aguiar Branco, durante menos de três meses, quando o atual ministro da Defesa tinha a pasta da Justiça. Antes de ser nomeada pai a o Ministério da Justiça estava no IRN. O gabinete que ocupava no Ministério da Justiça foi alvo de buscas. É amiga pessoal de António Figueiredo e tem um filho que presta serviço ao IRN. Tem uma empresa de construção com o marido, António Anes.

Processo vai ter mais arguidos 

A investigação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção arrancou nos dias seguintes à chegada da carta. O caso foi entregue ao inspetor-chefe Afonso Sales, o mesmo que investigou os casos de fraude ao Serviço Nacional de Saúde e a investigação foi coordenada no terreno pela diretora da unidade, Saudade Nunes. 

Os suspeitos foram alvo de escutas e vigilâncias, que chegaram a detetar unia operação de varrimento eletrónico do SIS ao gabinete de António Figueiredo. Na operação, considerada legal pelo SIRP, esteve o atual diretor Horácio Pinto. De acordo com o "Diário de Notícias", a vigilância da PJ detetou membros do grupo em jantares com Júlio Pereira, atual diretor do Sistema de Informações da República. As vigilâncias fazem parte do processo para tentar demonstrar que o grupo tinha influência junto das esferas do poder. 

De acordo com uma fonte próxima do processo, o MP acredita que António Figueiredo e Zhu Xiaodong, um empresário chinês dono de uma imobiliária e de uma agência de documentação, a Golden Visa Europe, criaram um esquema que passava pela angariação de clientes chineses com dinheiro suficiente para comprar casas acima dos 500 mil euros e conseguir assim o visto gold. O papel de Manuel Paios seria o de garantir que o processo demoraria menos do que o habitual. O valor de alguns dos imóveis vendidos não chegava aos 500 mil euros, nem era essa a quantia entregue aos proprietários. As casas eram escrituradas por esse valor e o remanescente dividido por alguns dos membros do grupo. "Foram usados meios do Estado para benefícios pessoais", resume a mesma fonte judicial. 

António Figueiredo percebeu que estava a ser investigado logo no início do ano. De acordo com a revista "Sábado" telefonou ao diretor da PJ, Almeida Rodrigues, para saber se era verdade. O polícia disse que não sabia de nada e o presidente do IRN pediu então ao SIS para que lhe fizessem um varrimento eletrónico no gabinete para saber se estava a ser alvo de escutas. 

Em maio, a revista "Sábado" publica a primeira notícia sobre as investigações e António Figueiredo mostra-se "perplexo" com o caso. Seria detido com mais dez pessoas no início da semana passada e exonerado do cargo. Vai aguardar julgamento em prisão preventiva e está indiciado por três crimes de corrupção, dois de recebimento indevido de vantagem, e um de peculato de uso, tráfico de influência, branqueamento, prevaricação e abuso de poder. "Obviamente vou recorrer", diz o advogado Rui Patrício, que defende o presidente do IRN e diz-se "enojado" com as fugas de informação. 

Outros quatro funcionários do IRN foram constituídos arguidos e suspensos de funções. Albertina Gonçalves, secretária-geral do Ministério do Ambiente e sócia de Miguel Macedo foi constituída arguida. O ministro, que era sócio de uma filha de António Figueiredo, acabou por se demitir do cargo. 

O Expresso sabe que as investigações do Ministério Público não vão ficar por aqui e que em breve serão constituídos mais arguidos no processo. As buscas na Câmara de Lisboa foram só o primeiro sinal.
Fonte: Expresso

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