17 outubro 2012

André Navarro:"Atrair clientes para os centros comerciais é o maior desafio nos próximos três anos"


O segmento dos centros comerciais vive do consumo e este está a cair por força da crise que o País atravessa. Reinventar o setor do lado dos lojistas e promotores é o grande desafio para atrair e manter clientes nos próximos três anos, afirma André Navarro, partner e responsável pela gestão e centros comerciais na consultora Cushman &Wakefield (C&W).


O que se está a fazer de diferente na gestão dos centros comerciais para acautelar a crise económica e a redução do consumo?
Antes de mais, os proprietários estão muito mais flexíveis, o que demorou algum tempo. A crise não é de agora, intensificou-se em 2009 e foi no ano passado que os retalhistas sentiram mais a crise. Os proprietários levaram tempo, é o efeito acordeão, até perceberem que tinham de mudar. Há uma pressão por parte dos lojistas, com inquilinos a começarem a entrar em derrapagem, sem conseguirem pagar as rendas. Os proprietários ficaram, nestas circunstâncias, mais sensíveis a baixarem as rendas.

E também alterarem outras condições?
Nesse aspeto, temos duas dimensões. Por um lado, há que captar novos lojistas, e nesse ponto partimos de um cenário que é uma folha de papel em branco, com o lojista a mandar, a impor as condições, senão não entra. Por outro lado, há pouco financiamento e o que há é caro e escasso, sendo que os lojistas só entram com condições em que eliminam ao máximo o risco, ou não entram.

Referem-se a que condições?
São rendas 20 a 30% ou 40% abaixo dos valores de mercado que se praticavam há dois anos. São incentivos com carências que vão até seis meses de renda ou mais, dependendo do lojista, o interesse que tem e o valor de cada ativo, dependendo ainda de se for um prime como um Colombo, ou se for um centro comercial de uma cidade secundária. Há flexibilidade para dar carências, rendas mais baixas e para dar dinheiro, o "fit out money", se se quiser atrair uma marca, tipo uma Massimo Duti ou uma H&M: sabe-se que, a priori, só irão para centros de categoria "A" e mesmo assim é preciso pagar obras que podem custar 1 milhão de euros. As duas dimensões sãos estas: por um lado há que atrair os novos lojistas, que entram e colocam as cartas na mesa; enquanto a outra dimensão se refere aos lojistas que já estão connosco, que têm contratos a cumprir, estão mais presos ao passado, vêm conversar e sensibilizar para o que está a acontecer. Percebemos que não é sustentável a uma loja que vendia 50 mil euros e que hoje vende 30 mil, continuar a ter o mesmo nível de custos que tinha. Ficará com uma grande taxa de esforço e depois começará a não pagar. Uma das ferramentas usadas pelos proprietários é estender o contrato, assumir que a renda vai cair 20 ou 30%, mas o lojista renova o seu compromisso por mais seis anos, por mais um contrato. No curto prazo, permite responder às dificuldades, que é reduzir os custos, e o proprietário ganhará no longo prazo.

Também está a ser enquadrada a possibilidade de decisão de risco no negócio, com a parte variável maior que a fixa na renda?
Começam a existir muitos cenários de lojistas com rendas em que a componente variável tem mais peso que a mínima, sendo que esta é mais residual, é mais para a avaliação do ativo. Em termos práticos, é preferível aceitar uma renda mais baixa, mas com uma variável maior.

Também significa que as yields estão a ser alteradas, quer nos espaços prime quer no secundário. De que yields estamos a falar?
Há ativos que, com a mesma ocupação e com nível de renda ajustada, estão a cair cerca de 50% em termos de valor. Um ativo comprado em 2007, possivelmente com uma yield a 6,5%, é hoje avaliado a 9%, o que significa 50%, e tudo isto sem ter havido perda de lojistas ou de rendas. Nos ativos prime, há uma tendência de este impacto ser menor. No top 5 dos centros nacionais, a questão de risco continua a ser relativamente baixa, apesar de saber que há novas condições de mercado. Continuam a ser centros com ocupação garantida, com rendas que se conseguem manter sem reduções significativas, podendo haver carências e, nesses casos, as variações das yields não são tão significativas. Possivelmente, um centro prime valorizado a 5,5 ou 6% terá hoje uma yield diferente, dentro dos 6,75 a 7%, sendo certo que uma yield vale o que vale.

Como vão atrair mais clientes visitantes aos centros comerciais?
Esse será o maior desafio que esta indústria terá nos próximos três anos, já que temos consumo em queda, com confiança em baixo e com medo. Claramente, vão ter de poupar. Isto terá um impacto brutal no consumo, e os centros comerciais vivem do consumo. Os lojistas já se estão a adaptar há bastante tempo, reduzindo margens para terem preços mais baixos.

O mercado poderá reagir bem a novos formatos em termos de centros comerciais?
Os fatores outlets estão com crescimento, genericamente falando. Posso dar o exemplo um pouco elitista de quem vai a uma marca, mas vai ao outlet e não ao centro comercial convencional, sendo que já está a acontecer essa transferência de consumo.

Os espaços comerciais de rua em zonas prime têm corrido bem. Faz sentido voltar a falar de gestor de espaço de rua, à semelhança do que se faz em algumas cidades europeias?
Esse é um tema antigo e muito difícil, por causa do nosso ordenamento jurídico. Não havendo um proprietário único, é quase impossível conseguir uma gestão de "n" proprietários, pois é muito difícil que se unam todos para fazerem tudo dentro da mesma forma e suportarem isso nos respetivos contratos. Aliás, a própria forma de contratar não o permite. No centro comercial, há um contrato atípico - de licença de utilização, que tem um regulamento interno anexo que define regras para tudo, desde a hora em que se faz cargas e descargas até como as fachadas são decoradas. O lojista tem de se balizar por aquelas normas e permitir essa standardização. Na rua, o contrato de arrendamento tradicional não tem este tipo de disposições e, embora as partes o possam acordar, torna-se difícil. Os lojistas fazem cargas e descargas à hora que entendem, não há uma visão integrada. No entanto, há algumas cidades na Europa onde essa gestão integrada é feita. A C&W faz a gestão da Regent Street em Londres, dirigida como se fosse um centro comercial a céu aberto, mas claro, há uma diferença em relação a outros espaços. Tudo ali é da coroa britânica, logo, o senhorio é só um e arranja forma de ter o controlo sobre os vários aspetos que lhe interessa. A rua é gerida como um centro comercial, onde há uma promoção comum, onde há uma marca.

A C&W já estudou a gestão de ruas em Portugal?
Já aconteceu. Num passado recente trabalhámos com a SRU Porto Vivo, com um projeto a reabilitação do quarteirão do Aliados que previa, inclusive, para ultrapassar estas questões, poderes de expropriação sobre os proprietários que não se ajustassem. E, aí, com um único proprietário ou com um esforço de incluir todos os proprietários numa orientação comum, seria possível fazer trabalho. O projeto acabou por não avançar. Tivemos outra situação para uma outra entidade, com um projeto semelhante para a zona dos ministérios do Terreiro do Paço, em Lisboa. O proprietário era um único e a proposta visava uma gestão integrada para o comércio que iria ser desenvolvido na zona.

Voltando à gestão dos centros comerciais. Que trabalho tem estado a C&W a fazer nesta vertente?
Gerimos cinco centros comerciais e uma galeria de rua, o Alto do Parque, junto ao El Corte Inglés, em Lisboa. Trabalhamos exclusivamente para clientes internacionais na gestão de centros comerciais. O trabalho que esperam de nós é bem mais que a gestão, o property management puro e duro. Oferecemos mais um trabalho de asset management, vemos o ativo de uma forma um pouco diferente do que só fazer a gestão do edifício. Vemos o ativo enquanto algo que tem de criar valor. Representamos o dono, fazemos o trabalho alargado em que lidamos com os inquilinos, mas também com os advogados, fiscalistas e as entidades públicas. Eles esperam que lhes digamos o que devem fazer, pois tomam decisões com base nas recomendações.

Que ideia têm do mercado português neste momento?
Muitos dos investidores internacionais perderam ou estão a perder dinheiro. Quem fez compras nos tempos altos com yields baixas, vê que tudo se inverteu, tem os ativos avaliados em dez, 20 ou mesmo 30% abaixo. Surgem daí problemas, pois já lá vai o tempo em que um centro comercial mudava de mãos em cada quatro, cinco anos. Tradicionalmente, os investidores financiavam-se e havia equity dos investidores. O financiamento na banca era a 75%, 80%, com carência de capital durante o período, pagavam apenas juros, e isto porque um centro comercial de 100 milhões de euros era teoricamente vendido por 110 ou 120 milhões passados aqueles anos. E, nessa altura, amortizavam. Limitavam-se a cumprir serviço da dívida durante o período. Com as avaliações a caírem, o centro comercial de 100 milhões está hoje avaliado em 60 ou 70 milhões de euros, e o banco financiou a 75%, o que faz com que a garantia que este tem valerá menos que o empréstimo. Estes cenários provocam um incumprimento técnico perante a entidade financiadora, já que continuam a pagar a dívida, mas a garantia que o banco tem está reduzida. Isto pode implicar que, numa renegociação do financiamento, os bancos exijam, naturalmente, um reforço de garantias ou spreads maiores. Na verdade, a banca não tem interesse em tomar conta de um centro comercial. Não é o core business deles, o que fazem é emprestar dinheiro. Há mudanças em todo este paradigma que deixaram os investimentos estrangeiros em situações complicadas, pois nunca irão tirar daqui dinheiro.

Há investidores internacionais a quererem sair ou estão calmos?
Depende da expressão que tenham no País. Um investidor que tenha apenas um ativo avaliado 30 ou 40% abaixo prefere sair. Pode, inclusive, preferir que o banco venha buscá-lo. Em contraste, para um investidor com 10, 12 ou 14 ativos, ou seja, um portefólio grande, a situação não será a mesma, pois tende a ter ativos em estádios diferentes. Dito isto, acredito que existam muito investidores a perder dinheiro no imobiliário comercial.

Não há novos investidores institucionais a substituírem aqueles, nomeadamente do Brasil ou da China?
Não tenho notícias de casos fora da Europa. Os investidores em Portugal têm sido fundos alemães ou britânicos, em suma, europeus e de um núcleo duro de quatro ou cinco países. Os americanos investem no Brasil, enquanto os chineses estão em economias emergentes.

Fonte: OJE

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